• Entrevista por:
  • Helena Garrido

Ricardo Reis: “Não tivemos assim tanta austeridade” como se diz

Ricardo Reis considera que a política orçamental na era da troika foi menos restritiva do que se diz. Numa entrevista conduzida por Helena Garrido, diz que a recessão é explicada por outros choques.

Portugal não está sequer no top 30 dos países que registaram maiores ajustamentos orçamentais no quadro dos programas do FMI dos últimos anos, afirma o economista e professor da London School of Economics. A recessão que vivemos é em grande parte explicada por outros choques, desde a estagnação de 16 anos à fuga de capitais.

Aqui falamos do passado mas também do presente e do futuro. Da desconfiança que hoje o país gera no exterior. O aumento do prémio de risco da dívida pública é um dos sinais. “A extrema-esquerda, parecendo que não, no seu discurso diz por vezes coisas assustadoras, para quem é um investidor”, afirma Ricardo Reis que vê o país a partir de Londres e antes disso de Nova Iorque.

Não havia em Portugal uma restrição financeira que impediu a decisão de uma intervenção mais musculada na banca. Uma vez que uma intervenção à irlandesa na banca portuguesa significaria aumentar significativamente a dívida pública?
Não acredito, porque havia o empréstimo do FMI para fazer isso. Talvez implicasse mais austeridade do que a que tivemos, mas não tivemos assim tanta austeridade…

…Não tivemos assim tanta austeridade?

Se olhar para os números do défice público primário, tirando as despesas com juros, a descida do défice público primário em Portugal entre 2012 e 2014 é menor do que a que houve nos EUA. E nos EUA não se falou de austeridade. Há uma descida grande entre 2011 e 2012, mas depois…

Mas o efeito na economia e no desemprego foi brutal. Há aqui uma alteração significativa em Portugal. Não acha que foi?

Olhando para os dados, não me parece claro que esta austeridade, que a recessão que tivemos tenha sido devido à austeridade, em vez de ter sido devido à enorme fuga de capitais de Portugal. Houve uma enorme fuga de capitais de Portugal entre 2012 e 2014, que é tão responsável pela recessão como é a austeridade que tivemos.

Portugal não está sequer no top dos 30 países do FMI que nos últimos 30 anos tiveram maiores ajustamentos fiscais

Ricardo Reis
Como as políticas ativas...

A austeridade, é preciso compreender… Não quero de forma alguma ser citado como dizendo que não houve austeridade em Portugal. Houve austeridade em Portugal, com certeza. Houve uma redução das finanças públicas, com certeza. Agora quando dizem que foi de uma violência brutal… Olho para o historial do que são os programas do FMI, em termos do ajustamento do saldo primário, e Portugal não está sequer no top dos 30 dos últimos 30 anos de [maiores] ajustamentos fiscais do FMI. Não está, em termos do que foi a variação do saldo primário das contas públicas.

Mas quando se compara as medidas com o que foi o efeito na economia, nós verificamos que o efeito foi muito mais significativo...

Foi mais do que estava previsto inicialmente. Mas a nossa economia não colapsou. Sem o empréstimo do FMI, o PIB teria contraindo uns 15 a 20%.

Tivemos um aumento do desemprego histórico. Por que é que pensa que há a ideia de que a austeridade foi brutal? Acha que é também um erro de avaliação que é explicado pela economia comportamental?

Não, antes pelo contrário. Há uma crise muito profunda em Portugal a partir de 2010, 2011, no seguimento do que tinha sido a enorme estagnação da economia portuguesa desde 2000. A partir de 2011, o que acontece é que temos um choque brutal que é a fuga de capitais de Portugal, o aumento dos prémios de risco e o colapso do nosso sistema financeiro. E no topo disso, porque de facto não conseguimos obter mais crédito no estrangeiro, a não ser da troika, temos também a austeridade. Temos uma economia que está estagnada, uma economia que tem uma enorme fuga de capitais, uma economia em que o sistema bancário colapsou como um todo, por completo. E tendo em conta estes quatro maus choques, estes quatro choques terríveis para a economia portuguesa, decide-se, por alguma razão, que foi a austeridade que causou tudo, como acabaste de fazer agora na tua pergunta. Eu, como académico, vejo quatro choques e tenho dificuldade em dizer qual dos quatro foi o principal e qual dos quatro levou ao tal aumento brutal no desemprego. Mas usando as ferramentas da econometria, usando as ferramentas do comportamento racional das pessoas, tentando medir qual foi o efeito da austeridade, consigo dizer que de facto a austeridade contribuiu para parte da recessão portuguesa. Mas mesmo com os tais multiplicadores revistos do FMI, tendo em conta que a nossa austeridade não foi assim tão grande, em comparação com 30 programas do FMI, ela contribuirá no máximo dos máximos – e estou a ser altamente generoso – talvez com metade, talvez com dois terços no máximo do que foi o aumento do desemprego. E mais razoável, talvez um terço do que ele foi.

