De norte a sul do país, cidadãos têm voz ativa no orçamento participativo

Há três anos que a Câmara de Coimbra não tem Orçamento Participativo e este ano a de Lisboa e de Albufeira também não. Mas, na generalidade do país, os cidadãos são chamados a ter voto na matéria.

Do Jardim do Caracol da Penha, em Lisboa, passando pelo Espaço de Aprendizagem Intergeracional, em Braga, até à construção de um Complexo Desportivo de Jogos de verão, em Bragança. Estes são alguns exemplos de projetos executados pelas câmaras municipais do país que, no âmbito do Orçamento Participativo (OP), foram propostos pelos cidadãos chamados a decidir a aplicação de uma parcela do orçamento municipal. Ainda assim, há autarquias, como Lisboa, Coimbra e Albufeira, que este ano não abriram as candidaturas, porque querem atualizar o modelo ou executar projetos de anos anteriores.

No caso de Albufeira, o município decidiu interromper a rubrica do OP durante este ano e que tinha a funcionar há já cinco anos, porque quer reestruturar o conceito inerente a este instrumento municipal. “Estamos a estudar e a definir um modelo mais equilibrado que permita dividir a verba por freguesias conforme o índice de população, de modo a que todo o processo seja mais equilibrado”, começa por avançar ao ECO/Local Online o vice-presidente da autarquia, Cristiano Cabrita.

Jardim do Caracol da Penha, Lisboa, inaugurado este ano, é um dos projetos do OP de 2016

Na base desta decisão está a desvantagem que os meios rurais possam ter em relação aos urbanos por terem menos população para votar. “Num processo de votação, as localidades que têm mais população são as que saem beneficiadas no final, pois as votações são sempre superiores”, explica o número dois da Câmara Municipal de Albufeira. Como acontece, exemplifica Cristiano Cabrita, na freguesia urbana de Olhos de Água, onde residem 22 mil dos 45 mil habitantes do concelho.

Este é, aliás, o principal motivo para o congelamento da rubrica da autarquia algarvia durante o ano de 2023. Uma situação que, garante o vice-presidente, não tem a ver com o atraso da execução das obras dos projetos vencedores das edições de 2021 e 2022, que se arrastaram no tempo, e que estão agora estarem em curso no terreno.

“Este ano, estamos a executar os projetos vencedores dos orçamentos participativos de 2022 e 2021 que rondam os 250 mil e os 300 mil euros”, como é o caso da reestruturação de um espaço desportivo, na freguesia de Ferreiras, que deverá estar concluído até ao final deste ano, assegura.

Estamos a estudar um modelo que permita dividir a a verba por freguesias conforme o índice de população, de modo a que todo o processo seja mais equilibrado.

Cristiano Cabrita

Vice-presidente da Câmara Municipal de Albufeira

Já em Coimbra, não há OP desde 2021 e só deverá regressar em 2024, o mesmo ano que Albufeira, e com um formato também diferente. O que passa por “centralizar as candidaturas todas numa única equipa” criada para o efeito, em vez de serem distribuídas por vários departamentos do município como acontecia antes, explica o vereador Carlos Matias Lopes em declarações ao ECO/Local Online.

No site da autarquia lê-se precisamente “Em construção para um OP renovado”. Agora, a prioridade é executar projetos anteriores herdados do anterior executivo que nunca tinham saído do papel, além de atualizar o conceito deste mecanismo de democracia participativa que possibilita aos cidadãos decidirem sobre a utilização de dinheiros públicos na promoção das políticas públicas.

“A nossa política é: enquanto não não limparmos os projetos que estão para trás, não vamos iniciar um orçamento participativo”, assegura o vereador, remetendo o arranque deste instrumento para 2024. O autarca justifica esta decisão com a herança que o anterior executivo deixou de projetos do OP de áreas tão diversas, como cultura ou urbanismo, relativos aos anos de 2020 e 2021. “O anterior executivo não conseguiu executar, nos prazos em que deveria”, projetos na ordem dos 300 mil euros, aponta Carlos Matias Lopes.

“Temos estado, aos poucos, a concluir os projetos que estavam por fazer. Já terminámos três deles que vieram do orçamento participativo de 2020 e estamos a concluir mais alguns”, resume o vereador da autarquia liderada pela coligação Juntos Somos Coimbra (PSD/CDS/Nós/Cidadãos!/PPM/Aliança/RIR e Volt), que entrou em funções em 2021.

A nossa política é: enquanto não não limparmos os projetos que estão para trás, não vamos iniciar um orçamento participativo.

Carlos Matias Lopes

Vereador da Câmara Municipal de Coimbra

Por tudo isto, está fora de questão avançar com a rubrica este ano. “Não conseguimos ter recursos humanos nem capacidade técnica para avaliar e acompanhar novos projetos enquanto tivermos outros projetos em atraso”, justifica o vereador.

“Para 2023 nunca teve em cima da mesa fazemos projetos novos; portanto, não havia uma verba específica do orçamento participativo”, frisa o autarca. Mas há, sim, dotação no orçamento municipal para cada um dos projetos dos anteriores orçamentos participativos em falta.

