Contribuição de Solidariedade Temporária

Destacamos as boas notícias: o fenómeno inflacionista está centralizado num único setor e esta tributação adicional será suscetível de resolver o tal fenómeno inflacionista.

Por entre os pingos da quadra natalícia e de uma remodelação governativa, foi promulgada e publicada a Lei n.º 24-B/2022, de 30 de dezembro, para regulamentar as Contribuições de Solidariedade Temporária (CST) sobre as empresas dos setores da energia e da distribuição alimentar.

Em traços gerais, vem criar uma taxa extraordinária e temporária de 33%, aplicada sobre o lucro excedentário dos exercícios de 2022 e 2023. Para este efeito, lucro excedentário consiste no lucro tributável das empresas que exceda em 20% da média do lucro tributável dos últimos 4 anos (i.e., entre 2018 e 2021).

Relativamente ao setor da Energia, a CST incidirá sobre os lucros excedentários das empresas com atividade nos setores do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinaria.

Quanto ao setor da distribuição alimentar, a CST incidirá sobre os lucros excedentários das empresas que desenvolvam a sua atividade, a título principal, no comércio de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados. Ainda para o setor da distribuição alimentar, o diploma estabelece isenções e exclusões: isenta de CST as empresas cuja atividade de comércio a retalho ou com predominância de produtos alimentares não represente mais de 25% do volume de negócios anual; e exclui de CST as micros ou pequenas empresas, exceto se estiver sujeita a tributação em IRC ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

A CST deverá ser autoliquidada pelos sujeitos passivos até ao dia 20 do nono mês seguinte à data do fim do exercício seguinte àquele a que respeita. E o pagamento deverá ser realizado até ao último dia desse mesmo mês. No caso das empresas tributadas nos termos do RETGS, a determinação do lucro tributável para efeitos de aplicação da CST é efetuada individualmente em relação a cada um dos sujeitos passivos do grupo. Por fim, e à semelhança das contribuições (eternizadas) sobre os setores da banca, energia e farmacêutico, a CST também não será dedutível para determinação do lucro tributável em IRC.

Diriam os otimistas (e/ou os mais distraídos) que esta regulamentação portuguesa limitar-se-ia a regular a CST criada pelo Regulamento (UE) 2022/1854. Note-se que o objetivo da Comissão Europeia consiste numa intervenção de emergência para fazer face aos elevados preços da energia, sendo que, entre um vasto rol de medidas, encontra-se a CST aplicada às empresas do setor energético.

Concorde-se ou não com os windfall taxes, a verdade é que a opção legislativa da Comissão Europeia está devidamente sustentada no preâmbulo do Regulamento Europeu.

Ora, se é apanágio da legislação europeia uma explanação consistente das suas opções legislativas, não raras vezes o legislador português opta por se esquecer dessa mesma explanação. Parece ser esse o caso da Lei n.º 24-B/2022, a qual visando regulamentar a CST sobre o setor energético, dedica uma CST à distribuição alimentar , realizando uma “intervenção de emergência para fazer face ao fenómeno inflacionista”.

Destacamos as boas notícias: o fenómeno inflacionista está centralizado num único setor e esta tributação adicional será suscetível de resolver o tal fenómeno inflacionista. Ironias à parte, o presente diploma parece maltratar o mérito da gestão das empresas e princípios constitucionais, desde logo o da igualdade.

O lucro, numa versão simplista, é apurado pela subtração aos proveitos de um determinado período dos custos suportados nesse mesmo período. Significa isto que, se uma empresa reduzir os seus custos, mesmo que não tenha um aumento dos proveitos, terá consequentemente um lucro superior. Portanto, um administrador que tenha sido capaz de reduzir custos e de manter (ou aumentar ainda que ligeiramente) os seus proveitos, poderá ser premiado com uma tributação adicional sobre a empresa que gere. Note-se também que o lucro pode aumentar por força de políticas de investimento das empresas. Por exemplo, uma empresa que expanda a sua rede de lojas poderá ver o seu lucro aumentar, sem que isso decorra de qualquer fenómeno inflacionista. Podem ser excedentários os lucros resultantes de uma boa gestão? E, se sim, devem estes ser penalizados?

Sobre os princípios constitucionais, fica por esclarecer, por exemplo, os motivos que fazem centralizar apenas no setor da distribuição alimentar o fenómeno da inflação. De igual modo, também não é claro o motivo pelo qual uma micro ou pequena empresa abrangida num RETGS está sujeita a CST, quando a determinação do lucro tributável para efeitos de aplicação da CST é efetuada individualmente em relação a cada uma das empresas do grupo.

Impõe o Código Civil que o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Lendo e relendo este novo diploma, aceitar tal presunção é uma missão hercúlea.

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