Os 7 desafios à espera do próximo presidente do Benfica

Entre promessas e a frieza dos números, o futuro presidente do Benfica enfrenta sete desafios críticos para travar a bola de endividamento e provar que há vida para lá das vendas de jogadores.

As urnas estarão abertas até às 22 horas deste sábado para as eleições mais concorridas da história do Benfica. Seis candidatos – Rui Costa, Luís Filipe Vieira, João Noronha Lopes, João Diogo Manteigas, Martim Mayer e Cristóvão Carvalho – disputam o voto de cerca de 160 mil sócios (apesar de, segundo o clube, haverem mais de 400 mil associados), num escrutínio que vai determinar o futuro do clube nos próximos anos.

Mas por detrás do debate político, das acusações cruzadas e das promessas eleitorais, existem números que não mentem. E esses números revelam um clube com uma saúde financeira longe de ser sólida, dependente de vendas de jogadores e com uma dívida que continua a crescer, mas com um grande potencial de geração de receita.

Quem quer que vença o escrutínio deste sábado herdará uma Benfica SAD com um passivo superior a 474 milhões de euros, uma dívida líquida que quase duplicou em cinco anos e resultados operacionais que, durante sete épocas consecutivas, foram negativos sem considerar as transações de atletas.

Os relatórios e contas dos últimos três exercícios (2022/23, 2023/24 e 2024/25) – documentos frios, despidos de retórica política – traçam um retrato claro dos desafios que se colocam ao 35.º presidente do clube das águias. Desafios que exigem mais do que palavras. Exigem competência, rigor e, sobretudo, capacidade de execução.

Reduzir o endividamento do Benfica em 100 milhões de euros nos próximos quatro ou cinco anos, como prometem alguns candidatos, exigirá não apenas a geração de excedentes operacionais consistentes, mas a otimização da estrutura de financiamento do passivo.

Durante a campanha eleitoral, todos os candidatos falaram de sustentabilidade financeira. Mas a sustentabilidade não é um slogan – é uma meta que implica transformar radicalmente o modelo de negócio do clube. É garantir que as receitas operacionais crescem consistentemente acima dos custos, que a dívida diminui em vez de aumentar, que os fornecimentos e serviços externos são controlados e que o Benfica consegue estar menos dependente de vendas extraordinárias de jogadores para equilibrar as contas todos os anos.

Num dia em que milhares de benfiquistas vão às urnas, importa perceber qual a dimensão real dos desafios financeiros que estão pela frente. Não os desafios políticos ou desportivos – esses ficarão marcados pelos votos de hoje. Mas os desafios económicos, aqueles que vivem nos balanços, nas demonstrações de resultados e nas notas aos relatórios de contas. Esses, independentemente de quem vença, estarão à espera na segunda-feira de manhã.

📊 Passivo e dívida líquida em crescendo

A 30 de junho de 2025, a Benfica SAD apresentava um passivo de 474,9 milhões de euros, correspondente a 80,3% do ativo total (591,2 milhões). Embora tenha registado um decréscimo de 1,8% face ao exercício anterior, o passivo permanece em níveis historicamente elevados quando comparado com o capital próprio de apenas 116,3 milhões de euros.

Destaque também para a evolução da dívida líquida da SAD, que praticamente duplicou em cinco anos: de 100,9 milhões de euros em 2020/21 para 196,9 milhões no final de 2024/25. Apesar da ligeira redução de 4,9 milhões face ao ano anterior, a trajetória de médio prazo é ascendente. A dívida líquida correspondia a 56,6% dos rendimentos operacionais com direitos de atletas em junho de 2025 – o quinto melhor desempenho nos últimos 15 exercícios, mas ainda distante dos níveis de 2019/20 (35% dos rendimentos totais).

A composição da dívida também merece atenção. Além da dívida financeira a bancos e obrigacionistas (que ronda os 200 milhões), existe dívida líquida a outros clubes por compra e venda de jogadores e antecipação de receitas futuras, particularmente dos direitos televisivos, que a colocam acima dos 241 milhões de euros. Contudo, é importante notar que, no último ano, o bolo total da dívida da Benfica SAD caiu de 308 milhões para 241,5 milhões graças, sobretudo, a uma redução da cedência de créditos dos direitos televisivos e da dívida líquida a clubes.

