Ainda os melhores anos de sempre: uma década de indústria do vinho

  • José Ramalho Fontes
  • 14 Novembro 2022

Também este setor viveu, em 2021, o seu melhor ano de sempre e que tudo indica que 2022 será substancialmente idêntico. Embora os responsáveis do setor façam afirmações prudentes.

No meio de tantas notícias de dificuldades estruturais ou circunstanciais, na macroeconomia e na microeconomia, continuo a encontrar referências aos “melhores anos de sempre”, o que não deixa de ser surpreendente e, ao mesmo tempo, deve conduzir a uma reflexão mais aprofundada que explique as duas realidades contrastantes.

Por exemplo, a AIMMAP, a associação do setor metalúrgico e metalomecânico, apresentava recentemente, os dados dos primeiros meses de 2022 que evidenciavam a possibilidade de se repetirem os resultados recorde das exportações em 2021, de 20.000 milhões euros, uma vez que já tinham registado, neste ano, três meses sucessivos de exportações, no valor de 2 biliões de euros. Embora tenham afirmado defensivamente que o ano de 2023 vai ser “desafiante e imprevisível”, e referido as conhecidas realidades dos elevados custos da energia, a maior probabilidade é que a tendência se consolide e os resultados melhorem dada a qualidade e a sofisticação crescente da sua produção e o encurtamento crescente das cadeias de abastecimento, que trazem a Portugal novos clientes ou mais encomendas.

Neste contexto, comecei a explorar os dados, publicados no início desta semana de outubro, da Central de Balanços do Banco de Portugal relativos à indústria do vinho (CAE 1102) – Numa primeira observação, é muito positiva a sua evolução dos últimos dez anos: em 2012, havia 761 empresas que faturavam 1355 milhões euros e, em 2021, o universo das empresas deste CAE que entregavam a IES (Informação Empresarial Simplificada) eram 1009 (mais 248, um acréscimo de 30%), que faturaram 1608 milhões euros (mais 18%); as exportações, em 2012, representavam 556 milhões euros e, em 2021, 750 milhões euros (mais 34%).

Outro indicador que caracteriza este universo e tem evolução semelhante passa pelos resultados líquidos que cresceram de 18,2 milhões de euros, há dez anos, para 126 milhões euros, em 2021 – sete vezes mais. Neste âmbito, os EBITDA eram 166,7 milhões euros, em 2012, e 273,8 milhões euros, mais 60%, em 2021, com gastos de financiamento de 55 milhões euros, em 2012, e apenas 22 milhões de euros, em 2021. A diminuição de despesas de financiamento traduz, certamente de forma muito diversificada entre as empresas, um aumento significativo dos capitais próprios que passaram de 1683 milhões euros, em 2012, para 2391 milhões (mais 42%). No caso das despesas com pessoal, o crescimento foi significativo, de 150 milhões euros, em 2012, para 273,8 milhões, no ano passado.

As médias de vendas por empresa passaram de 1,78 milhões de euros para 1,88 milhões, com descida de ativos médios de 4,74 milhões para 4,52 milhões. Nas exportações, também se verifica estabilidade nas médias, à volta de 730 mil euros para 740 mil euros, por empresa. Ora, se as vendas e as exportações médias se mantêm e os resultados cresceram de forma tão significativa, só pode concluir-se que foi a melhoria na eficiência das operações que permitiu esta multiplicação, o que é uma boa tradição portuguesa, a busca da eficiência nos processos industriais, algo que estes empresários também prezam, sendo transversal a todos os setores. Eficiência que também se traduz pelo maior peso do custo das mercadorias vendidas e das matérias-primas, que passaram de 54% das vendas para 60%[i].

Esta análise mostra que não houve ganhos de escala para a média das empresas, o que poderia contradizer o que escrevi em fevereiro, publicado no AESE Insight[1], em que identifiquei seis setores com os melhores anos de sempre, porque os melhores resultados deveriam corresponder a empresas maiores. Aprofundando a análise dos números ficou validada esta expectativa ao desagregar as médias em função da dimensão das empresas. Em primeiro lugar, há que referir que as microempresas tiveram resultados líquidos negativos, tanto em 2012 (menos 14 mil euros), como em 2021, (menos 8 mil euros), assim como as pequenas, em 2012, (menos 7 mil euros), embora os resultados totais, em 2012, sejam 18 mil euros, como referido acima.

Pela positiva, as maiores empresas – que venderam mais de 50 milhões euros – eram quatro, em 2012, e passaram a cinco, em 2021. Reforçaram o seu peso nas exportações, passando de 39% para 40%, e o seu EBIDTA, de 22% para 25% do total, mas as suas vendas eram 26%, em 2012, e passaram para 23%, em 2021, assim como os resultados líquidos eram 72% dos resultados de todas as empresas e passaram a ser apenas 29%, em 2021. O que fica patente, portanto, é que houve um número significativo de pequenas e médias empresas que aumentaram o peso das suas vendas de 66% do total para 70%, com os resultados líquidos a subirem de 19 mil euros, em 2012, para 97 mil euros, em 2021, 77% do total de resultados líquidos.

Uma última consideração que explica uma certa visão generalizada desta indústria: em 2012, as 550 microempresas tiveram um resultado líquido negativo de 14 mil euros e, em 2021, as 769 microempresas voltaram a ter um resultado negativo agregado de 8 mil euros, que embora menor não deixa de representar um enorme coletivo de empresas e de pessoas (colaboradores e dirigentes) que fecham as contas anualmente com défice, que passam para a sociedade, de algum modo, essa perspetiva negativa.

Depois de todos estes números, não se pode deixar de considerar que também este setor viveu, em 2021, o seu melhor ano de sempre e que tudo indica que 2022 será substancialmente idêntico. Embora os responsáveis do setor façam afirmações prudentes semelhantes às do setor metalomecânico, não há razões válidas para não esperar uma continuação agregada de resultados positivos alcançados por empresas cada vez maiores e mais bem organizadas, com produtos com preços médios mais altos, em paralelo com um conjunto de pequenas e microempresas que vão evoluindo e sobrevivendo de modo variado, embora com um peso global pequeno de 7% em vendas e 3% em exportações.

[1] “Como solidificar ‘os melhores anos de sempre’ na economia portuguesa?”, AESE insight #61, 2022

[i] Mesmo gastando mais nas compras, se se conseguem estes resultados positivos e melhores, é porque têm mesmo mais eficiência na sua transformação.

  • José Ramalho Fontes
  • Presidente da AESE Business School

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