Saúde, ciência e tecnologia. Estes são os cursos com desemprego zero

Os cursos nas áreas tecnológicas e da saúde são os que garantem mais emprego. As escolas públicas têm mais cursos com desemprego zero e há menos assimetrias entre o universitário e o politécnico.

Na hora de escolher um curso ou uma especialização, a empregabilidade pode pesar na decisão. Os dados do portal Infocursos do Ministério da Educação, divulgados em junho de 2020, revelam que, em Portugal, há atualmente 68 cursos com uma taxa de desemprego de 0%. Estes valores referem-se, unicamente, ao reporte que é feito ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), e a percentagem reflete o rácio entre o número de recém-diplomados do curso que se encontram registados como desempregados e o número total de recém-diplomados no ano letivo de 2018/2019.

De norte a sul do país, os cursos com maior empregabilidade são os de setores como a saúde e das ciências e tecnologias, com maior destaque para medicina e engenharia informática. De acordo com o Infocursos, no setor da saúde há 20 cursos com empregabilidade plena, entre eles medicina, enfermagem, ortóptica, cardiopneumologia e ciências da saúde. Do lado das ciências e tecnologias, o número sobe para um total de 29 licenciaturas e mestrados com desemprego zero, entre eles engenharia informática, engenharia informática e de computadores, engenharia física, engenharia naval e oceânica, agronomia, engenharia e segurança do trabalho, entre outros. Do total, 39 cursos são de institutos de ensino superior privados e 24 são lecionados em institutos politécnicos, mas continua a ser no ensino universitário público que há mais cursos com plena empregabilidade.

Ensino politécnico vs. ensino universitário

A Direção-Geral do Ensino Superior divide o ensino superior em dois subsistemas: o ensino universitário e o ensino politécnico, sendo que este último deveconcentrar-se especialmente em formações vocacionais e formações técnicas avançadas orientadas profissionalmente, enquanto o ensino universitário deve orientar-se para a oferta de formações científicas sólidas juntando esforços e competências de unidades de ensino e investigação”, lê-se no artigo 3.º do Regime Jurídico das Instituições do Ensino (RJIES).

O ensino universitário é, por tradição, direcionado para a investigação teórica, que ainda é a aposta da maioria dos estudantes, mas o ensino politécnico está a ganhar terreno. Entre as 68 licenciaturas e mestrados integrados com taxa de desemprego de 0%, 24 são lecionados em institutos politécnicos. Já em 2019, quase metade dos cursos com empregabilidade plena eram lecionados em politécnicos, o que demonstra que há cada vez menos assimetrias entre os dois tipos de ensino.

O facto de, ao longo dos quatro anos de curso, os estudantes realizarem ensinos clínicos e estágios em instituições prestadoras de cuidados de saúde da região, permite que os estudantes possam escolher os seus futuros locais de emprego, assegurando que são os que mais se adequam ao que pretendem.

Ana Lúcia Ramos

Coordenadora da Licenciatura em Enfermagem do Instituto Politécnico de Setúbal

“No ensino superior politécnico foi feito, nos últimos anos, um grande esforço na qualificação do corpo docente das suas escolas. Atualmente, a maioria dos docentes possui o grau de doutor e o tradicional estigma de menoridade do ensino superior politécnico está a desaparecer”, explica à Pessoas Carlos Gaspar Reis, coordenador da licenciatura em agronomia da Escola Superior Agrária (ESACB) do Instituto Politécnico de Castelo Branco, um dos cursos com desemprego zero.

De acordo com a lei, o corpo docente dos institutos politécnicos deve ter, no mínimo, 35% de docentes com título de “especialista” ou seja, que “comprovem a qualidade e especial relevância do currículo profissional numa determinada área”, os quais podem ser igualmente detentores do grau de doutor, refere o artigo 48.º do RJIES. No caso da licenciatura em agronomia da ESACB, entre os 35 docentes, 29 são doutorados.

