A novíssima reforma administrativa angolana

  • José Alves do Carmo e Raquel Ferreira Vieira
  • 21 Dezembro 2022

Espera-se que seja um importante instrumento, não só de efetivação dos direitos dos cidadãos, mas também um mecanismo de impulso da economia, pela segurança que as suas normas pretendem transparecer.

Recentemente, o ordenamento jurídico angolano viu nascer dois importantes diplomas, a saber, a Lei n.º 31/22, de 30 de Agosto, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo; e a Lei n.º 33/22, de 1 de setembro, que aprovou o Código de Processo do Contencioso Administrativo.

A aprovação destes diplomas é, assim, tradutora de uma verdadeira Reforma Administrativa, a qual encerra um esforço de codificação de matérias que, há largas décadas, se encontravam dispersas por diversa legislação avulsa, muitas vezes contraditória e que nem sempre comportava as respostas que, sobretudo, os cidadãos e as empresas necessitavam, para tutela dos seus direitos e legítimos interesses na sua interação com a Administração. Procede-se, pois, à revogação do DL n.º 16-A/95, de 15/11, bem como da Lei n.º 2/94, de 14/01, do DL n.º 4-A/96, de 5/04 e da Lei n.º 8/96, de 19/04.

A Lei n.º 31/22, de 01 de setembro veio, pela primeira vez, procedimentalizar a atuação da Administração, definindo-lhe regras concretas e impondo-lhe verdadeiros limites. Destaque para a consagração dos princípios da boa administração, audiência prévia, devido procedimento e da transparência administrativa, assim como a previsão de um específico dever de celeridade e de um prazo geral para a conclusão do procedimento, fixado, regra geral, em 60 dias.

Na fase instrutória, a ênfase é conferida à audiência prévia, devendo ser realizada no prazo de 5 dias, contados da notificação dos interessados. Em defesa da posição dos cidadãos, prevê-se, ainda, a formação de deferimento tácito, caso a notificação do ato não ocorra até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo para decisão.

Congratula-se a clarificação do prazo dentro do qual deve a reclamação ser intentada: 15 dias contados, designadamente, da notificação do ato, quando esta se tenha efectuado.

Já em matéria de contencioso administrativo, a principal novidade, que se louva, é a expressa previsão de um elenco – que, segundo cremos, meramente enunciativo, atenta a remissão para outras disposições previstas em lei especial – de matérias cujo conhecimento pertence à jurisdição administrativa. De modo análogo ao que vimos suceder com o ETAF, encontra-se também prevista uma cláusula de exclusão de competência, onde se afasta expressamente o conhecimento da impugnação de atos praticados no exercício das funções política e legislativa, em apanágio do princípio da separação de poderes, assim como, a título de exemplo, litígios submetidos ao direito privado, ainda que envolvam pessoas coletivas de direito público. Um exemplo paradigmático que aqui se poderá colocar prende-se com o conhecimento do quantum indemnizatório devido na sequência de um ato expropriativo.

Verifica-se, também, em linha com as soluções vigentes no ordenamento português:

  1. A consagração do princípio pro-actione, dando-se prevalência às decisões sobre o mérito das pretensões formuladas, em concretização do princípio da tutela jurisdicional efetiva;
  2. A previsão de um rol de pedidos que os titulares de direitos e interesses legalmente protegidos podem formular, prevendo-se, nomeadamente, não só a impugnação, por via da anulabilidade ou declaração de nulidade, de atos administrativos, assim como a condenação à prática do ato devido e o reconhecimento de situações jurídicas decorrentes de normas administrativas;
  3. A expressa consagração da cumulação de pedidos e do princípio do efeito não suspensivo;
  4. A previsão de um contencioso pré-contratual.

Em jeito de síntese, poder-se-á dizer que a novíssima disciplina vertida nos diplomas mencionados é o resultado de uma mudança já há muito desejada. Espera-se que seja um importante instrumento, não só de efetivação dos direitos dos cidadãos, mas também um mecanismo de impulso da economia, pela segurança e certeza que as suas normas pretendem transparecer. Veremos se tal promessa é cumprida.

  • José Alves do Carmo
  • Sócio da AVM Advogados
  • Raquel Ferreira Vieira
  • Associada da AVM Advogados

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