Mesmo assim, Carlos Matias Lopes fala em derrapagem no projeto “Verd’O Parque”, na zona do Exploratório, que foi adjudicado por 472 mil euros, quando tinha uma dotação inicial prevista de 200 mil euros e que a autarquia herdou do anterior executivo.

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.Lusa

No caso de Lisboa, a última edição foi em 2021. Em declarações ao Público, a 8 de março deste ano, a autarquia justificava que “entre 2021 e 2023, ano de lançamento do próximo Orçamento Participativo de Lisboa (OPL)”, a prioridade consistia em executar projetos vencedores das edições anteriores e proceder a uma avaliação do funcionamento deste instrumento que permite aos cidadãos mobilizarem-se para candidatar ao orçamento participativo diversos projetos de interesse público.

Em declarações ao ECO/Local Online a autarquia liderada por Carlos Moedas divulga que “dos 162 projetos vencedores do OPL, 100 estão concluídos, evidenciando-se que durante o presente mandato (2021 até ao momento) foram implementados 12 projetos, correspondendo a uma taxa de execução do OPL aproximada de 62%”. Como foi o caso do “Jardim do Caracol da Penha” que já se arrastava desde 2016 e que só abriu à população em julho deste ano, com um custo de meio milhão de euros.

Este foi o projeto “mais votado de todas as edições desde a sua génese em 2008, ao reunir 9.477 votos na edição 2016/2017”, adianta a câmara social-democrata. Este equipamento contempla espaços de produção hortícola, jardim /miradouro, equipamento de recreio infantil e parque ativo.

“O Orçamento Participativo de Lisboa (OPL) é um mecanismo instituído em 2008 para estimular a participação cidadã nas tomadas de decisão da cidade”, explica a autarquia. “O OPL consiste num exercício para os cidadãos, de forma sustentada e informada, decidirem a aplicação de uma parcela do Orçamento Municipal de Lisboa em ideias propostas de forma individual pela sociedade civil”, resume.

A câmara lisboeta tem implementado, assim, mais projetos de áreas tão diversas como infraestruturas e mobilidade, ou criação de acessibilidades como equipamentos inclusivos, rampa para vela adaptada ou acessos pedonais, otimização da energia com a substituição de equipamentos e materiais mais sustentáveis na iluminação pública.

De Bragança ao Algarve, a população tem uma voz ativa

Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga

Muitas outras autarquias do país continuam a permitir aos munícipes ter uma voz ativa na política da cidade, como acontece em Braga. “É uma iniciativa para continuar de modo a incentivar os cidadãos a estarem envolvidos na vida da sua comunidade e a contribuírem, através desse OP, para que possamos fazer investimentos que vão ao encontro das suas expectativas”, sustenta o autarca social-democrata Ricardo Rio.

O OP de Braga tem uma dotação financeira de 650 mil euros e a autarquia disponibiliza mais 75 mil euros para o OP Tu Decides, uma medida “pioneira“, assegura Ricardo Rio. “O OP Tu Decides é um orçamento dirigido à população mais jovem, ao associativismo juvenil. De certa forma, foi formatado ainda no âmbito do Conselho Municipal da Juventude”, descreve.

A população responde massivamente. “Através do OP, conseguimos envolver, todos os anos, milhares de pessoas: umas a formular propostas, outras a acompanhá-las e a votar nessas mesmas propostas, e depois dar-lhes a liberdade de escolher, em cada um dos anos, quais os projetos que querem que a câmara efetivamente execute”.

É uma iniciativa para continuar de modo a incentivar os cidadãos a estarem envolvidos na vida da sua comunidade e a contribuírem, através desse OP, para que possamos fazer investimentos que vão ao encontro das suas expectativas.

Ricardo Rio

Presidente da Câmara Municipal de Braga

Saiba como funcionam os orçamentos participativos de norte a sul do país:

  • Bragança

A funcionar desde 1015, o OP de Bragança tem tido sempre uma participação significativa. Desde que esta medida arrancou, nas várias vertentes — jovem, rural e urbano –, “já registou mais de 15 mil votantes, tendo sido apresentados 141 projetos, dos quais 40 foram vencedores. Desses, 30 foram já executados, representando um investimento de mais de 750 mil euros“, avança o autarca local, Hernâni Dias. Os restantes projetos vencedores encontram-se em fase de execução.

Este ano o OP iniciou a 2 de maio, com um orçamento de 110.000 euros, e concorreram 16 propostas. “Depois de feita a apreciação e análise técnica e, ainda, ultrapassadas as formalidades processuais, ficaram reduzidas a seis propostas que se encontram a votação desde o início de agosto até ao final do mês de setembro”, refere Hernâni Dias. Os vencedores são conhecidos na primeira semana de outubro.

Entre os diversos projetos a votos estão “Bragança Wi-fi” que é uma rede Wi-fi pública que permite o acesso gratuito e simplificado à internet, e “Bragança Granfondo (OP Urbano Geral – 2017, 2018, 2019 e 2020)” que consiste num evento de cicloturismo. Ou até mesmo a construção de um complexo desportivo de jogos de verão para incentivar à prática de desportos de verão na zona urbana assim como o projeto de valorização do património cultural – Castelo de Pinela.