Luís Moreira, diretor da Escola de Gestão, Engenharia e Aeronáutica do ISEC Lisboa, acredita que a ligação às empresas, a forte internacionalização e a produção científica aplicada são alguns dos fatores que contribuem para que a licenciatura de engenharia de segurança do trabalho tenha elevados níveis de empregabilidade. “O mercado reconhece estes profissionais como sabendo exercer uma determinada profissão, e isso, naturalmente, traduz-se numa empregabilidade mais facilitada”, sublinha o responsável.

Estudar e criar soluções reais para o mercado de trabalho

A forte componente prática e a sua aproximação às necessidades reais da sociedade e do mercado dão maiores possibilidades de emprego nos cursos lecionados nos politécnicos. “É natural que uma empresa, ao reconhecer que a instituição de ensino superior está ligada àquilo que de melhor se produz de soluções técnicas nessa área, também reconheça os seus formandos como o melhor que há nessa área”, sublinha Luís Moreira. Pelo contrário, apesar do ensino prático e mais direcionado, Carlos Gaspar Reis defende que “o mercado de trabalho não distingue a origem universitária ou politécnica dos graus, procura sim técnicos com competências”.

A Escola Superior Agrária, em Castelo Branco, está instalada numa quinta experimental com 167 hectares com infraestruturas de produção agrícola, de produção animal e laboratoriais, e o instituto tem apostado em protocolos com empresas privadas e instituições públicas, nacionais e estrangeiras. “Procura-se dar uma formação polivalente e de base que confira competências para trabalhar nas diversas áreas do setor agroalimentar, da produção ao consumo”, ressalva o responsável pelo curso de agronomia, que prevê que a empregabilidade se mantenha elevada, reforçada ainda pela mudança de hábitos de consumo devido à pandemia.

No ensino superior politécnico foi feito, nos últimos anos, um grande esforço na qualificação do corpo docente das suas escolas. Atualmente, a maioria dos docentes possui o grau de doutor e o tradicional estigma de menoridade do ensino superior politécnico está a desaparecer.

Carlos Gaspar Reis

Coordenador da licenciatura em agronomia da Escola Superior Agrária (ESACB) do Instituto Politécnico de Castelo Branco

O mesmo acontece com as características da licenciatura em enfermagem no Instituto Politécnico de Setúbal, onde a maioria dos estudantes consegue o primeiro emprego até seis meses depois de terminar o curso, assegura Ana Lúcia Ramos, coordenadora da licenciatura em enfermagem. “O facto de, ao longo dos quatro anos de curso, os estudantes realizarem ensinos clínicos e estágios em instituições prestadoras de cuidados de saúde da região, permite que possam escolher os seus futuros locais de emprego, assegurando que são os que mais se adequam ao que pretendem”, descreve. Apesar de o curso em enfermagem ser dos que mais tem levado jovens a sair do país, a pandemia veio reforçar a importância desta formação e o número de alunos a candidatar-se à licenciatura de enfermagem no IPS, como primeira opção, aumentou este ano. “Ao contrário do que se passou há alguns anos, atualmente a grande maioria dos licenciados em enfermagem do IPS consegue contrato de trabalho em Portugal e toma a decisão de ficar”, acrescenta a coordenadora.

A contrariar tendências, os cursos da área de ciências sociais e humanas têm pouca expressão. Em consequência, os estudos revelam que a possibilidade de conseguir um emprego está a ganhar terreno sobre o desejo de prosseguir os estudos para a profissão desejada. “Melhorar as possibilidades de encontrar um emprego”, foi a principal razão apontada pelos jovens que terminam o ensino secundário e cursos profissionais científico-humanísticos, revela o estudo “Jovens no Pós-Secundário 2010 a 2017: cursos científico-humanísticos e cursos profissionais”, divulgado em julho pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Razões para escolher e segurança de futuro

“Tinha boas notas no liceu e sabia que, ao enveredar por este caminho, apesar de não ser apaixonada, o mais certo era uns anos mais tarde ter emprego garantido. Senti segurança”, começa por contar à Pessoas Raquel Batista, 25 anos e recém-licenciada em Medicina pela Universidade de Lisboa. A jovem terminou o curso em junho do ano passado, fez o exame de acesso à especialidade em novembro e, dois meses depois, começou a trabalhar no hospital de Santarém como interna.

