Consumidor português: exigente no discurso, pragmático na compra

  • Pedro Pimentel
  • 20 Outubro 2025

O consumidor é mais do que consumidor: é cidadão, é pessoa, e é nesse equilíbrio que se joga o futuro das marcas.

O consumidor português é mais do que consumidor: é uma pessoa, com múltiplos ‘fatos’ e múltiplas dimensões, que comunica intenções nobres, mas não deixa de decidir com elevado pragmatismo.

Ele mudou profundamente nos últimos anos e é hoje mais informado, mais exigente e mais vocal, utilizando o carrinho de compras como instrumento de cidadania e de intervenção social e ambiental. Questiona, comenta, partilha e pressiona as marcas. Mas esta faceta “ativista” convive com outra realidade: no momento da compra, continuam a prevalecer critérios como o preço, a promoção, a conveniência e a disponibilidade.

As marcas de fabricante têm enfrentado esta dualidade com um equilíbrio complexo. Por um lado, há uma procura clara por propósito, responsabilidade social e compromisso ambiental. Por outro, a crise inflacionista, a instabilidade geopolítica e o peso das despesas do quotidiano mantêm o preço como critério decisivo. Responder a esta tensão implica inovar sem perder competitividade, traduzir exigência em soluções acessíveis e reforçar confiança num mercado altamente sensível ao custo.

A sustentabilidade é um dos domínios onde mais se sente este ceticismo do consumidor. Se, em teoria, este exige produtos mais amigos do ambiente e mais justos socialmente, na prática desconfia de muitas alegações e receia práticas de greenwashing. As marcas sabem que a credibilidade só se conquista com transparência: dados verificáveis, certificações robustas, consistência entre discurso e prática. É neste ponto que se reforça a ideia de responsabilidade tripartida: empresas a inovar e a provar, Estado a regular e fiscalizar, consumidores com a literacia necessária para reconhecerem os esforços reais e fazerem escolhas consequentes.

O comportamento do consumidor português varia também ao longo da linha do tempo e dos espaços geracionais. A Geração Z e os Millennials são mais vocais e ativistas, mobilizando-se em torno de causas ambientais ou de diversidade. Já as gerações mais velhas são mais silenciosas e mantêm maior foco em conveniência, preço e confiança. No entanto, todas pressionam as marcas, de formas distintas: uns pela exigência de propósito, outros pela exigência de acessibilidade. A complexidade para as empresas está em responder a ambos vetores, construindo marcas relevantes para públicos muito diversos.

E se a pressão ativista se traduz por vezes em campanhas de boicote, o seu impacto real em Portugal tem sido relativamente limitado em termos de escala comercial. O que não significa irrelevância: estes movimentos são sinais reputacionais poderosos, que testam a agilidade e a consistência da resposta das marcas. A capacidade de comunicar com clareza, de assumir e corrigir falhas e de demonstrar compromisso é tão ou mais importante do que o impacto imediato nas vendas.

O digital amplificou exponencialmente esta relação. Redes sociais, programas de fidelização e análise de dados permitem às marcas ouvir o consumidor e monitorizar as suas reações em tempo real. Mas transformar essa informação em inovação concreta continua a ser um desafio. A verdadeira cocriação ainda não é prática generalizada em Portugal, mas começam a surgir experiências positivas. O grande obstáculo permanece o mesmo: conciliar a intenção declarada do consumidor, muitas vezes ativista, com o comportamento real de compra, mais pragmático e centrado no preço.

A ascensão da marca própria é outro fator relevante no mercado português. Ao crescer de forma consistente, a sua proposta simplificada coloca pressão adicional nas marcas de fabricante, obrigando-as a reforçar diferenciação, inovação, relevância e propósito. A resposta passa por construir valor de marca, confiança e autenticidade, mostrando ao consumidor que a sua escolha vai além da equação custo-benefício imediata. Esta concorrência é saudável, mas exige redobrada capacidade de inovação e de afirmação de identidade.

Comparando com padrões europeus, o consumidor português acompanha as tendências de maior exigência e ativismo, mas apresenta traços próprios: elevada sensibilidade ao preço, forte valorização de promoções e grande peso da conveniência. Esta especificidade condiciona a relação com as marcas e torna a transição para padrões de consumo mais sustentáveis menos rápida. Ainda assim, há sinais claros de convergência, sobretudo entre os mais jovens, que trazem consigo maior pressão por autenticidade e responsabilidade.

No curto-médio prazo, as marcas enfrentarão desafios ainda mais complexos: equilibrar exigência e preço, responder ao ceticismo face à sustentabilidade, lidar com a pressão da marca própria e adaptar-se às novas dinâmicas demográficas: envelhecimento, longevidade, imigração. Mas também terão oportunidades únicas: diferenciar-se através da inovação, consolidar confiança com transparência e transformar propósito em fator de competitividade.

Mas continuamos a acreditar que o futuro do grande consumo em Portugal dependerá da capacidade de reconhecer a dualidade do novo consumidor: ativista nas intenções, pragmático nas escolhas. Só entendendo esta tensão será possível construir marcas fortes, relevantes e competitivas, capazes de transformar o ativismo declarado e o pragmatismo da compra numa equação positiva para o consumidor, para as empresas, para o Estado e para a sociedade. O consumidor é mais do que consumidor: é cidadão, é pessoa, e é nesse equilíbrio que se joga o futuro das marcas.

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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