Reduzir este endividamento em 100 milhões de euros nos próximos quatro ou cinco anos, como prometem alguns candidatos, exigirá não apenas a geração de excedentes operacionais consistentes, mas também a resistência a antecipar receitas futuras e a otimização da estrutura de financiamento.

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Todos os candidatos prometem um Estádio da Luz mais rentável. Uns querem ampliar zonas premium, outros abrir o espaço a mais concertos e eventos para gerar receitas além do futebol com novas infraestruturas, e há também quem peça um novo estádio. Hugo Amaral/ECO

💰 Receitas operacionais altamente voláteis

Os rendimentos operacionais sem transações de atletas atingiram 230,6 milhões de euros em 2024/25, um crescimento impressionante de 30,6% face ao ano anterior. Contudo, esta evolução foi fortemente influenciada por fatores não recorrentes: o Mundial de Clubes contribuiu com cerca de 22 milhões (dos quais 21,9 milhões em prémios líquidos) e o desempenho na Liga dos Campeões que trouxe mais 23,8 milhões face à época anterior.

Retirando estes efeitos extraordinários, as receitas operacionais teriam crescido apenas cerca de 8%, mostrando com isso a forte dependência de variáveis fora do controlo direto da gestão. O segmento Media TV representa 64% dos rendimentos operacionais (148 milhões de euros), dominado pelos prémios da UEFA (72,8 milhões) e pelas receitas de televisão (52,7 milhões). Esta estrutura torna o clube extremamente vulnerável ao desempenho desportivo nas competições europeias.

A volatilidade é evidente: em 2023/24, os rendimentos operacionais sem atletas caíram 8,6% para 179 milhões de euros, essencialmente pela redução de 34% nos prémios UEFA (de 74,3 milhões para 49 milhões), já que o Benfica transitou dos quartos de final da Liga dos Campeões em 2022/23 para os quartos de final da Liga Europa em 2023/24.

Os segmentos Matchday (receitas de dia de jogo) e Commercial (publicidade e patrocínios) são responsáveis por 18%, cada, dos rendimentos operacionais da SAD, num valor agregado de quase 83 milhões de euros, que se traduz num peso ainda reduzido e apresentam margens de crescimento significativas quando comparados com clubes europeus similares.

A receita por adepto em dia de jogo é de cerca de 22 euros por jogo, segundo Nuno Catarino, CFO da Benfica SAD, havendo por isso também margem para incrementar este valor, carecendo para isso de investimentos no âmbito das infraestruturas que potenciem o acréscimo do consumo por parte dos adeptos.

O crescimento nestas áreas – patrocínios, merchandising, corporate, rendas de espaços – é essencial para diversificar as fontes de receita e reduzir a dependência do desempenho desportivo europeu.

📉 Resultado operacional negativo durante sete anos

Durante sete épocas consecutivas, a Benfica SAD apresentou resultados operacionais negativos sem considerar as transações de jogadores. Apenas no exercício 2024/25 é que este indicador voltou ao território positivo, com 3,9 milhões de euros, impulsionado pela participação no Mundial de Clubes da FIFA, um evento extraordinário que só se repete de quatro em quatro anos e que trouxe 17,1 milhões de euros de impacto líquido direto.

Este resultado positivo contrasta fortemente com os 28,3 milhões de euros negativos registados em 2023/24. Se excluir-se os efeitos não recorrentes (Mundial de Clubes, primeiro ano de operação do futebol feminino e indemnizações da anterior equipa técnica que totalizaram 21,4 milhões de euros), o resultado operacional teria sido negativo em cerca de 17,5 milhões.

A dependência de eventos extraordinários e de vendas de jogadores para equilibrar as contas é evidente: sem as mais-valias de João Neves, David Neres e Marcos Leonardo em 2024/25, o resultado líquido teria sido fortemente negativo.

