Editorial

A tática de Costa para ficar em São Bento

António Costa andou seis anos a defender a aliança com o PCP e o BE. Agora, quer manter a mesma estratégia, mas está à espera da muleta do PSD.

António Costa falou pela primeira vez desde o anúncio da dissolução do Parlamento e da marcação de eleições legislativas antecipadas para 30 de janeiro. E o que disse? Quer manter-se no poder, a fazer o que fez nos últimos seis anos, custe o que custar, seja com a esquerda, seja com o PSD (o que exigirá, claro, uma subordinação política dos social-democratas). O que mostra uma coisa: O primeiro-ministro está sem discurso, e por isso quer manter tudo em aberto, porque qualquer coisa servirá desde que sirva para manter o PS no poder.

A entrevista à RTP foi mais reveladora do que pode parecer à primeira vista. Em 2015, António Costa perdeu as eleições mas, com a ajuda de Jerónimo de Sousa, anunciou ao país que tinha caído um muro. A geringonça fez-se e em 2019 Costa anunciou com clareza, justiça seja feita, que o PS queria governar à esquerda com os seus parceiros de extrema-esquerda. Mas disse mais: Se dependesse do PSD, o Governo cairia. Ironia, o Governo caiu pela mão do PCP e do Bloco, que dizem agora duas coisas: O PCP jura que não há qualquer possibilidade de repetição de uma geringonça e o BE quer mandar na liderança do PS, mandar embora Costa e ‘nomear’ Pedro Nuno Santos (o que não é uma grande ajuda para o ainda ministro das Infraestruturas, mas isso é outra história).

O que tem Costa a dizer sobre isto? Quer manter a estratégia que nos trouxe até aqui, o país perde posições sucessivas no ranking da riqueza por habitante, que mais afundou com a pandemia e o que mais tarda a recuperar a economia, o país do salário mínimo e o que tem um em cada três pobres a trabalhar. Uma estratégia suportada na geringonça e que, para Costa, também pode ser seguida em modelo de bloco central, formal ou informal, com o PSD no próximo ciclo político. Pode mesmo?

Ora, este caminho aberto por Costa na entrevista à RTP1 é a negação de tudo o que disse durante seis anos. Costa está disponível a trocar convicções de conveniência pelo poder, só isso explica que abra a porta ao PSD (e isso, Paulo Rangel e Rui Rio têm de esclarecer nas diretas do partido). Mas mostra outra coisa, que já tinha escrito aqui no Login. Costa vai jogar tudo na maioria absoluta, chame-lhe maioria estável ou maioria reforçada. Vai tentar não hostilizar o eleitorado do BE e PCP, vai apelar ao voto útil, vai mostrar humildade (aprendeu com o que viu na Câmara de Lisboa) e ao mesmo tempo jogar ao centro. No limite, quer fazer o que Rio sempre esteve disponível para fazer, quer usar o PSD para aprovar orçamentos, para suportar o Governo no Parlamento. E Rangel, está disponível para um bloco central, para pôr o PSD ao serviço do PS?

António Costa tem um programa de Governo para as legislativas, são as medidas mais populares inscritas no orçamento que foi chumbado, nomeadamente o aumento extra das pensões. E todas essas medidas vão ter retroativos a janeiro, garante. Mas o problema de Costa é outro, é que precisa de maioria absoluta ou tudo se complicará, sobretudo porque o ciclo económico que aí vem é tudo menos idêntico ao que o país viveu entre 2015 e 2019 (que desperdício). A economia vai voltar a contar e não será por boas razões.

No limite, António Costa terá de antecipar a sua saída para permitir outros arranjos políticos. Desta entrevista, parece até que Costa tem todas as portas possíveis para usar, mas na verdade só tem uma, é mesmo a maioria absoluta. E por isso é que aparece com humildade, e a tentar desfazer a ideia de que o PS com maioria absoluta é um perigo. Mas talvez o anterior presidente do Tribunal de Contas, a anterior PGR ou a anterior presidente do Conselho das Finanças Públicas não digam o mesmo.

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