Miranda Sarmento, o académico que “está ministro” para reformar as Finanças Públicas

Reconduzido por Luís Montenegro como ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento tem bem definida a marca que gostaria de deixar no Terreiro do Paço.

  • Retrato é uma rubrica do ECO na qual, durante o mês de agosto, é publicado diariamente o perfil de uma personalidade que se distinguiu no último ano, em Portugal

Com perfil técnico mas profundamente interessado em política, de trato informal, meticuloso, trabalhador e extremamente organizado. É assim Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças que este ano foi reconduzido no cargo após as eleições de maio, de acordo com quem com ele se foi cruzando. O professor universitário, que gosta de sublinhar que não é ministro, mas está ministro, sabe bem que legado quer deixar enquanto governante e apesar da discrição que marca a sua personalidade, não se retira de guerras sobre as quais tem convicções.

“Um equilíbrio orçamental e uma redução da dívida pública – melhorando a posição de Portugal nos mercados internacionais e nas agências de rating-, mas que é acompanhada por uma redução de impostos, uma melhoria dos serviços públicos e da Administração Pública e uma reforma profunda das Finanças Públicas. Isto, enquanto simplificamos o sistema fiscal e fazemos as reformas estruturais que aumentam a produtividade e competitividade da economia portuguesa”, define como objetivos ao ECO.

Uma escolha esperada, já que ao longo dos anos defendeu em artigos de opinião e livros precisamente estas matérias como fundamentais para a transformação da economia portuguesa.

Quando em março de 2024, Luís Montenegro o convidou para ministro, Joaquim Miranda Sarmento falou apenas com uma pessoa, a esposa. Estava em casa quando, após as eleições legislativas que ditaram a vitória da Aliança Democrática (AD), decidiu aceitar o desafio para o qual se preparava há anos. Desde a liderança de Rui Rio que o seu nome era apontado como ministeriável na área da economia de um futuro governo social-democrata e, portanto, a sua indicação foi tudo menos surpreendente.

É tradição que o titular da pasta das Finanças seja dos que gere mais anticorpos no Governo. Afinal, é a quem cabe dizer que não às várias reivindicações ou pressões dos vários colegas do elenco governativo. Mas até à data, e embora se bata pelo que defende, não são conhecidos dossiês a voar no Terreiro do Paço desde que Miranda Sarmento assumiu funções.

Discreto, dispensa formalismos e não são raras as vezes em que pede que o continuem a tratar por Joaquim ao invés de ministro. Filiado no PSD desde a juventude, é a Aníbal Cavaco Silva a quem deve a aproximação mais séria à política. Corria o ano de 2012 quando o jovem economista fazia o doutoramento, depois de ter colaborado com o programa económico do partido, e o então Presidente da República o convidava para assessor económico. Depressa aceitou a função, da qual apenas saiu com o fim do segundo mandato de Cavaco Silva, em março de 2016.

Até então a experiência profissional era sobretudo técnica. Em 1999, candidatou-se a uma vaga como estagiário da Direção Geral das Contribuições e Impostos, ao mesmo tempo que estudava na Universidade Técnica de Lisboa. De estagiário passou a técnico tributário, funções que exerceu até ter entrado na Direção-Geral do Orçamento (DGO), entidade que agora como ministro reformulou e que passou a denominar-se Entidade Orçamental. Posteriormente, entrou para a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que abandonou apenas em 2011 para rumar aos Países Baixos, onde fez o doutoramento.

A convivência com Cavaco Silva fomentou-lhe ainda mais o bichinho da política. Sem abandonar a academia, onde sempre quis consolidar a carreira, na liderança de Rui Rio voltou a colaborar com o partido na elaboração do programa económico. Foi, aliás, Rio que lhe cunhou o título de “Centeno” do PSD, em alusão ao então ministro das Finanças, Mário Centeno – com quem viria a travar várias frentes de ‘guerra’.