António Lorena concluiu o curso de medicina em 2018, na Universidade Internacional da Catalunha, mas foi em Portugal que iniciou a carreira profissional e hoje é interno de formação geral na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém. Assegura que todos os colegas que conhece estão empregados, mas lamenta a dificuldade de acesso à especialidade. “Há muitos colegas que, após terminarem o curso, não conseguem entrar na especialidade, ficando com o título de ‘médico não especialista’’. Muitos destes colegas asseguram as escalas de bancos em diversos hospitais pelo país”, explica António Lorena. Apesar da forte empregabilidade, a dificuldade de acesso dos recém-formados em medicina às vagas na especialidade, tem sido um tema em debate. Em novembro do ano passado, a Associação de Médicos pela Formação Especializada denunciou a situação de 1.088 candidatos que ficaram sem colocação nas vagas de especialização. Para 2021, o Governo já anunciou 2.400 vagas para a especialidade. “Alguns procuram oportunidades lá fora, outros optam por ficar como médicos indiferenciados e grande parte por repetir o exame. E acabam a concorrer novamente, desta vez com os do ano seguinte, criando um efeito ‘bola de neve’”, lamenta Raquel Batista.

Não tenho receio se a minha empresa fechar de hoje para amanhã, porque faço muitos trabalhos de freelancer e giro os clientes, não só em Portugal mas também no Reino Unido. Isso dá-me alguma confiança e segurança.

Rafael Passos, 28 anos, engenheiro informático

Além da medicina, as licenciaturas e mestrados em gestão também parecem oferecer cada vez mais perspetivas de futuro. Este ano, as médias de entrada superaram os 17 valores e a procura por estes cursos aumentou significativamente, devido à elevada empregabilidade. O mesmo acontece com algumas áreas da engenharia.

“A razão principal para esta escolha foi o facto de a empregabilidade ser muito elevada neste curso. No futuro, ainda não sei ao certo por onde ir –, nesta licenciatura fica-se com habilitações para várias opções diferente. Vejo-me a fazer sites por ser o mais procurado nesta altura e o risco de insucesso ser quase nulo”, conta à Pessoas João André Remédios que, em 2018, escolheu a licenciatura de engenharia informática no Instituto Superior de Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL). “Quando alguém escolhe um curso como o de informática, deve ter em consideração outros fatores para além da empregabilidade. Acho essencial gostar mesmo da área que se escolhe”, acrescenta Pedro Rodrigues, 23 anos e finalista do mestrado em engenharia informática na Faculdade de Ciências de Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Pedro ainda não terminou o curso mas já tem um emprego garantido como associate software engineer na OutSystems. “Os colegas com quem iniciei o percurso académico em 2015 estão neste momento todos empregados ou, em alguns casos, ainda a terminar a tese de mestrado mas já têm uma vaga assegurada, como no meu caso”, destaca.

Rafael Passos concluiu o curso de engenharia informática há dez anos e, desde então, nunca esteve sem trabalhar. Hoje, com 28 anos, gere um projeto na área de desenvolvimento de software e gestão de projetos e todas as semanas recebe propostas de entrevistas pelo LinkedIn. “Não tenho receio se a minha empresa fechar de hoje para amanhã, porque faço muitos trabalhos de freelancer e giro os clientes, não só em Portugal mas também no Reino Unido. Isso dá-me alguma confiança e segurança”, conclui.

  • Louise Farias

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