O que não é responsável pela estagnação portuguesa

A economia portuguesa vive uma estagnação de 16 anos, que não tem precedentes na história da OCDE. (…) Sei o que não é responsável. Mas não saímos da crise dizendo que queremos é manter as coisas como estavam, proteger, repor o que havia.

Ricardo Reis
Estamos em 2016. A economia não reanima. Quais são para si os principais problemas que podem explicar?

Isso é um diagnóstico muito difícil. Noto primeiro que a crise portuguesa não começou em 2011, começou em 2000. Portugal desde 2000 que não cresce, a produtividade não cresce. Hoje o nosso PIB é basicamente igual ao de 2000. É uma estagnação de 16 anos, que não tem precedentes na história da OCDE. Nenhum país, para além de Itália, nos últimos 16 anos tem uma estagnação económica como a portuguesa. Estamos a falar de mais de 20 países dos quais temos dados desde 1960. Ninguém teve 16 anos como Portugal teve, com a exceção da Itália, desde 1960. Mesmo olhando para a História portuguesa temos que voltar ao final do Século XIX para vermos um período de 16 anos de tão má performance económica como tivemos agora. A situação é verdadeiramente grave, mas não é uma situação que começou em 2011. Portugal simplesmente não cresce. Por ser uma situação que começou há 16 anos, posso dizer o que é que não é responsável. O que não é responsável é quem está no governo, porque já alternaram vários partidos no governo e isso não fez diferença em termos de crescimento. Também não é responsabilidade da austeridade, porque tivemos austeridade durante dois anos.

Tivemos expansão fiscal brutal durante outros três. Tivemos às vezes cortes, outras aumentos, mas claramente não é a discussão da política fiscal mais contracionista, mais expansionista, que parece que explique por que razão o País não cresce durante 16 anos. Já experimentamos um pouco de tudo aí. Este mistério, porque é que nós crescemos, no meu diagnóstico, uma parte muito importante que já referi nesta entrevista, tem a ver com o mau funcionamento do sistema financeiro, não só em Portugal, e na má alocação do capital. Em Portugal, não só o sistema financeiro, mas em grande parte também o Estado, aloca capital numa forma que consiste em escolher setores, escolher empresas campeãs. Quer os bancos, quer sobretudo os políticos. Sem perceberem que o que se está a criar são setores protegidos nos quais se criam rendas, mas nos quais não há crescimento económico. Ou seja, há uma enorme distorção da alocação de capital em Portugal, no sentido em que não vai o capital, não vão os recursos e não vão as pessoas para os setores com mais expansão de produtividade, com mas promessa em termos de comércio internacional. Porque tem sido uma economia altamente protegida, na qual o Estado e os bancos contribuem para essa proteção. Ora isso mudou algo com as reformas estruturais durante o programa da troika. E vi alguns resultados positivos. Vi um enorme aumento das exportações em Portugal, que continua. Vi um aumento no crescimento económico nos últimos dois a três anos, que apontava para uma recuperação. Mas que infelizmente nos últimos 12 a 18 meses, de facto, voltou a parar.

Espero que seja apenas uma interrupção e que esta abertura de Portugal ao exterior, que se vê muito claramente no setor do turismo, mas que que já se veem noutros setores, não seja interrompida. E que essa abertura à concorrência, às exportações e ao mercado internacional, seja uma das formas de fugir desta crise. Tenho, no entanto, a humildade de dizer que são 16 anos, é uma crise profunda e não há uma receita mágica para Portugal sair daqui. Agora, sei é que não saímos da crise dizendo que queremos é manter as coisas como estavam, proteger, repor o que havia. O que havia era uma economia estagnada e portanto espero que olhemos para a frente e não para trás, para repor o que havia há dois anos ou há 10 anos, mas antes para mudar de forma a pôr a economia a crescer. E penso que dentro dos diferentes atores principais da nossa cena económica, desde a Presidência, desde o Governo, desde a oposição em si, há uma perceção de que é essa a verdade e há um empenho em tentar mudar Portugal. Não acho que sejam uns malvados, com más ideias que estão a impedir Portugal de crescer. Tentámos diferentes receitas e pôr este país a crescer. Não podemos olhar e ter a perspetiva de repor o que havia há seis ou 10 anos, porque o que havia há 10 anos era muito mau.