A meta anunciada por alguns candidatos de alcançar resultados operacionais sustentados acima dos 35 milhões de euros anuais, sem depender de transações de atletas, exige uma transformação profunda no modelo de negócio do clube.

⚖️ Controlo de gastos operacionais: o desafio dos FSE

O controlo dos Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) tornou-se um dos temas mais debatidos da gestão financeira do Benfica. Na Benfica SAD, os FSE atingiram 77,9 milhões de euros em 2024/25, representando um crescimento de 7,1% face ao exercício anterior. No acumulado dos últimos quatro anos, esta rubrica cresceu aproximadamente 55%, passando de cerca de 61,6 milhões em 2021/22 para os atuais 77,9 milhões.

Contudo, a análise requer nuances. Cerca de metade dos FSE da SAD correspondem a transações internas com empresas do Grupo Benfica. A gestão operacional do estádio (31,6 milhões), a gestão do canal BTV (8,7 milhões) e os royalties pela utilização da marca Benfica (10,6 milhões, com crescimento de 55,6% no último ano) são custos que, nas contas consolidadas, desaparecem por serem transferências internas. No universo consolidado do clube, os FSE rondam assim os 78 milhões de euros.

Ainda assim, o crescimento acumulado nos últimos quatro anos foi muito superior à inflação neste período, levantando questões sobre a eficiência operacional. Os gastos com deslocações e estadas (6,5 milhões em 2024/25), trabalhos especializados (7,8 milhões), vigilância e segurança (4 milhões) e comissões (3,8 milhões) apresentam margens de otimização.

Os candidatos divergem na abordagem: enquanto uns prometem reduzir os FSE em 15 milhões de euros através de auditoria rigorosa e renegociação com fornecedores, outros argumentam que já houve melhorias (como a redução de quase 20% nas deslocações através de maior concorrência entre operadores) e que o crescimento deve ser comparado com o das receitas. Com as receitas operacionais a crescer 10% ao ano e os custos a 6% ao ano nos últimos quatro exercícios, defendem que a margem tem sido positiva.

Apesar dessas divergências, o consenso aponta para a necessidade de haver uma maior eficiência numa estrutura que movimenta anualmente valores superiores a 100 milhões de euros quando se incluem clube e SAD.

Com gastos de pessoal acima dos 127 milhões de euros e os regulamentos da UEFA a limitarem os custos do plantel a 70% das receitas, a gestão salarial torna-se crítica para o próximo presidente do clube e da SAD. MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA

🔴 Gastos com pessoal e gestão salarial

Os gastos com pessoal da Benfica SAD ascenderam a 127,7 milhões de euros em 2024/25, um aumento de 11,1% face aos 114,9 milhões do exercício anterior. Esta variação foi fortemente influenciada por encargos não recorrentes: 10,1 milhões em indemnizações associadas à rescisão da anterior equipa técnica e 3,1 milhões em remunerações variáveis devido ao desempenho desportivo superior (vitória da Taça da Liga, oitavos de final da Liga dos Campeões e Mundial de Clubes).

Excluindo estes efeitos extraordinários, os gastos com pessoal teriam crescido apenas cerca de 1,3%, indicando algum controlo na massa salarial. Contudo, o rácio de gastos com pessoal face aos rendimentos operacionais permanece elevado, especialmente quando comparado com os requisitos do regulamento UEFA de Financial Sustainability, que impõe limites rigorosos aos squad costs (custos com plantel).

A squad cost rule determina que os gastos com o plantel de futebol – incluindo salários, amortizações e perdas de imparidade de direitos de atletas, e gastos com intermediários – não podem exceder 70% da soma dos rendimentos operacionais (sem transações de atletas) e do resultado líquido das transferências. Com um período de transição de três anos, os limites serão plenamente exigíveis na monitorização da época 2025/26.

A gestão salarial torna-se ainda mais crítica considerando a pressão competitiva. Manter jogadores-chave exige salários competitivos, mas os regulamentos europeus impõem disciplina. A renovação contratual de atletas em final de contrato, a resistência à inflação salarial no mercado e a correta definição de componentes fixas e variáveis serão determinantes para o equilíbrio financeiro.

