Agendas Mobilizadoras – um instrumento inovador de política com capacidade de agregar valor
É fundamental continuidade de instrumentos que se têm revelado boas práticas, a começar pelos avisos STEP, sob pena de criarmos descontinuidade nas políticas e de fornecer incentivos contraditórios.
O estudo da Comissão Europeia sobre as medidas de apoio à inovação no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência é inequívoco: o investimento em I&D é um dos pilares mais transformadores do PRR em toda a Europa. A maioria das metas e marcos estão cumpridas pelos países e mais de 160 mil investigadores forma já apoiados em toda a Europa pelo MRR. Neste contexto, a posição de Portugal é destacada. O país surge como:
- o Estado-membro com maior peso relativo do PRR em I&D, com montantes que ultrapassam 160% do orçamento nacional de I&D entre 2021 e 2023 – muito acima de Espanha (80%) e largamente acima da média dos “inovadores moderados” (53%) e dos “inovadores líderes” (6%);
- o país que mais aposta em I&D no PRR, com 17% da dotação dedicada a esta área, face a uma média europeia de 9%.
Esta aposta materializa-se num mix de reformas e investimentos, destacando-se o apoio aos Laboratórios Colaborativos e Centros de Tecnologia e Inovação, apoio a infraestruturas de I&D, com aquisição de equipamentos, instrumento financeiro de apoio à inovação competitividade empresarial, recapitalização das empresas e as emblemáticas agendas mobilizadoras.
Agendas Mobilizadoras – um laboratório vivo de políticas públicas
Este instrumento assenta em parcerias lideradas por empresas e integram, obrigatoriamente, universidades, politécnicos, CoLAB, CTI ou outras entidades do sistema científico e tecnológico, para além de empresas, clusters, associações empresariais ou autarquias.
Assistimos a concurso altamente competitivo: 164 candidaturas, 53 projetos selecionados e 52 contratos assinados. Começando com uma dotação inicial de cerca de 930 milhões de euros, este valor subiu para cerca de 3.000 milhões de euros, num volume total global de cerca de 7.300 milhões de euros, estando contratualizados 1.263 produtos, processos e serviços (PPS) – mais 203 que na fase inicial – que devem estar concluídos até junho de 2026, associados a compromissos de investimento, incremento de emprego qualificado, crescimento das vendas e das exportações, bem como do VAB.
Três anos de execução, centenas de visitas no acompanhamento do PRR e diversos relatórios permitem identificar alguns padrões que parecem romper com o status quo:
- Abrangência do ciclo de inovação. As agendas incorporam atividades desde a I&D até a atividades de divulgação e internacionalização, passando pelo investimento produtivo e capacitação, reforçando a capacidade de concretização e de desenvolvimento de soluções orientadas para o mercado.
- Ambição global dos consórcios. As agendas funcionaram como plataforma para “pensar grande” e global, que se traduzem na criação ou reforço de novos clusters empresarias, ou na aspiração a lideranças internacionais ou transformações profundas nas cadeias de valor.
- Foco no mercado. Muitos PPS estão já a ser comercializados, das bombas de calor a componentes automóveis, passando por soluções de inteligência artificial para gestão de detritos espaciais, para além da criação de novas startups e spin-offs.
- Cocriação entre empresas e investigação. Reforçou-se a cultura de cooperação entre o sistema científico e tecnológico e o tecido empresarial, com projetos conjuntos, partilha de risco e agendas de investigação alinhadas com necessidades de mercado.
- Talento mais qualificado e mais bem remunerado. Há uma nova geração de investigadores – muitos regressados do estrangeiro – a trabalhar em contexto empresarial, com salários acima da média e exposição à concorrência internacional, fomentando uma nova cultura assente com orientação empresarial.
- Ecossistemas de inovação mais robustos. As infraestruturas científicas foram reforçadas, surgiram novos serviços tecnológicos e as relações entre os vários atores dos sistemas de inovação intensificaram-se, muitas delas completamente novas, sustentados pela confiança gerada nos consórcios.
- Integração das PME em cadeias de valor. Muitas pequenas e médias empresas passaram a ter acesso a clientes âncora, vários deles grandes empresas parceiras nos consórcios, plataformas tecnológicas e redes de inovação que dificilmente alcançariam sozinhas.
Tomando como base esta reflexão baseada na evidência da execução, devemos questionar-nos sobre que ensinamentos podemos retirar para o futuro, em particular para a definição das políticas publicas.
1. Sustentabilidade pós-PRR: evitar o “vale” depois do pico
Muitos projetos apoiados e PPS gerados têm ciclos de maturação tecnológica e comercial que vão muito além de 2026. Se não houver continuidade – em capital de crescimento, instrumentos financeiros e enquadramento regulatório estável – corremos o risco de criar um “pico PRR” seguido de um vale de subfinanciamento.
É necessário desenhar, desde já, mecanismos que permitam escalar protótipos em linhas de produção, internacionalizar PPS bem-sucedidos e consolidar equipas que hoje dependem do impulso excecional do PRR. Caso contrário, parte do investimento em talento e conhecimento pode dissipar-se.
2. Responder melhor, mais depressa e com proximidade
Durante a execução verificaram-se alterações nas regras, atrasos nas respostas aos consórcios, desde os pedidos de pagamento até à reposição do IVA, passando pelos licenciamentos e quadros regulatórios e pedidos de alteração. Ao longo do tempo foi possível melhorar muitas das respostas, de que o pagamento imediato de 50% em cada pedido de reembolso, é o caso mais evidente. Permanecem problemas de interoperabilidade entre as plataformas, tempos longos de resposta nos licenciamentos e bem como articulação entre entidades públicas, que carecem de melhorias rápidas. É essencial que a estabilidade das regras exista desde o início e que os beneficiários sejam envolvidos. O modelo de acompanhamento necessita de ser aprimorada, privilegiando, desde o início, maior proximidade e presença junto dos projetos, para além da execução financeira. Criar e qualificar project officers, à semelhança de vários projetos europeus é essencial.
3. Coesão territorial da inovação: não cristalizar assimetrias
As agendas concentraram-se, previsivelmente, nos ecossistemas mais fortes – áreas metropolitanas, regiões com universidades e centros tecnológicos consolidados. O desafio agora é usar essas âncoras como plataformas de difusão, e não como polos fechados sobre si mesmos.
Isso implica programas de transferência de conhecimento e tecnologia para regiões com ecossistemas mais débeis, apoio a redes entre PME de territórios menos densos e grandes consórcios, e políticas de atração de investigadores e empreendedores para cidades médias. Caso contrário, corremos o risco de reforçar uma geografia de inovação a duas ou mais velocidades.
4. Regras para a relação investigação-empresa: da exceção à norma
As Agendas Mobilizadoras mostraram que é possível cooperar de forma intensa entre empresas e entidades do sistema científico e tecnológico, mas também revelaram desafios: propriedade intelectual, contratação de investigadores, contratação pública, prazos de decisão.
A próxima geração de políticas deve transformar o que hoje é excecional em normal: modelos-tipo de partilha de PI, regras claras para a mobilidade de investigadores entre academia e empresa, procedimentos mais simples para aquisições e subcontratações em projetos de I&D. O ganho não é apenas administrativo; é de confiança e, sobretudo, rapidez na resposta às oportunidades de mercado.
5. Continuidade e coerência das políticas e incentivos
As opiniões dos vários consórcios têm sido unânimes nas virtudes, traduzidas em resultados de índoles diversas, resultantes da cooperação entre empresas e entidades do sistema científico e tecnológico, bem como de projetos que integram as várias atividades do ciclo de inovação. Também tem sido enfatizado a importância crucial da participação das grandes empresas nos consórcios. Alguns dos avisos mais recentes, como o IFIC ou as Mini-Agendas, apesar de reconhecerem a importância desta cooperação, não criam os incentivos adequados para que tal se materialize. É fundamental continuidade de instrumentos que se têm revelado como boas práticas, a começar pelos avisos STEP, sob pena de criarmos descontinuidade nas políticas e de fornecer incentivos contraditórios aos beneficiários.
6. Inserção estratégica nas prioridades europeias
Vários consórcios estão já alinhados com agendas europeias – descarbonização, digitalização industrial, espaço, saúde, dados. O passo seguinte é usar esta base para entrar sistematicamente em iniciativas europeias de maior escala (IPCEI, alianças industriais, novas parcerias), em vez de depender apenas de chamadas nacionais. A proposta da Comissão Europeia para o novo quadro financeiro plurianual 2028-2034 reforça esta necessidade, em particular pela relevância financeira que o Fundo para a Competitividade assume, com mais de 45 mil milhões de euros, com gestão centralizada.
Isso exige diplomacia económica e científica ativa, capacidade técnica para preparar candidaturas complexas e uma visão clara sobre onde Portugal quer especializar-se nas cadeias de valor europeias. A vantagem relativa criada pelo PRR em I&D deve ser o ponto de partida para essa afirmação, não um ponto de chegada.
O PRR tem servido para que Portugal reforce o seu ecossistema de inovação, com instrumentos robustos do ponto de vista financeiro, incentivos adequados ao reforço da cooperação entre as empresas e o sistema científico e tecnológico, de forma a reduzir gap identificado nos rankings de inovação. Alguns resultados recentes, como e melhoria no ranking da inovação (subida de três lugares) e saldo líquido positivo nos fluxos migratórios de pessoas qualificadas, são sinais positivos, mas que carecem dos estímulos adequados e da continuidade das políticas, para que este tema continue a ser prioridade e que consigamos melhorar a produtividade, aumentar a competitividade e pagar melhores salários.
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