Posso retirar da sua resposta que está a criticar a combinação de políticas que está a ser seguida por este Governo?

Não, não estava a criticar. Estava a dizer que houve um ênfase muito grande na cabeça das pessoas e na discussão pública, deste Governo, assim como do governo anterior – isto não é uma questão de Governo – de dizer que “o queremos é repor as coisas como estavam aqui há 6 ou 7 anos”. Mesmo as medidas do anterior governo eram sempre medidas temporárias, para repor. “Só uns anos e já repomos onde estávamos há seis ou sete anos”. Temos é de pôr esta economia a crescer, é de estimular esta economia, no sentido de as pessoas se virarem para o mercado externo e tentarem que haja um crescimento da economia como um todo. Espero que melhore a alocação de capital. Agora, se me perguntares em políticas individuais, há políticas deste Governo que são muito erradas? Há.

O enorme aumento do prémio de risco da dívida portuguesa, em relação à espanhola, mostra que há hoje uma grande desconfiança dos investidores em Portugal, muito maior do que era há 12 meses.

Ricardo Reis
No atual Governo quais foram as medidas que considera que foram erradas?

Acho que há um erro quando rasgamos compromissos internacionais. Há um erro quando revertemos privatizações. Há um erro em criar a ideia de que há uma certa arbitrariedade e discricionariedade perante os investidores num país como Portugal, altamente endividado, que ainda deve muito e que para além disso depende do mercado externo não só para captar capital, mas sobretudo para exportar.

Está a referir-se à questão dos transportes e da privatização da TAP?

Pequenos episódios. A concessão dos transportes, a privatização da TAP, assim como agora a conversa da subida dos impostos muito selectiva com o subtexto dizendo que queremos é taxar os estrangeiros que compraram aqui casas de valor superior a um milhão e outras. Todas estas medidas, avulsas, têm um efeito orçamental mínimo, mas tem um impacto muito grande na confiança dos investidores em Portugal.

A extrema-esquerda, parecendo que não, no seu discurso diz às vezes coisas assustadoras, para quem é um investidor

Ricardo Reis
Vive em Londres, viveu muitos anos em Nova Iorque. Qual é que é a perceção que partilham consigo em relação a Portugal?

O enorme aumento do prémio de risco da dívida portuguesa, em relação à espanhola, mostra que há hoje uma grande desconfiança dos investidores em Portugal, muito maior do que era há 12 meses. Isto também é verdade nos meus contactos, no sentido em que, quando eu interajo com investidores ou simplesmente economistas, académicos, escritores de jornal ou outros no estrangeiro, de facto há algum receio que surgiu nos últimos 12 meses. Esse receio talvez seja perfeitamente injusto, mas que há esse receio é inegável. Os mercados mostram-no, as notas de ‘research’ dos principais bancos mostram-no, os artigos escritos no Financial Times, na Economist ou no New York Times sobre Portugal mostram que nos últimos 12 meses há um receio. Esse receio é culpa deste Governo? Em parte, é, no sentido da tal reversão de políticas que me parece a mim danosa, que aconteceu em relação a casos específicos.

Em segundo lugar, porque é um Governo apoiado pela extrema-esquerda. A extrema-esquerda, parecendo que não, no seu discurso diz às vezes coisas assustadoras, para quem é um investidor ou simplesmente para quem se preocupa com o bem-estar da economia portuguesa. E nós vimos o que aconteceu quando a extrema-esquerda subiu ao poder na Grécia, o descalabro que se seguiu. Em Portugal não chegou ao poder, mas apoiou o Governo. Quem vê de fora tenta perceber se Portugal tem um novo Syriza no poder ou não. Eu penso que o Governo e o Primeiro-Ministro têm feito até um ótimo trabalho em ter conseguido, rapidamente, mostrar aos investidores internacionais que este novo Governo não era um Governo Syriza, era um Governo PS, com apoio da extrema-esquerda, mas um Governo socialista empenhado nos compromissos europeus e na economia de mercado. Mas a verdade é que não há semana em que não venham afirmações da extrema-esquerda que são, algumas delas, assustadoras para quem investe na economia portuguesa.

Qual foi a frase que mais o assustou?

Tenho dificuldades agora em apontar qual delas será, mas a extrema-esquerda fala em nacionalizar partes da economia quase semana sim, semana não. Ou em aumentar salários de uma forma para os quais simplesmente não há dinheiro para os pagar, só para dar dois exemplos.

  • Helena Garrido

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