Liderou a ASAE na altura em que era crítico garantir que o IVA Zero não era absorvido pela distribuição antes de chegar às carteiras dos portugueses. Agora, está com as rédeas da imigração.
- Retrato é uma rubrica do ECO na qual, durante o mês de agosto, é publicado diariamente o perfil de uma personalidade que se distinguiu no último ano, em Portugal
Entre aqueles que haviam escolhido dormir à porta da loja na esperança de, na manhã seguinte, verem a sua situação, por fim, regularizada e aqueles que se tinham juntado já de madrugada com a mesma expectativa, a fila já ia longa. Nalguns dias, transbordava mesmo para a avenida seguinte, num cordão composto por muitas vidas em suspenso. Tantas que ficava à vista, ali, numa das principais artérias da capital, o caos vivido na imigração em Portugal: havia, nessa altura, cerca de 440 mil processos pendentes.
Não é de estranhar, por isso, que, do verão de 2024, quando chegou à presidência da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), Pedro Portugal Gaspar guarde a imagem dessas longas filas e a certeza de que era preciso “arregaçar as mangas”, assinala. Num organismo sem plano de atividades, lembra que foi confrontado, logo na primeira semana, com a necessidade de tomar várias decisões e arrumar diversas áreas da “casa”, como a financeira.
Sem experiência direta nas questões ligadas às migrações, mas com currículo na liderança de vários organismos públicos, Pedro Portugal Gaspar conta que tinham sido, precisamente, “a complexidade e o gigantismo” do desafio a despertar em si o interesse no cargo que haveria de ocupar.
Tanto que, quando o convite para presidir a AIMA chegou, ainda pediu o fim de semana para discutir a mudança com a esposa, mas deu um “sim”, consciente da oportunidade que estava à espreita. “É preciso ter a noção dos riscos, mas também das oportunidades”, sublinha.
"Pedi o fim de semana para pensar um bocadinho, para discutir em termos familiares. Achei que era interessante pelo gigantismo e complexidade.”
Num ano em que, processo a processo, os 440 mil casos pendentes foram recebendo resposta (o Governo garante que “quase todos estão decididos”), o presidente da AIMA revela que fez questão de visitar todas as lojas dessa agência, que estiveram “na primeira linha”.
“Normalmente, vou sem avisar, para ter uma visão real e menos numa perspetiva de cortar fitas”, adianta. Uma visita, em particular, ficou na sua memória, com algum simbolismo: ao ir à loja da AIMA de Vila Real, os funcionários organizaram um lanche e “isso deu um aspeto familiar” à visita. “É muito importante”, salienta Pedro Portugal Gaspar.

Destaca, assim, como vitórias, neste seu primeiro ano como presidente da AIMA, o progresso na redução das pendências e a regularização das muitas situações, “ajudando a resolver a vida das pessoas”, bem como a “solidificação e alargamento da rede de parcerias” da agência em questão.
"Temos de consolidar este caminho. Temos de robustecer a instituição, afirmando-a de forma inequívoca como relevante na sociedade.”
Não esconde, porém, que há caminho a fazer. Ainda na primavera, a falta de resposta motivou protestos de imigrantes junto a lojas da AIMA. Pedro Portugal Gaspar reconhece que é preciso, sim, “consolidar o percurso” que tem sido feito, além de “robustecer” este organismo, “afirmando-o de forma inequívoca como uma instituição relevante na sociedade portuguesa”.
De resto, sobre a imigração em Portugal, Pedro Portugal Gaspar já recusou que o país tenha imigrantes a mais – dizendo mesmo que há ainda “margem de acomodação” –, mas alertou que o grande desafio é a integração.
O inspetor do IVA Zero

Pedro Portugal Gaspar é hoje um dos rostos do que tem sido feito para desbloquear a imigração em Portugal, mas ainda na primavera de 2023 foi um dos nomes chave envolvidos na resolução de um outro problema, que afetou diretamente a carteira dos portugueses: a inflação histórica.
Recuemos, assim, por momentos a esses tempos. Mesmo perante a subida em flecha dos preços, o Governo, então liderado por António Costa, começou por recusar a redução do IVA numa série de bens essenciais para ajudar as famílias a fazerem frente à fatura do hipermercado, com o argumento de que haveria o risco desse alívio fiscal nem sequer chegar ao preço ao consumidor, sendo absorvido pela cadeia de valor.
Mas, numa reviravolta, o Executivo decidiu avançar com essa descida do IVA, num cabaz de 46 bens alimentares, escudando o consumidor com um acordo no qual a produção alimentar e a distribuição se comprometeram a fazer refletir a redução fiscal no preço.
Para evitar que os referidos receios se tornassem realidade, foi intensificada a fiscalização feita pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), cujo inspetor-geral era, na altura, Pedro Portugal Gaspar.
Em entrevista, o responsável alertava que, apesar do alívio fiscal, os preços poderiam continuar a subir (afinal, não estavam bloqueados), mas realçava que a ASAE lideraria a monitorização do pacto feito para que o IVA Zero saísse do papel, estando, assim, atenta ao efeito desta medida no bolso dos portugueses.
Este desafio foi um dos últimos que Pedro Portugal Gaspar enfrentou na ASAE, já que acabaria por sair dessa autoridade em outubro de 2023, dez anos depois de ter sido nomeado num processo de seleção que, segundo chegou a escrever o Público, gerou algum mal-estar dentro do Governo e da própria instituição, por alegadas discordâncias quanto aos nomes indicados.
"A designação ora efetuada [para exercer o cargo de diretor-geral da Direção-Geral do Consumidor] fundamenta-se na experiência profissional do designado e na reconhecida aptidão para exercer o cargo.”
Depois da década na ASAE, seguir-se-ia, então, a liderança da Direção-Geral do Consumidor, uma escolha fundamentada “na experiência profissional” de Pedro Portugal Gaspar e na sua “reconhecida aptidão para exercer” esse cargo, de acordo com o despacho assinado em novembro de 2023 pelo, então, ministro da Economia, António Costa Silva.
Ficaria nesse lugar, porém, menos de um ano, com a nomeação para presidente do conselho diretivo da AIMA em julho de 2024, “de forma a executar a nova orientação do Governo na política de migrações“.
Nascido em Lisboa em 1964, Pedro Portugal Gaspar tem feito, assim, carreira na Função Pública: desde 1992 que é técnico superior do Estado. Ao longo das décadas, foi, por exemplo, adjunto jurídico em vários gabinetes governamentais, das pescas ao ambiente, passando pela energia e saúde.
Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com tese na área de Direito Administrativo, já experimentou também a docência universitária. Primeiro, na Universidade Lusófona. Depois, na Universidade Europeia.
Já sobre o futuro, dizia numa entrevista que o que interessa é “ter empenho a 100% em cada momento e em cada desafio”.
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Pedro Portugal Gaspar, o inspetor do IVA Zero escolhido para pôr ordem na imigração
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