Editorial

Auditoria da Deloitte? Digam-nos o que não sabemos

A Deloitte revela que analisou 283 operações de crédito que levaram a perdas de cerca de quatro mil milhões de euros no período de 2014 até 2018. Mas isso já sabíamos. Falta o resto.

O país aguardava há semanas por uma auditoria da Deloitte sobre a gestão do BES/Novo Banco no período entre 2000 e 2018, suspirando por revelações escabrosas que justificassem mais umas quantas manifestações de ira em relação aos bancos e os banqueiros, particularmente em relação ao fundo Lone Star e a António Ramalho, acionista e presidente do Novo Banco, respetivamente. Mas, afinal, do que se leu até esta hora, a Deloitte confirmou o que todos já sabíamos, os buracos do BES até à resolução em agosto de 2014 e perdas superiores a quatro mil milhões de euros geridos entre 2014 e 2018. Mas o que queremos mesmo é uma auditoria que nos revele o que não sabemos. O que aconteceu na gestão destas perdas e, particularmente, desde que o banco foi vendido ao Lone Star no último trimestre de 2017, as reestruturações de dívida, as vendas de ativos e as respetivas condições.

Estamos em 2020, o Novo Banco nasceu em agosto de 2014 com um capital de 4,9 mil milhões de euros, foi vendido (por António Costa e Mário Centeno) ao fundo Lone Star em outubro de 2017 e sai agora uma auditoria que revela que o fundo americano foi mesmo rigoroso na forma como avaliou os buracos do banco que estava a comprar, porque exigiu uma garantia pública de mais 3,9 mil milhões de euros, dos quais três mil milhões de euros já foram usados e os outros 900 milhões, fica aqui escrito, serão usados em 2021. Não, não é coincidência, a auditoria da Deloitte confirma o que sabíamos por outras fontes, até pela acusação do Ministério Público a Ricardo Salgado, Morais Pires e mais uns quantos administradores e diretores do antigo BES.

A esta hora [terça-feira], há dois comunicados, um do Ministério das Finanças e outro do Novo Banco, sobre uma auditoria que ainda ninguém viu nem leu. O que se sabe? O relatório, elaborado pela empresa de auditoria Deloitte e entregue esta segunda-feira ao Governo, analisou atos de gestão no Banco Espírito Santo e no Novo Banco, desde 01 de janeiro de 2000 até 31 de dezembro de 2018, e incidiu sobre “283 operações que integram o objeto da auditoria, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do Banco Espírito Santo, quer o período de atividade do Novo Banco”. Este conjunto de operações originou perdas de 4.042 milhões de euros para o Novo Banco entre 04 de agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018.

Convém fazer um pouco de história: Há dois ou três meses, o primeiro-ministro afirmou no Parlamento que o Novo Banco não deveria receber qualquer nova injeção de apoio público sem haver resultados desta auditoria porque, estava implícito, tinha reservas sobre as operações de vendas de ativos do Novo Banco com desconto face aos valores que estavam inscritos no balanço e que permitia assim o recurso à garantia pública. Marcelo também defendia o mesmo e só Mário Centeno se ‘esqueceu’ de avisar o primeiro-ministro e ordenou mesmo o pagamento ao Novo Banco, cumprindo o contrato assinado entre o Estado e o Lone Star. Lançaram suspeitas sobre António Ramalho e sobre o Lone Star. E agora? Com esta auditoria ou, para ser exato, com o que se sabe da auditoria até ao momento, Costa e Marcelo têm as respostas que queriam? Podem assegurar, com esta auditoria, que as vendas de ativos cumpriram todas as regras? A auditoria responde a isto? Se calhar terão, então, de pedir desculpa ao Lone Star e a António Ramalho (embora se saiba a dificuldade de Costa em pedir desculpas…)

Esta quarta-feira de manhã, António Ramalho vai quebrar o silêncio e explicar, detalhadamente, as práticas seguidas nas operações de vendas de ativos, os conhecidos pacotes “Nata e “Viriato” e a venda da seguradora GNB Vida, e será a oportunidade para esclarecer, de viva voz e com direito a perguntas dos jornalistas, o que justifica os descontos aplicados naqueles ativos, nomeadamente imobiliários, em 2018 e 2019. E já agora porque é que foi possível chegar a 2017 — portanto, pelo menos após três exercícios consecutivos — com perdas que, afinal e pelos vistos, passaram pelo crivo dos auditores e supervisores que avaliaram os ativos do BES/Novo Banco. A conferência não será propriamente uma resposta à auditoria, garante Ramalho nas redes sociais.

Como a auditoria não é conhecida, apenas os comunicados de partes interessadas, todas estas perguntas poderão até estar respondidas e não divulgadas. Mas, pelo que se sabe até agora, mais parece uma auditoria que serve para voltar a culpar Salgado, Carlos Costa e Passos Coelho pela falência e posterior resolução do BES. Diz-nos o que suspeitávamos desde 2014 e o que sabíamos desde 2017, com a venda e a garantia pública de 3,9 mil milhões. Pelos vistos, não avalia o próprio contrato de venda, os incentivos criados para que o Novo Banco e a sua gestão fizessem aquilo que estão a fazer, privilegiando o acionista maioritário, e a estratégia acelerada de redução do crédito malparado.

Nos próximos dias será divulgada a auditoria com números e sem nomes. Espera-se, no mínimo, que ninguém se refugie num certo entendimento de sigilo bancário para não revelar toda a informação necessária para um escrutínio cujos resultados deixem dúvidas. Seria insuportável para os contribuintes e, sobretudo, ingerível para o futuro do próprio Novo Banco.

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