Editorial

Bancos não são os maus da fita, mas é preciso mais

A pressão sobre a banca está a aumentar, agora, vinda até do Presidente da República, e não está a fazer tudo o que pode.

Quando no ambiente político aparecem muitos casos e casinhos estou habituado a que o foco passe para banqueiros, de repente, os bancos são os maus da fita, é fácil toda a gente apontar aos bancos”. A afirmação é de Miguel Maya, feita na apresentação de resultados em que o banco que lidera, o BCP, apresentou lucros de 215 milhões no primeiro trimestre deste ano. E tem razão, os bancos não podem ser, nem são, os maus da fita, mas, provavelmente, podem e devem fazer mais alguma coisa para limitar o impacto da subida dos juros e para aumentar a remuneração dos depósitos de quem tem poupança.

A notícia que é manchete do ECO é reveladora: Os principais bancos faturaram quase dois mil milhões de euros só com juros no primeiro trimestre do ano e vão a caminho de um novo ano histórico, após terem lucrado 920 milhões no primeiro trimestre. Mas já lá vamos. Primeiro, é necessária uma certa pedagogia sobre a forma como estes resultados devem ser lidos, ou melhor, às lentes que devem ser usadas na análise de lucros das empresas.

Ao contrário do que surge repetidamente na análise mediática, sobretudo política, não é correto uma avaliação dos lucros dos bancos em termos absolutos. Um lucro de 500 milhões de euros num exercício pode ser um excelente resultado ou um pobre resultado. O número, em termos absolutos, pode impressionar, mas o que conta, para os bancos como para outra qualquer empresa, é a rentabilidade destes lucros em percentagem dos capitais investidos. E aí, a banca portuguesa está ainda longe do brilho que deveria ter em comparação com a banca internacional ou mesmo com outros setores a operar em Portugal, e isso é um travão à captação de investimento. Caro leitor, prefere investir em ações de bancos (em Portugal, cotado, só o BCP) ou de uma empresa de energia? Adivinhe qual dos setores tem maior rentabilidade? Na resposta encontrará a razão para a importância de lucros dos bancos, permanentes ao longo do tempo, e sem bancos saudáveis, sólidos, com rácios de capital, isto é, com almofadas financeiras, confortáveis, não haverá economia que resista, como aliás sabemos de experiência própria.

Ao fim de mais de uma década, só agora a banca apresenta rentabilidades claramente acima dos 5% e em alguns casos próximo ou acima de 10%. Durante uma década, o que a banca andou a fazer foi a digerir maus créditos passados, que custaram muito dinheiro aos acionistas e, em alguns casos, obrigaram a intervenções públicas para proteger os depositantes (e não os acionistas) e a estabilidade do sistema.

A banca não ficou parada com os problemas previsíveis que resultariam do aumento dos juros do crédito à habitação, especialmente para as famílias mais vulneráveis, desde logo porque também não querem voltar a ter os chamados ativos tóxicos nos seus balanços. Não querem, e não podem porque o BCE e a EBA (Autoridade de Supervisão Europeia) não deixam. Mas já todos percebemos que serão necessárias mais medidas, e mais rapidamente do que aquilo que nos disseram há poucos meses. Primeiro foi o BCE e o Banco de Portugal a reconhecerem, implicitamente, que se atrasaram neste processo, depois veio o presidente da CGD, Paulo Macedo, dizer que estava a avaliar novas medidas, e agora é Miguel Maya a revelar sensibilidade e a admitir a possibilidade de novas medidas. Elas vão chegar, mas já deveriam ter chegado. E é preferível que sejam os bancos a fazê-lo, no contexto de mercado, a envolver outra vez o Governo, e o dinheiro dos contribuintes.

No financiamento, especialmente às empresas, a banca está a trabalhar com o princípio do risco mínimo, e isso é um problema. Neste momento, perante o aumento dos juros e a incerteza do que vem por aí — estão prometidas mais subidas nos próximos meses –, percebe-se que os projetos de investimento tenham abrandado, é preciso refazer contas e avaliar se a rentabilidade dos projetos suporta custos financeiros mais elevados (e cujo teto é incerto). Mesmo assim, entre a aversão ao risco da banca e os incentivos regulatórios, o chamado rácio de transformação da banca de depósitos em crédito está claramente abaixo do adequado, especialmente na CGD, o banco público.

Onde falta concorrência? Na remuneração dos depósitos. Estão a subir demasiado lentamente — porque a concorrência não é mesmo agressiva entre os cinco maiores bancos, porque os bancos estão a recuperar de prejuízos passados, porque têm muita liquidez e podem dar-se ao luxo de perderem milhares de milhões de depósitos para os certificados de aforro (que, by the way, estão a praticar remunerações igualmente fora de mercado, mas pelo excesso de generosidade, que é paga pelos contribuintes, por aqueles que têm poupança e por todos os que não têm).

Como o ECO revelou, se os bancos portugueses pagassem o mesmo que a banca da Zona Euro nos depósitos, as famílias e empresas portuguesas receberiam mais 1.200 milhões de euros pelas suas poupanças do que recebem atualmente, de acordo com os cálculos do ECO com base nas estatísticas do Banco Central Europeu (BCE). Alguma coisa tem de mudar, mesmo. Ora, estes números são, no mínimo, suficientes para questionar se a banca precisa mesmo de mais consolidação, como defendeu António Esteves, do fundo Fortitude, em declarações recentes ao Expresso (mais isso fica para outro Login).

O BCP, neste trimestre, foi o único dos grandes a não perder recursos, leia-se depósitos, mas o setor, como tem alertado o governador Mário Centeno, está a reagir de forma demasiado lenta à subida da remuneração dos depósitos dos portugueses, e isso é duplamente negativo: Estão obviamente a penalizar as poupanças e não estão a contribuir para a luta contra a inflação.

Tudo somado, Maya tem razão, a banca não é a má da fita, mas pode fazer mais qualquer coisa, pela economia e por si própria.

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