A arte portuguesa de embalsamar empresas à boleia dos Nobel

O crescimento vem de partir ovos, dizem os laureados com o Prémio Nobel da Economia deste ano, mas Portugal prefere a omelete feita com receitas de ontem servida em prato de porcelana antiga.

Há quase um século, Joseph Schumpeter profetizou que o capitalismo não era um sistema estático de equilíbrios perfeitos, mas um processo dinâmico onde o novo destrói implacavelmente o velho para criar riqueza, a famosa “destruição criativa”. Era uma ideia radical.

O economista austríaco, apresentado a todos os alunos de Economia no primeiro ano de faculdade, defendia que o progresso não vem de proteger o que existe, mas de deixar morrer o que já não serve. Schumpeter, porém, pecou por pessimismo. Achava que os grandes conglomerados acabariam por sufocar a inovação, condenando o capitalismo ao fracasso. Felizmente estava errado e os Nobel da Economia deste ano explicam a razão.

Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt transformaram a intuição genial de Schumpeter em ciência rigorosa. Em 1992, Aghion e Howitt construíram um modelo matemático que formalizou a destruição criativa, demonstrando como cada inovação eleva a produtividade ao eliminar tecnologias obsoletas. Mokyr mergulhou na história para mostrar que o crescimento sustentado só emergiu quando as sociedades passaram a valorizar não apenas o “saber fazer”, mas o “saber porquê”.

Juntos, estes três economistas resolveram o puzzle de Schumpeter: a destruição criativa pode ser bloqueada por interesses instalados, mas não inevitavelmente. Com as instituições certas – mercados competitivos, investimento em ciência, proteção da propriedade intelectual – o ciclo virtuoso mantém-se. Portugal, infelizmente, especializou-se em criar as instituições erradas.

Um dos grandes dramas da economia nacional revela-se nas empresas “zombie” – aquelas que deveriam ter morrido, mas continuam vivas à custa de subsídios e crédito barato, representando entre 5,2% e 12,5% do tecido empresarial.

Enquanto a Academia Real Sueca premiou estes investigadores com o Prémio Nobel da Economia por explicarem como a inovação gera crescimento sustentado, Portugal continua preso numa armadilha que os próprios Nobel descrevem como a resistência sistemática à mudança. E a ironia é no mínimo agridoce. Se, por um lado, subimos da 19.ª para a 16.ª posição no European Innovation Scoreboard 2025, por outro, continuamos na categoria “Moderate Innovator”, um eufemismo para “fazemos o suficiente para não sermos últimos”.

Neste ranking, a região de Lisboa foi finalmente classificada como “Strong Innovator”, o que seria motivo de festa se não soubéssemos que é literalmente a única região portuguesa neste patamar. É ter uma única janela aberta numa casa fechada e celebrar a ventilação.

O grande empresarial português revela-se nas nossas empresas “zombie” — aquelas que deveriam ter morrido, mas continuam vivas à custa de subsídios e crédito barato, representando entre 5,2% e 12,5% do tecido empresarial. É o oposto da destruição criativa: é preservação destrutiva, embalsamamento económico. Schumpeter revirar-se-ia no túmulo, e Aghion e Howitt escreveriam papers sobre como não fazer crescimento económico.

Contudo, quando deixamos a destruição criativa funcionar, Portugal até se sai bem. A Riopele, têxtil centenária de Vila Nova de Famalicão, conseguiu reduzir o tempo de resposta ao mercado de 15 para três semanas, aumentando a produção em mais de 20% através de realidade virtual e inteligência artificial. A Amorim Cork, outro bom exemplo, produz 25 milhões de rolhas por dia e usa tecnologia disruptiva para revolucionar toda a cadeia produtiva.

Do lado tecnológico, os exemplos de “inovação tuga” são mais que muitos. É o caso do unicórnio Feedzai, que tornou-se líder mundial em deteção de fraudes financeiras, tendo sido recentemente escolhida pelo Banco Central Europeu para proteger o euro digital; da Sword Health, que revolucionou a fisioterapia digital, da Outsystems, que mudou para sempre o desenvolvimento de software com a sua plataforma low-code, e da Critical Software, que desenvolve sistemas críticos para missões espaciais da NASA.

Portugal tem uma relação sadomasoquista com a mudança. Quando a tecnologia ameaça empregos tradicionais, a primeira reação é regulamentar, proteger, subsidiar. É compreensível, mas contraproducente.

Estas empresas não esperaram indicações de ninguém (nem vivem de subsídios) para inovar. Aplicaram, sem saber, a receita dos Nobel: destruíram práticas tradicionais há muito instituídas nas suas áreas para criar algo melhor e hoje colhem os frutos dessa decisão (para bem das suas operações e da economia nacional). Porém, o contexto generalizado do tecido empresarial nacional é bem diferente.

Portugal tem uma relação sadomasoquista com a mudança. Quando a tecnologia ameaça empregos tradicionais, a primeira reação é regulamentar, proteger, subsidiar. É compreensível, mas contraproducente. Como Aghion disse ao receber o Nobel, “a abertura é um motor do crescimento”. Já o protecionismo é economicamente claustrofóbico.

A pandemia ofereceu um laboratório perfeito desta dinâmica. Quantas empresas que deviam ter morrido foram mantidas artificialmente? Quantos recursos se desviaram de inovadores para zombies? A investigação dos Nobel sugere que esta “má destruição” é pior que deixar o mercado funcionar. É manter um doente terminal em coma artificial porque ocupa recursos que poderiam salvar vidas.

O roteiro dos laureados com o Nobel da Economia deste ano para Portugal é límpido. Primeiro, aceitar que destruição é parte necessária da criação porque não se faz omeletes sem partir ovos. Segundo, investir em conhecimento científico e deixar de ser papagaios económicos para nos tornarmos cientistas do crescimento. Terceiro, criar instituições que facilitem mudança para transformar o Estado de travão em acelerador.

Na prática, esta receita significa menos apoios a empresas moribundas, mais investimento em investigação e desenvolvimento (I&D). É bom não esquecer que Portugal investe apenas 1,75% do PIB em I&D, longe dos 3% da média europeia. Mas o problema não é apenas quanto gastamos, mas como o desperdiçamos em programas clientelares que protegem o status quo.

O mais irónico é que Portugal já teve momentos gloriosos de destruição criativa. A Revolução dos Cravos destruiu um regime, criando a Democracia. A adesão à CEE destruiu indústrias protegidas, criando modernização. Até a troika forçou reformas eficientes. O problema é que, mal passa a crise, voltamos aos velhos hábitos como alcoólicos em recaída.

Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt continuaram a obra de Schumpeter, mas corrigiram o seu pessimismo. Mostraram que a destruição criativa pode ser preservada, que o crescimento pode ser sustentado, que o capitalismo pode ser perpétuo, desde que criemos as instituições certas.

Portugal precisa urgentemente dessa lição, ou ficará para sempre na categoria “Moderate Innovator”: moderados em tudo, excelentes em nada, observando outros aplicarem as descobertas que os Nobel nos ofereceram de bandeja. No final, a e escolha será sempre nossa: evoluir com Schumpeter 2.0 ou estagnar com a nossa versão original da destruição criativa, que destrói sem criar.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A arte portuguesa de embalsamar empresas à boleia dos Nobel

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião