Bar aberto no Novo Banco

António Ramalho é talvez o melhor banqueiro da sua geração e está a fazer um bom trabalho no Novo Banco. Isto não é necessariamente bom para os cofres públicos.

António Ramalho é o banqueiro que mais faz lembrar Fernando Ulrich, o ‘enfant terrible’ da banca nacional. Creio que este é o melhor elogio que se possa fazer a um banqueiro em Portugal.

Tem um currículo na banca que já vem dos tempos do Banco Pinto Sotto Mayor e ganhou a admiração dos seus pares quando foi CFO do BCP. Ganhou muitos calos quando passou por empresas públicas difíceis como a Rave, a CP e a Estradas de Portugal, que ajudou a fundir com a Refer para criar a Infraestruturas de Portugal.

Tem ambição e gosta de desafios impossíveis: quis transformar a CP no melhor operador ferroviário da Península Ibérica. A 1 de agosto de 2016 recebeu o maior desafio da sua carreia: gerir um banco gigante e falido.

No Novo Banco a missão de Ramalho é tentar transformá-lo numa instituição solvente. Está no bom caminho. Para isso teve uma ajuda preciosa de um mecanismo chamado de “capital contingente” que foi negociado pelo Banco de Portugal com os norte-americanos do Lone Star que compraram 75% do Novo Banco.

Este mecanismo basicamente garante ao Novo Banco a possibilidade de vender uma carteira de ativos tóxicos com perdas e ser ressarcido em até 3,89 mil milhões de euros pelo Fundo de Resolução, com empréstimos feitos pelo Tesouro português.

Com este mecanismo, o Lone Star fez o negócio da China e o Banco de Portugal fez um negócio ruinoso para os cofres públicos: nacionalizou as perdas e privatizou os ganhos futuros do banco. Estes fundos americanos não entram nestes negócios para perder dinheiro.

Veja-se o caso dos norte-americanos da Apollo que pagaram 40 milhões ao Novo Banco e injetaram 150 milhões para ficar com a Tranquilidade e, quatro anos mais tarde, empacotaram a Tranquilidade na Seguradoras Unidas e venderam-na aos italianos da Generali por 600 milhões de euros.

Para tentar evitar que o Novo Banco caísse na tentação de vender os ativos ao desbarato, ficou estabelecido que as vendas dos ativos tóxicos poderiam ser feitas num período de oito anos, ou seja, até 2026. O problema é que, em apenas três anos, o Novo Banco já lá foi buscar 2.978 milhões, sobrando apenas 912 milhões que muito provavelmente serão reclamados em 2021 por conta dos resultados deste ano.

Não vai sobrar um cêntimo porque os incompetentes que desenharam este mecanismo não deram nenhum incentivo ao banco para que pudesse tentar maximizar o valor dos ativos problemáticos em carteira. Muito pelo contrário. Enquanto houver dinheiro público nesse mecanismo, o Novo Banco e o Lone Star vão continuar a rapar até ao último cêntimo. E quanto mais depressa melhor para os interesses do Lone Star cuja vocação não é gerir bancos, mas comprar barato e vender caro.

Esta ânsia de tentar antecipar prejuízos para que sejam cobertos por garantias públicas é tão caricata que o Novo Banco até pediu para abandonar o regime transitório da Norma Internacional de Relato Financeiro de Instrumentos Financeiros (a chamada IFRS9), abraçando já a sua total implementação, embora a tal só fosse obrigado em 2023. E porque este excesso de zelo? Porque, conta o Expresso, se o fizesse agora conseguiria imputar os custos ao mecanismo de garantias públicas. É por causa desta chico-espertice contabilística que Novo Banco e Fundo de Resolução esgrimem argumentos num tribunal arbitral.

Como se isto não fosse suficiente, no cheque de 1,037 mil milhões de euros que pediu ao Fundo de Resolução este ano para cobrir perdas de 2019, o Novo Banco aparentemente terá colocado “dois milhões de euros a mais” para cobrir uma provisão dos prémios e bónus que poderá ter de vir a pagar aos gestores do banco, entre os quais António Ramalho.

Ou seja, chegámos a uma situação patética em que o dinheiro dos contribuintes ia ser usado, não para cobrir perdas com a venda de ativos tóxicos mas para pagar prémios aos gestores. Seria o mecanismo de contingência a pagar um prémio a alguém por estar a esvaziar o mecanismo de contingência. Alguém no Fundo de Resolução teve o bom senso e a vergonha de não passar um cheque de 1,037 mil milhões pedido pelo Novo Banco, mas de “apenas” 1,035 mil milhões de euros.

António Ramalho merece o bónus porque está a fazer um bom trabalho no Novo Banco. Mas Ramalho não está a trabalhar para os interesses do Estado, está a trabalhar, e bem, no interesse dos norte-americanos que são os donos do banco que ele gere. Só é pena que, no Banco de Portugal ou no Governo, não tenha havido ninguém com a mesma competência de António Ramalho para desenhar um mecanismo de garantias públicas que não fosse uma espécie de bar aberto para os norte-americanos do Lone Star. E adivinhe quem vai pagar a conta? Adivinhou, caro leitor e contribuinte.

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