  • Braga

A cidade dos Arcebispos tem um valor global de 650.000 euros para o OP e outros 75.000 euros para o OP Tu Decides. Este ano os vencedores são:

  1. – “DonaRádio 2.0” – dotação de 24.957,98 euros – projeto para equipar uma sala técnica de rádio, com equipamento de distribuição interna e externa de som e imagem, para difusão da rádio escolar, na Escola D. Maria II, uma referência no ensino bilingue para alunos surdos. Este equipamento vai permitir a integração e a inclusão dos alunos com deficiência auditiva, promovendo a participação e o envolvimento de todos.
  2. “Das Ruas para o Ringue” – com orçamento de 20.458,00 euros – criar no município uma rede de apoio para crianças, adolescentes e pessoas com necessidades especiais, através da modalidade do boxe olímpico. “Pretende-se que, através desta rede, se possam trabalhar valores de cidadania junto dos mais novos, assim como criar um meio para combater o insucesso escolar, a exclusão social e o bullying, tanto nas escolas como em todos os bairros da cidade”, descreve a autarquia de Braga.
  3. “Animais Abandonados: O lado sombrio da cidade!” – valor de 25.000 euros – Visa a realização de um festival para celebrar a vida animal, promovendo a consciencialização e o respeito pelos animais. A receita reverterá a favor de uma organização de proteção animal.
  • Torres Vedras

A funcionar de 2015, o OP de Torres Vedras deste ano “apresenta montante global mais elevado de sempre. Ao todo, são 420 mil euros para financiar os projetos mais votados”, avança ao ECO/Local Online a presidente da Câmara Municipal, Laura Rodrigues.

Esta 7.ª edição encontra-se na fase de audiência dos interessados, subsequente à fase de análise técnica com 80 propostas. Entre os projetos vencedores estão “alguns que se destacam pela inovação, nomeadamente “Seringas só no agulhão”, que consiste na recolha de resíduos corto perfurantes em 22 farmácias do Concelho; “Cuidem-ME”, uma plataforma online de cuidadores informais (em implementação); “Biblioteca igual”, que visa a fomentação de uma literacia sobre as temáticas da Igualdade, dos Direitos das Mulheres, dos Direitos LGBTQ”, descreve Laura Rodrigues.

A fase de Votação dos Projetos decorrerá durante o mês de outubro. A edição deste ano tem nova tipologia – “Ideia Jovem” – onde os jovens entre os 14 e os 17 anos são chamados a partilhar as suas ideias. “Criamos, assim, mais um espaço que incentiva a sua plena participação, onde podem expressar livremente os seus desejos e aspirações para um território que é o seu presente e por onde queremos que passe o seu futuro”, sublinha a autarca.

  • Vila Nova de Famalicão

Não adotando propriamente a designação e o modelo de um Orçamento Participativo, Famalicão tem vindo a adotar outro tipo de mecanismos de democracia participativa. O município, liderado pelo social-democrata Mário Passos, tem atualmente em vigor um Plano Estratégico para o horizonte temporal 2022-2030.

“Trata-se de um instrumento e de uma estratégia que resultam de um amplo processo de participação coletiva que envolveu contributos de perto de um milhar de famalicenses e explorou as diferentes dimensões de ação e desenvolvimento concelhio, para alinhamento da estratégia municipal face às prioridades e recursos das estratégias internacionais e nacionais”, sustenta a autarquia famalicense em declarações ao ECO/Local Online.

Entre os projetos idealizados pelos famalicenses constam a construção da rede urbana pedonal e ciclável, a futura residência de estudantes e até a transformação do centro urbano num centro mais moderno e sustentável, mais seguro.

Conferência Famalicão.30. - Estratégia de Desenvolvimento de V. N. Famalicão para 22-30 - 13JAN23
Presidente da Câmara de Vila Nova de Famalicão, Mário PassosRicardo Castelo/ECO
  • Baião

Já a Câmara Municipal de Baião, tem em vigor desde 2021 o Orçamento Participativo Jovem. Trata-se de uma medida de estímulo à participação cívica. Dos seis projetos submetidos, em 2021, foi selecionada a construção de um campo de basquetebol de 3×3 BasketArt) no Novo Parque Urbano que, deverá estar concluído em 2024. Ainda assim, a autarquia decidiu também avançar com a execução dos restantes.

Já este ano, será aberta uma nova fase do OP, entre os dias 21 de setembro e 8 de outubro, porque as três propostas a votação não preenchiam os requisitos obrigatórios para serem admitidas, avança a autarquia.

  • Barcelos

ao abrigo do novo regulamento, foram apresentadas 27 candidaturas ao OP deste ano, que estão em fase de análise e posteriormente serão votadas pela população.

Entre os projetos já executados através do orçamento participativo nas edições anteriores constam um posto avançado de emergência, o parque canino de Barcelos, o caminho de Santiago – Felicidade e segurança, o parque de lazer de Durrães, a renovação do polidesportivo de Rio Covo Santa Eugénia e o parque de desportos radicais.

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