A Covid acabou por decreto presidencial

O Presidente foi a uma feira dizer que já não voltaremos atrás no desconfinamento. A Iniciativa Liberal fez um arraial à revelia das recomendações da DGS. Os políticos decretaram o fim da pandemia.

Marcelo Rebelo de Sousa declarou, este domingo, que, no que depender dele, não haverá “volta atrás” no processo de desconfinamento. Na Feira da Agricultura de Santarém, o Presidente da República disse o seguinte: “Já não voltamos para trás. Não é o problema de saber se pode ser, deve ser, ou não. Não vai haver. Comigo não vai haver. Naquilo que depender do Presidente da República não se volta atrás”.

Será que o Presidente da República sabe que o país tem regras e uma matriz de desconfinamento que implica “voltar para trás” quando os casos aumentam como estão a aumentar em vários concelhos?

O mais grave é que, quando confrontado com as reticências de alguns especialistas em saúde pública sobre a velocidade do desconfinamento, Marcelo deu esta resposta completamente a despropósito: “é bom que os especialistas digam o que têm a dizer, mas o país não é governado por especialistas. O país é governado por quem foi eleito para governar”.

Esperávamos ouvir esta resposta de presidentes populistas e negacionistas como Trump ou Bolsonaro; não do nosso Presidente da República que tem sido sensato a pedir um equilíbrio entre “os fundamentalistas sanitaristas e os fundamentalistas da abertura mais radical e mais intensa”.

Em Portugal, temos tido alguma dificuldade em encontrar esse equilíbrio, ou é 8 ou é 80. Quando os contágios sobem, fecha-se tudo. Quando os casos descem, abre-se tudo, faz-se feiras e arraiais e decreta-se o fim do desconfinamento por decreto presidencial.

Foi assim nas vésperas do Natal quando, animados por um alívio momentâneo de casos, resolvemos facilitar. Houve quem na altura, como o próprio Presidente da República, fosse alvo de muitas críticas por ter planeado estar com um total de 18 pessoas a celebrar o Natal. É caso para dizer, nem 8, nem 18.

Já fomos os piores do mundo, e já fomos os melhores do mundo. Temos tido dificuldade em permanecer numa linha intermédia sensata que não mate a economia, nem faça disparar os contágios. É caso para dizer, nem 8, nem 80. Basta olhar para o boletim diário da DGS para verificar que já tivemos mais de 800 mil casos de Covid-19 em Portugal, quase 8 mil mulheres morreram, mais de 8 mil homens perderam a vida e, ainda ontem, tínhamos mais de 80 internamentos graves nas unidades de cuidado intensivos.

São estes oitos que têm feito a nossa vida num oito e que deveriam obrigar os políticos a parar para pensar, pelo menos durante oito segundos, antes de transmitirem mensagens que vão ser interpretadas pela população como mensagens de facilitismo, numa altura em que os casos de Covid-19 estão novamente a aumentar.

Dir-me-ão, e com alguma razão, que já não há tantos mortos e que os hospitais já não estão a abarrotar como antes do início da vacinação. Sendo isto verdade, também é verdade que a Covid-19 continua a ser uma pandemia e pode deixar sequelas extremamente graves, mesmo nos mais jovens. Já tivemos casos como o das Seychelles em que mesmo com 70% da população vacinada, e com a tão almejada imunidade de grupo, a situação acabou por ficar descontrolada por causa das novas variantes. E o arquipélago teve de “voltar atrás no desconfinamento”, senhor Presidente da República.

Como se não bastasse esta mensagem vinda de Belém, este fim de semana o Iniciativa Liberal resolveu, à revelia da recomendação da DGS, fazer um arraial em Santos disfarçado de comício político, com música, djs e barraquinhas de comida e bebida. Uma festa para comemorar a decadência de um partido que, depois de se aliar aos racistas e xenófobos do Chega nos Açores, resolve agora dar um exemplo de populismo e de irresponsabilidade.

O mesmo partido que, aquando da Festa do Avante, criticou os comunistas por realizarem um evento que, sendo criticável, teve o aval da DGS porque cumpria as normas de segurança e de saúde pública. O Iniciativa Liberal, pouco a pouco, está a revelar-se um partido libertário, na pior aceção da palavra.

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