António Costa cortou a meta da Europa e prepara a segunda volta da maratona. “Mãos à obra!”

Chegou a um dos cargos de topo da União Europeia e não esconde o objetivo de ser reeleito para um segundo mandato à frente do Conselho. Metódico e ateu, os pares elogiam-lhe a eficiência.

  • Retrato é uma rubrica do ECO na qual, durante o mês de agosto, é publicado diariamente o perfil de uma personalidade que se distinguiu no último ano, em Portugal

Gostava de ser como Mário Soares na política, Cristiano Ronaldo no futebol ou como Rosa Mota e vencer a maratona, mas António Costa não fica atrás dos seus ídolos a marcar pontos na arena nacional e internacional. Depois de ter passado por vários Governos, de ter comandado a câmara da capital do país, e de liderar três Executivos durante oito anos, sobe a presidente do Conselho Europeu. Não é um sprint, é uma maratona de estafetas, como o próprio já admitiu.

“A União Europeia é uma verdadeira maratona, que se desenvolve em forma de estafeta, em que, de seis em seis meses, recebemos o testemunho”, afirmou o então primeiro-ministro António Costa, em janeiro de 2021, quando assumiu a presidência portuguesa do Conselho União Europeia (UE).

E está sempre pronto para avançar, sem perder grande tempo a olhar para trás. “Não vivo muito de saudades. Gosto mais sempre de pensar o que é que posso fazer mais do que sobre as coisas que fiz. Essas estão feitas, bem ou mal, eu prefiro focar-me no futuro. Não sou muito dado a saudades”, afirmou ao programa Alta Definição da SIC.

“Mãos à obra!” é o seu lema. Não raras vezes usa essa expressão para finalizar discursos emblemáticos. Foi assim quando tomou posse como presidente do Conselho Europeu mas também quando, em 2019, o programa do seu segundo Governo sem maioria absoluta passou pelo crivo da Assembleia da República. Defender os nossos valores, reforçar os nossos projetos europeus de paz e prosperidade e reforçar a confiança dos cidadãos – é esta a agenda a cumprir. Mãos à obra!, declarou na cerimónia de transmissão de poderes com o presidente cessante do Conselho Europeu, Charles Michel, a 29 de novembro de 2024.

Como primeiro-ministro, caiu com um parágrafo da Procuradoria-Geral da República, por o seu nome estar alegadamente envolvido numa investigação sobre suspeitas de negócios de lítio e hidrogénio — o que não se veio a verificar –, abrindo caminho às eleições legislativas antecipadas de 2024. Mas, como quando se fecha uma porta abre-se uma janela, a oportunidade surgiu. Foi eleito presidente do Conselho Europeu, um objetivo antigo e só não foi mais cedo para a Europa porque o Presidente da República amarrou-o à maioria absoluta que conquistou em 2022. A próxima etapa: ser reeleito para um segundo mandato de dois anos e meio à frente do Conselho. Mas o verdadeiro sonho é viver no Príncipe Real, em Lisboa, onde guarda memórias de infância.

Trocou a residência de São Bento pela de Bruxelas e a agenda intensificou-se. A primeira decisão assim que tomou posse foi viajar até à Ucrânia para deixar uma mensagem muito forte de apoio ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na frente de guerra provocada pela invasão da Rússia. Costa e Zelensky têm uma relação muito próxima e estão em contacto frequente, seja de forma presencial ou por telefone.

A sua agenda de trabalho inclui uma longa lista de reuniões com chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, em representação da UE, em cimeiras internacionais como as que se realizaram no Reino Unido, Canadá, Ásia Central ou África do Sul, além de contactos regulares com os líderes para preparar as reuniões do Conselho Europeu.

O Conselho Europeu é agora a sua casa, desde dezembro do ano passado, quando Charles Michel lhe passou o testemunho. Tem dois anos e meio pela frente, mas a ambição é chegar ao segundo mandato. Depois o futuro não a Deus mas ao homem pertence. Até porque António Costa é ateu, não é crente e defende a tese de que o Homem é que criou Deus, não o contrário.

“Eu não sou crente em nada de transcendente. Se a narrativa fosse o homem criou Deus, não tenho dúvidas que foi. Tenho dificuldade em acreditar na ideia contrária de que algo transcendente criou o homem”, confessou ao programa Alta Definição da SIC.

António Costa, ex-primeiro-ministro de Portugal e presidente do Conselho Europeu. EPA/GUILLAUME HORCAJUELO EPA/GUILLAUME HORCAJUELO

Os pares elogiam-lhe a “eficiência”. Conseguiu encurtar a duração da maior parte das reuniões do Conselho Europeu de um dia e meio para um dia. “É muito pragmático, obstinado, organizado, gosta de cumprir metas”, refere uma fonte que acompanhou o ex-primeiro-ministro já depois da saída de São Bento.

Do ponto de vista profissional, nunca costumo pôr um pé em ramo verde. Às vezes, claro, todos nós somos surpreendidos, não digo que não posso ser surpreendido, claro que sim, mas procuro sempre preparar-me.

António Costa

Presidente do Conselho Europeu

Essa frieza é assumida pelo próprio: “Do ponto de vista profissional, nunca costumo pôr um pé em ramo verde. Às vezes, claro, todos nós somos surpreendidos, não digo que não posso ser surpreendido, claro que sim, mas procuro sempre preparar-me”.

A boa preparação é o traço comum que os eurodeputados portugueses ouvidos pelo ECO destacam do antigo primeiro-ministro. “António Costa é uma pessoa bem preparada para cumprir o seu mandato, que passa por fazer pontes e gerar consensos entre os 27 Estados-membros, numa altura em que as diferenças são cada vez maiores”, aponta o eurodeputado do PSD Paulo Cunha. “Mas ainda é cedo para avaliar o desempenho de António Costa”, ressalva.

Isilda Gomes, eurodeputada do PS, é muito mais efusiva nos elogios que tece a António Costa, por partilharem a mesma cor política: “A sua tenacidade, força, determinação são fundamentais no cargo que ocupa e pode fazer a diferença no momento em que vivemos, porque é um homem capaz de gerar consensos, de diálogo”.

Do lado do PCP, o eurodeputado João Oliveira é mais crítico, considerando que “António Costa não se tem distinguido dos restantes líderes europeus, tem seguido a linha belicista e militarista na Ucrânia”. No entanto, reconhece-lhe as qualidades de negociação durante os tempos da geringonça, em que o PS teve de formar consensos com PCP e BE para conseguir aprovar Orçamentos do Estado, uma vez que não tinha maioria absoluta no Parlamento.

“Nos meses que antecederam a escolha para presidente do Conselho Europeu, António Costa colocou em cima da mesa vários cenários e não excluiu mesmo não ser a escolha dos líderes europeus. Quem o acompanhou nesse período garante que tinha em mente duas opções: ou seguia para Bruxelas – como veio a acontecer – ou se mantinha no canal Now (do grupo Medialivre a que pertence o Negócios) como comentador, ainda que o formato não estivesse fechado”, escreve o Negócios.

Ainda em funções como primeiro-ministro, inscreveu-se na pós-graduação em Contencioso Contratual, Mediação e Arbitragem na Universidade Católica e tentava sempre não faltar às aulas. Mais um sinal de que gosta de não falhar os objetivos, contou uma fonte ao Negócios.

Primeiro-ministro português, Luís Montenegro, com o presidente do Conselho Europeu, António Costa, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen European Union

Depois de conhecida a decisão do primeiro-ministro Luís Montenegro de apoiar António Costa — anúncio feito logo na noite das eleições europeias — e de assegurado o patrocínio de importantes líderes como o então chanceler alemão Olaf Scholz, o Presidente francês Emmanuel Macron, do “amigo” Pedro Sánchez e dos primeiros-ministros da Grécia, Países Baixos e Polónia, a decisão parecia ser irreversível. E assim foi. Na noite de 27 de junho de 2024, a maioria qualificada estava garantida.

O semanário Expresso escreveu que Costa estava em Lisboa, na casa em Benfica e recebeu a notícia pela mulher que viu na televisão a informação de última hora. Tinha também uma mensagem do primeiro-ministro, Luís Montenegro.

António Costa tem sobre a sua mesa as orientações gerais e as prioridades políticas da União Europeia. É no Conselho que se discutem as questões mais complexas que não foram resolvidas nos níveis inferiores de cooperação entre os 27. É lá que se definem as políticas externas e de segurança comum.

Por isso, foi de estranhar a ausência de António Costa no encontro entre líderes europeus e Donald Trump, na Casa Branca, a propósito das negociações de paz na Ucrânia. O presidente norte-americano esteve reunido com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, o presidente de França, Emmanuel Macron, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, o chefe do governo britânico, Keir Starmer, e o secretário-geral da NATO, Mark Rutte.

O Politico até lembrou o caso do sofagate em que, numa visita à Turquia, em abril de 2021, só havia uma cadeira para o então presidente do Conselho Europeu e para a presidente da Comissão Europeia. Charles Michel tomou o lugar e Ursula von der Leyen teve de se sentar num sofá, tendo ficado magoada com a descortesia do seu par. Será que António Costa não terá ido a Washington para não fazer sombra a Von der Leyen? À partida não terá sido essa a situação, até porque os dois gozam de uma excelente relação. Provavelmente, Donald Trump poderá ter pedido apenas um representante da União Europeia e decidiram que iria a presidente da Comissão.

Presidente do Conselho Europeu, António Costa, presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen European Union

Mas António Costa não quis passar ao lado da cimeira. Convocou para o dia seguinte uma reunião do Conselho Europeu por videoconferência e prestou declarações aos jornalistas a partir da representação da Comissão Europeia em Lisboa, aproveitando para anunciar um novo pacote de sanções contra a Rússia.

“O que a UE pode fazer para credibilizar e apoiar os esforços de paz de Trump? Primeiro, reforçar a pressão sobre a Rússia avançando na preparação do 19.º pacote de sanções por forma a garantir que mantemos a pressão para a Rússia parar a guerra”, afirmou António Costa.

De resto, Ursula e Costa têm uma relação muito próxima. Trabalham desde 2019, quando a alemã foi eleita presidente da Comissão Europeia. Publicamente sempre se apoiaram. Na pandemia e quando foi preciso lançar a bazuca da pós-recuperação, na altura Portugal detinha a presidência rotativa do Conselho da União Europeia.

António Costa foi, aliás, o primeiro de entre os 27 a entregar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para avaliação de Bruxelas no dia 22 de abril de 2021. O documento recebeu luz verde da Comissão e Von der Leyen veio a Lisboa assinar o protocolo com direito a grande receção no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa.

Como presidente do Conselho Europeu, Costa conduz as orientações gerais e prioridades políticas da União: dos dossiês mais complexos que sobem aos líderes, à definição de políticas externa e de segurança comum, passando pela designação de altos cargos como a presidência do Banco Central Europeu. Desde dezembro, essa é a sua casa. O mandato é de dois anos e meio; a ambição assumida é a reeleição. Depois, logo se verá. Para já, a maratona continua — “mãos à obra”.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa Lusa

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