Enquanto o ouro brilha, o dólar enfraquece: o ‘debasement trade’ ganha força

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 17 Outubro 2025

Valorização de 65% do ouro em 2025 reflete perda de confiança nas moedas fiduciárias e nas políticas expansionistas. Investidores veem no metal um refúgio face à erosão do poder de compra do dólar.

Em 2025, o ouro valoriza cerca de 65%, superando os 4.250 dólares por onça troy, impulsionado por uma conjugação de fatores económicos e geopolíticos. Um dos principais motores deste movimento é a mudança de paradigma nas reservas internacionais, ditada pelo congelamento dos ativos russos ocidentais após a invasão da Ucrânia em 2022. Economias emergentes, sobretudo a China, têm reforçado as compras de ouro para diversificar ativos e reduzir a dependência do dólar, mitigando o risco de novas sanções. As expectativas de descidas das taxas de juro pela Reserva Federal norte-americana também favorecem o metal amarelo, ao reduzirem o custo de oportunidade de o deter.

A paralisação do governo dos EUA, a crise política em França e outras incertezas globais aumentam ainda mais a procura por refúgios seguros. Apesar de o acordo de paz entre Israel e o Hamas trazer algum alívio, o contexto de instabilidade mantém o apetite pelo ouro. Ao contrário das moedas fiduciárias, cuja emissão pode ser ilimitada, a produção de ouro é relativamente previsível. Assim, embora os índices acionistas atinjam máximos nominais (em dólares), quando cotado em ouro o S&P 500 desvaloriza mais de 25% em 2025.

Este movimento não passou despercebido aos grandes nomes de Wall Street. Investidores de referência, como Ken Griffin e Ray Dalio, veem na escalada do ouro um reflexo direto da perda de confiança nas moedas fiduciárias e das políticas económicas que, no seu entender, estão a alimentar um ambiente pró-inflacionista.

Ken Griffin, fundador e diretor executivo da Citadel, uma das maiores gestoras de fundos de investimento e empresas de trading do mundo, manifestou preocupação com a crescente perceção do ouro como um ativo mais seguro do que o dólar norte-americano. São cada vez mais os investidores a direcionarem as suas carteiras para o ouro, como forma de proteção face ao risco soberano dos EUA. Griffin acrescentou que a atual política de imigração, bem como as políticas fiscal e monetária, parecem fomentar um “ambiente muito pró-inflacionista”. A nova política de imigração da administração Trump, ao restringir a entrada de trabalhadores estrangeiros, poderá aumentar os custos de produção, uma vez que estes são frequentemente substituídos por mão de obra local mais cara. Caso não haja substituição, a redução da oferta de trabalho levará a uma menor disponibilidade de bens e serviços, pressionando ainda mais os preços. Esta dinâmica, combinada com uma política fiscal expansionista — refletida em défices orçamentais superiores a 6% — e uma política monetária acomodatícia, corroborada pelo recente corte das taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA a 17 de setembro e pelos dois cortes adicionais de 25 pontos base esperados para 29 de outubro e 10 de dezembro, contribui para uma maior liquidez na economia e, consequentemente, para o aumento da inflação.

Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, partilha da visão de Ken Griffin, ao considerar igualmente o ouro um ativo mais seguro do que o dólar norte-americano. O investidor compara a recente valorização do metal amarelo com o aumento das cotações na década de 1970, período marcado por elevada inflação e instabilidade económica (fim do sistema de Bretton Woods, choques petrolíferos e estagflação). Dalio afirmou que o ouro é um excelente ativo na diversificação de uma carteira, sugerindo que uma alocação ideal rondaria os 15% de uma carteira de investimento. O Bank of America assinala que, entre os profissionais de Wall Street, a exposição média ao ouro continua relativamente baixa, cerca de 2,4%. Para o gestor, o principal metal precioso global funciona como uma reserva de valor sólida num contexto de aumento da dívida pública, tensões geopolíticas e perda de confiança nas moedas fiduciárias nacionais.

O CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, também corroborou a tendência de crescente transferência de capital de ativos de risco para o ouro.

A crescente desconfiança nas moedas fiduciárias, em particular no dólar norte-americano, tem levado muitos investidores a procurar alternativas capazes de preservar valor. É neste contexto que surge o chamado “debasement trade” — uma aposta de que o aumento do endividamento público e a expansão monetária acabarão por corroer o poder de compra do dólar. Perante essa expectativa, o capital tem vindo a deslocar-se para ativos como o ouro, as criptomoedas, as ações e o imobiliário, considerados refúgios contra a crescente desvalorização monetária.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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