A banca tradicional vai desaparecer?

A banca é um reflexo da economia e, por isso, não seria de esperar que tivesse prosperado em Portugal. Mas o problema é estrutural e no mundo, com o aparecimento de novas sociedades financeiras.

A recente débacle de mais um gigante da banca ibérica – o Popular, entregue pelo BCE ao Santander pelo preço simbólico de um euro e um chorudo aumento de capital – foi apenas mais um episódio de uma crise que dura há dez anos e que não tem ainda fim à vista.

A banca continua a atravessar uma tempestade perfeita: um sector que durante muito tempo viveu tendencialmente protegido, mas que na última década tem estado à mercê de excessos da sua própria criação e da evolução tecnológica. Em “A Banca e a Economia Portuguesa” de Carlos Alves e Carlos Tavares, os autores mergulham nos números da actividade bancária em Portugal, que permitem ao leitor extrair conclusões. Uma dessas conclusões é a existência de excesso de capacidade instalada em Portugal. Que a actividade existente não suporta tantos funcionários nem tantos balcões. O problema não é de hoje; já vem de trás. É isso que se deduz da evolução do rácio “activo/número de empregados” e das relações entre depósitos e créditos bancários por balcão (pp. 44-46), segundo os quais a produtividade da banca portuguesa evidencia desde há muito uma produtividade que tem sido de apenas 30% da dos sistemas bancários mais eficientes na Europa.

Naturalmente, o sector bancário é o reflexo da economia. Não seria, portanto, de esperar que a banca tivesse prosperado em Portugal na última década. E, de facto, nem a crescente concentração bancária operada nos últimos anos tem permitido à banca compensar o efeito negativo da recessão sobre a economia portuguesa – basicamente desde a viragem do milénio – e, por consequência, sobre as carteiras de crédito e de títulos dos bancos.

Os dados apresentados por Alves e Tavares são esclarecedores. Por exemplo, no que respeita à estrutura da conta de resultados da banca (p. 53), registou-se uma redução significativa do peso da margem financeira (a diferença os juros cobrados pela concessão de crédito e os juros pagos pela captação de depósitos).

Assim, em 1998 a margem financeira em Portugal representava 2,4% do activo total dos bancos, porém, em 2015 já só era de 1,4%. Mais: no mesmo período de tempo, as demais comissões bancárias diminuíram ligeiramente, tendo passado de 1,4% do activo para 1,2%, evidenciado a incapacidade de os bancos diversificarem proveitos. É certo que os custos de estrutura diminuíram qualquer coisa (de 2,3% para 1,6% do activo). Mas, em sentido contrário, as provisões e imparidades dispararam. Sem surpresa, temos observado um oceano vermelho de prejuízos e colapsos bancários.

Durante muito tempo, trabalhar na banca foi sinónimo de excelente qualidade de vida. Belíssimos salários, excelentes regalias, estatuto social, enfim, uma vida boa e tranquila. Este período coincidiu com o “boom” da banca em Portugal, em que a concessão de crédito crescia a um ritmo bem superior ao do PIB (ainda que com margens de rentabilidade decrescentes).

Entretanto, a situação mudou. E não obstante a eliminação de milhares de postos de trabalho e o encerramento de centenas de balcões, continuamos em Portugal com excesso de capacidade instalada. Só para se ter uma ideia, o número de balcões por cada cem mil habitantes em Portugal rondará hoje os 45, quando na média da zona euro não chega aos 30. Esta comparação diz tudo.

Pior ainda, temos hoje nos bancos portugueses quadros que, tendo acumulado 15 ou 20 anos de casa, têm direito a boas indemnizações e que, atendendo às regalias de que ainda vão beneficiando (salários relativamente altos, empréstimos bonificados e generosos seguros de saúde), também não estão com pressa nem de mudar de vida nem de sair da banca. Primeiro, porque não há oportunidades de emprego na concorrência (na verdade, há cada vez menos concorrência). E, segundo, porque a grande parte dos que nos últimos anos saíram já não regressarão.

Mas a questão não é meramente de conjuntura. É também estrutural. Hoje em dia, a maior entidade financeira do mundo já não é uma JP Morgan Chase ou um HSBC; é uma “coisa” chamada Ant Financial. Trata-se de uma “formiguinha” com quinhentos milhões de clientes, que gere a plataforma de pagamentos da retalhista “online” Alibaba.

Com apenas três anos de idade e dentes de leite, a Ant Financial já tem dez vezes mais clientes que alguns dos maiores e mais calejados bancos mundiais. Não tarda nada estará cotada em bolsa e outros provavelmente seguir-lhe-ão o exemplo. Isto, numa altura em que, já a partir de 2018, entrará em vigor a directiva europeia de “Open Banking”, segundo a qual os bancos terão de passar a partilhar os dados dos clientes com entidades terceiras sempre que os clientes o exigirem.

O “fintech” agradece e o consumidor de serviços financeiros, que cada vez mais procura a desintermediação, provavelmente também agradecerá.

Enfim, há quem considere que a banca tradicional acabará engolida pelas plataformas de comércio virtual como a Alibaba ou a Amazon, ou então por redes sociais como o Facebook. A razão é simples. Sendo a angariação de clientes o principal desafio de qualquer negócio, é no custo marginal de aquisição dos clientes que reside hoje um dos maiores desafios dos bancos. Um custo que é alto na banca de punhos de renda, mas que noutros negócios – dentro e fora do sector financeiro – é virtualmente nulo.

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