A presunção de aceitação do despedimento – más e boas notícias

  • Milena Rouxinol
  • 9 Novembro 2022

Caso o trabalhador aceite a compensação a que tem direito quando é alvo de um despedimento por causas económica tal faz presumir que o aceita como lícito e se absterá de o impugnar.

Está em curso o processo político que, previsivelmente, culminará em mais uma reforma laboral – e, aparentemente, relevante, desde logo pelo vasto conjunto de matérias que cobre.

Apesar da latitude da Agenda do Trabalho Digno, do Governo do PS, que se corporizou na Proposta de Lei 15/XV, de 6/06/2022, e foi apresentada ao Parlamento, novamente, com algumas alterações, no passado dia 21/10, o documento é omisso relativamente a uma matéria cuja regulação atual me suscita as maiores reservas. A julgar pela proposta de lei do governo maioritário, tal regime assim permanecerá, embora o BE haja já proposto a sua alteração, através da pura e simples revogação das normas em causa (Projeto de Lei 162/2015). E tanto bastava, de facto, a meu ver.

Refiro-me ao disposto no art. 366.º, n.º 4 e n.º 5 do Código do Trabalho. Decorre destas normas que, caso o trabalhador aceite a compensação a que tem direito quando é alvo de um despedimento por causas económicas – designadamente um despedimento coletivo, ou por extinção do posto de trabalho –, tal faz presumir que o aceita como lícito e se absterá de o impugnar. Assim mesmo: se aceitar o montante cujo pagamento por parte da entidade empregadora é imperativo e, aliás, uma condição imprescindível, todavia entre várias outras, para o despedimento ser lícito, então não se admitirá que invoque, em tribunal, a sua ilegalidade, porquanto, ao aceitar a dita compensação, tudo se passa como se se tivesse conformado com o despedimento. Pode, é certo, afastar a presunção e, então, recuperará o direito de acesso à tutela judicial, mas, para tanto, terá de ter devolvido a compensação.

Tal solução legal parece-me rotundamente injusta e perversa. A compensação prevista no art. 366.º é, reitere-se, um direito do trabalhador. Iniquamente, porém, ele tem de abdicar do benefício que esse direito lhe confere para… poder exercer outro direito, o de recorrer ao tribunal. Ora, se a imposição de escolha entre direitos (fundamentais) já se mostraria, em qualquer caso, pouco razoável, a perversidade de tal solução torna-se ainda mais óbvia se se pensar no que, tipicamente, a compensação representará para o trabalhador, que está em vias de perder o emprego e que, portanto, se encontra num momento de vulnerabilidade financeira e, evidentemente, pessoal. Ora, a lei impõe-lhe que, justamente nesse momento de fragilidade e carência, prescinda da quantia que poderia ajudar a garantir-lhe a subsistência e, porventura, poder exercer o direito de impugnar o despedimento, isto é, de avançar para uma batalha judicial, muito provavelmente exigente do ponto de vista (não só, mas também) económico e, claro, de desfecho incerto.

Sucede que a leitura que a jurisprudência nacional tem feito deste regime o torna ainda mais gravoso para o trabalhador. Dispondo este de um prazo (de 6 meses, no caso do despedimento coletivo; de 60 dias nas demais situações) para impugnar o despedimento, os tribunais têm, porém, considerado que, depois de aceitar a compensação, só readquire aquele direito à impugnação se a tiver devolvido ao empregador de imediato – simultaneamente com a sua entrega – ou dentro de período suficientemente curto para se poder dizer que não chegou a dispor do montante em causa. Eis, então, o lapso de tempo – nenhum, ou quase nenhum – disponível para o trabalhador refletir e obter aconselhamento jurídico sobre a conveniência de impugnar o despedimento. E tudo sem se apossar de um cêntimo da compensação recebida! Talvez, porém, esta tendência jurisprudencial, fortemente arreigada haja sofrido uma inflexão. Com efeito, em Acórdão recente, de 12/10/2022, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, creio que com toda a razão, poder o trabalhador devolver aquele montante até ao momento em que decida dirigir-se a tribunal para impugnar o despedimento. Espera-se que este entendimento se consolide, em vez de mera ilha de esperança, perdida num oceano de acórdãos que se traduzem em agudizar mais ainda a iniquidade decorrente daquele regime legal. Se este persistir, mesmo após a reforma laboral que se avizinha, que persista também esta nova leitura jurisprudencial.

  • Milena Rouxinol
  • Professora auxiliar da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e investigadora no âmbito do Projeto STEP UP

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