⚖️ Processos judiciais e contingências legais

O Benfica SAD enfrenta diversos processos judiciais que representam riscos financeiros e reputacionais, embora a administração considere, com base em pareceres de consultores jurídicos, que não resultarão em responsabilidades que justifiquem reforço adicional de provisões, de acordo com a exposição apresentada no relatório e contas do último exercício.

Entre os processos mais relevantes, destaca-se o NUIPC 4611/17.9TELSB, no qual a Benfica SAD foi constituída arguida em julho de 2020 por alegada prática de fraude fiscal e falsificação de documentos. Em fevereiro de 2023, foi proferido despacho de acusação relativamente a dois alegados crimes de fraude fiscal qualificada. Segundo o Ministério Público, a contingência tributária para a Benfica SAD será de mais de 181 mil euros (116.380 euros a título de IVA e 64.768 euros a título de IRC), valor reclamado em sede de pedido de indemnização. A Benfica SAD requereu a abertura da instrução, pugnando pela não pronúncia dos arguidos. ​

Em março e novembro de 2020, as instalações da Benfica SAD foram objeto de buscas no âmbito de diversas investigações a vários clubes de futebol e agentes desportivos, relacionadas com matérias de índole fiscal e corrupção desportiva. De acordo com as comunicações da Procuradoria-Geral da República, as investigações permanecem sob segredo de justiça.

Adicionalmente, em julho de 2021, a Benfica SAD tomou conhecimento do processo “Cartão Vermelho, no qual são investigados atos que alegadamente Luís Filipe Ferreira Vieira terá cometido enquanto foi Presidente do Conselho de Administração da Sociedade. A Benfica SAD não assume qualidade de visada ou arguida neste processo.

Do ponto de vista das provisões, a Benfica SAD apresentava apenas 25 mil euros em provisões a 30 de junho de 2025, inalterados face ao ano anterior. Embora os consultores jurídicos considerem improvável a materialização de responsabilidades significativas, a incerteza associada a processos judiciais em curso representa um risco latente que a próxima administração terá de monitorizar atentamente.

📺 Direitos televisivos: oportunidade e incerteza

Os direitos televisivos representam uma das maiores oportunidades e simultaneamente um dos maiores desafios para o próximo presidente. As receitas de televisão da Benfica SAD atingiram 52,7 milhões de euros em 2024/25, um acréscimo de 4,4% face ao ano anterior, essencialmente devido ao contrato de exploração em vigor com a Nos. ​

Nos próximos dois anos, antes da entrada em vigor da centralização dos direitos televisivos em Portugal, o Benfica tem a possibilidade de negociar individualmente. Segundo revelações recentes do CFO da Benfica SAD em entrevista ao ECO, existem duas propostas “prontas a serem assinadas”, ambas com valores acima dos 50 milhões de euros anuais. Uma segue o formato atual, mais tradicional. A outra envolve operadores mais inovadores, com modelos de negócio que dependem de angariação de assinantes – mas que exigiriam prazos mais longos (quatro a cinco anos) para permitir business plans consistentes, algo incompatível com o período de dois anos até centralização.

Sem discussão é a não necessidade de o Benfica voltar a antecipar receita, como sucedeu no último contrato. A Benfica SAD conseguiu reduzir de 92 milhões para praticamente zero o montante de direitos televisivos descontados antecipadamente, libertando-se desta dependência. A partir de 2025/26, o clube voltará a ter capacidade para receber diretamente a globalidade das verbas dos direitos televisivos – uma situação que não se verificava há dez anos.

A centralização, prevista para entrar em vigor a partir de 2027/28, representa uma enorme incerteza. Segundo as projeções de vários candidatos, será “muito difícil” os grandes clubes conseguirem manter ou aumentar as receitas individuais num modelo centralizado com 18 clubes, mesmo que o valor global do mercado atinja os 300 milhões de euros falados. A defesa “intransigente” do peso do Benfica no campeonato português e o envolvimento ativo no processo de centralização – incluindo a análise jurídica à luz das leis da concorrência – será determinante para não haver “uma redução do peso do Benfica e dos valores do Benfica”.

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