A insustentável leveza do algoritmo na definição democrática

  • Simão Mendes de Sousa
  • 11 Março 2021

Ao legislador Português resta-lhe a decisão de: permitir propaganda paga em redes sociais, numa nova fronteira do debate manipulado por perfis falsos; ou, assume que há um problema, e a proíbe.

I. Há aproximadamente dez anos vivíamos a segunda fase de implementação das redes sociais e isso teve, como não poderia deixar de ser, sérias implicações na forma de fazer de política. Os agentes políticos, passaram a fronteira digital, subjugando os seus projetos de poder a uma rede sem filtro, viciante, que armazena uma quantidade inusitada de dados para, mediante o recurso a algoritmos preditivos, permitir a balcanização de uns e outros, fomentando a desinformação.

As redes sociais foram criadas para fomentar a comunicação interpessoal, num negócio simples onde trocamos comunicação gratuita por dados de navegação. Com o tempo, a estratégia foi permitindo um armazenamento de dados que, desde que tratados, permitem que o algoritmo que as baseia preveja o que queremos saber, quem queremos ver e o que queremos ouvir. Isoladamente, não há problema na utilização desta informação, mas se o foco passar a ser a mutação do nosso comportamento, os resultados podem ser imprevisíveis.

O ativismo cidadão permitiu, num espaço temporal até 2015, manifestações criadas por movimentos inorgânicos e convocadas pelas redes sociais, novos partidos e organizações politizadas, e isso despertou os agentes políticos para o oásis da comunicação política low cost, que permitia uma sensação de proximidade dos potenciais votantes e administrados, para a disseminação de informação parcial. Há, contudo, um detalhe que modifica a equação: a publicidade paga. Hoje, qualquer agente político pode, no nosso país, patrocinar todo o tipo de publicações de propaganda política, até ao dia da publicação do Decreto que marque as eleições (cfr. o artigo 10.º, n.º 1, por remissão do artigo 11.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de Julho). Aliás, a pouca importância que o legislador dá ao fenómeno digital é patente, na remissão do tratamento da propaganda em redes sociais, para o mesmo que é dado à imprensa escrita, olvidando que ambas obedecem a princípios diferentes.

Sucede que, a permissão de publicidade paga, permite que nos meses anteriores à marcação do ato eleitoral, qualquer político invista uma boa parte do seu orçamento de campanha no crescimento da sua comunidade online, da qual beneficiará quando a publicidade paga, se encontra vedada por lei. Facilmente se compreenderá, que mesmo sendo irreplicável o alcance pago para o alcance orgânico, este é manifestamente influenciado pela liberdade existente em momento anterior à publicação do Decreto que marca eleições, o que acrescentando um ou dois perfis falsos, criados especificamente para desinformar, permite a criação de verdadeiras máquinas de desinformação maciça.

II. O algoritmo preditivo, consegue tomar a decisão de quem pode ver determinada publicação, e duas pessoas diferentes não vêm o mesmo tipo de conteúdo, mesmo que sejam de zonas geográficas semelhantes, fazendo com que a massa apoiante propensa a determinada de conteúdo veja, apenas, esse conteúdo, sem contraditório.

Neste período pré-eleitoral, pululam as publicações pagas pelas redes sociais, o vício do novo opinion making, levou responsáveis políticos de todos os quadrantes políticos a “mostrar obra”, ou a lançar acusações, pagando o dízimo a Silicon Valley, para gerar mais tráfego e maior alcance. O vício instalou-se e o capitalismo de vigilância – como Shoshana Zuboff lhe chama – domina o debate público no nosso país, criando barreiras ao debate plural, manipulando massas e dominando os processos eleitorais.

III. Ao legislador Português que, sozinho é incapaz de regular fortemente qualquer plataforma digital, resta-lhe a decisão de: permitir propaganda paga em redes sociais, numa nova fronteira do debate manipulado por perfis falsos; ou, assume que há um problema, e a proíbe.

A negação não é boa conselheira e, à data da lei que regula a propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial, ainda vivíamos na utopia do fomento de participação cívica decorrente de uma maior facilidade de acesso à informação decorrente do recurso a redes sociais, sendo apenas a partir de 2016 que todos percebemos o efeito pernicioso das redes sociais no regular funcionamento dos processos eleitorais democráticos.

  • Simão Mendes de Sousa
  • Associado de Direito Público da CMS

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