Nunca gostou da comparação. É certo que se numa primeira fase resultou em termos de comunicação política, depressa lhe pesou. Em 2020, em entrevista ao Observador, recusou mesmo continuar a ser comparado com o governador do Banco de Portugal, a quem como ministro acabou a não renovar o mandato: “não sou o Centeno de ninguém, porque não sou Centeno”, disse à época.

Ainda assim, foi nessa altura que o professor associado de Finanças do ISEG saltou para a ribalta. Primeiro liderou o Conselho Estratégico Nacional do PSD, entre 2020 e 2022, e passou a ser uma espécie de ministro sombra das Finanças dos sociais-democratas. Depois, em março de 2022, foi eleito deputado e, em julho desse ano, líder parlamentar, com 59,74% dos votos, sucedendo a Paulo Mota Pinto. Após a saída de cena de Rui Rio e a eleição de Luís Montenegro como presidente do PSD, manteve-se no cargo.

O ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento (C), ladeado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro (E), e pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro (D), intervém durante a sessão plenária sobre o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), na Assembleia da República, em Lisboa, 31 de outubro de 2024. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSAANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

 

Contudo, a liderança da bancada não foi um passeio no parque. Críticos internos apontaram-lhe “falta de perfil político” e Miranda Sarmento não gostou. Recentemente, porém, em entrevista ao Expresso reconheceu que “aquele foi um fato difícil de vestir“. Até porque, “aparecer só por aparecer ou aparecer em questões que são mais de natureza política e menos de natureza técnica” é coisa que não aprecia.

Mas para ser escolhido para as funções governativas foi preciso fazê-lo e Montenegro recompensou-o ao dar-lhe o momento de glória, que é como quem diz a chave do Terreiro do Paço. Ao ECO, assume que os primeiros tempos como ministro “foram, naturalmente, desafiantes“.

Felizmente constituí uma equipa de secretários de Estado de excelência, além de uma equipa no gabinete de grande qualidade – e cada secretário de Estado conseguiu o mesmo no seu respetivo gabinete. Isso foi fundamental para todo o processo de início de funções“, salienta.

Além do conhecimento dos dossiês, nos primeiros meses foi preciso centrar esforços em preparar o Programa de Estabilidade, acompanhar os diversos programas que o Governo lançou no arranque do mandato, liderar as negociações na Administração Pública, a que se somaram as medidas do próprio Ministério das Finanças, como a redução de impostos.

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Logo em seguida surgiu-lhe um dos momentos “mais exigente”: a elaboração do Orçamento do Estado para 2025 e do primeiro Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (POENMP), entregues em simultâneo em outubro. Mas, com um fato que já lhe assenta mais nas medidas, para gerir o stress tenta relativizar.

«Tudo passa», como escreveu o Vassili Grossman. Ou, como explico aos meus alunos, só há duas coisas certas na vida: morrer e pagar impostos

Joaquim Miranda Sarmento

«Tudo passa», como escreveu o Vassili Grossman. Ou, como explico aos meus alunos, “só há duas coisas certas na vida: morrer e pagar impostos“, afirma.

Por enquanto, o tempo livre não é muito, mas mantém hobbies. Ler (tem como livro preferido “Os Maias”) e viajar são as escolhas e, por isso, nas férias faz sempre uma semana de praia e uma semana numa cidade europeia ou nos EUA. Até porque com um Orçamento do Estado à porta é preciso recarregar baterias.

Quanto ao futuro, ao Expresso, garantiu que, depois de ser ministro das Finanças, não vai “ocupar mais nenhum lugar político no país”.

Questão diferente é se o desafio colocado for o Banco de Portugal. “Se me está a perguntar se equaciono a possibilidade de ser governador em junho de 2025, não. Nunca passaria diretamente desta casa para governador. Mas, tendo em conta que tenho 46 anos, se me perguntar aos 60, 65 ou 70 anos, se Deus me der saú­de e vida para isso, um dia poderei ser, não sei”, disse ao semanário numa entrevista publicada em outubro do ano passado.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Miranda Sarmento, o académico que “está ministro” para reformar as Finanças Públicas

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião