Está uma nova crise financeira a fermentar?

Toda uma indústria cresceu no ângulo morto da regulação. Com a avaliação dos ativos claramente esticada, a probabilidade de um acidente é elevada.

“Quando se vê uma barata, é provável que haja mais”. A frase foi usada esta semana por Jamie Dimon, CEO do gigante norte-americano JPMorgan, a propósito da recente falência da First Brands, uma fabricante de peças de automóvel, e da Tricolor, uma empresa de crédito automóvel de elevado risco (lembra-se do suprime?).

Os dois casos, embora de dimensão relativamente reduzida, trouxeram de volta velhos e novos receios sobre a saúde do sistema financeiro. Um deles tem a ver com a proliferação de entidades não-bancárias, como hedge funds, fundos de capital privado, fundos de investimento e pensões, bancos de investimento e toda uma panóplia de veículos financeiros que atuam como bancos (concedendo empréstimos, por exemplo) mas que não estão sujeitos à vigilância e apertadas exigências regulatórias dos bancos.

Segundo dados do FMI, estes não-bancos já detêm 50% dos ativos financeiros a nível mundial, dando um salto face aos 43% de quota que tinham na última crise financeira global, em 2008.

A regulação representa um custo elevado para os bancos, que aumentou substancialmente com as exigências ditadas pela grande crise de 2008. Quem não está sujeito a elas consegue retornos melhores para o capital, o que contribuiu para explicar porque têm conseguido atrair níveis elevados de investimento.

É indiscutível que estas entidades não-bancárias têm contribuído para um crescimento na concessão de crédito a empresas, famílias e Estados, ajudando a reduzir as taxas de juro. Só que os riscos que colocam estão também a aumentar.

Um estudo divulgado pela consultora McKinsey conclui que o grau de concentração do investimento nos maiores fundos atingiu, em 2024, o nível mais elevado numa década, tornando estas entidades “grandes demais para falir”, como alertou na quarta-feira Dominique Laboureix, presidente do Conselho Único de Resolução, entidade que nasceu das cinzas da crise financeira.

O Relatório de Estabilidade Financeira Global do FMI, publicado na terça-feira, assinala outro risco: a crescente interdependência entre bancos e não-bancos, com os segundos a dependerem cada vez mais dos primeiros para o seu financiamento. A exposição é já elevada: em média estas entidades parabancárias já representam 9% do total de empréstimos dos bancos nos EUA e Europa, num total de 4,5 biliões de dólares.

O que significa que um problema a jusante tem impacto a montante. O JPMorgan teve de reconhecer uma perda de 170 milhões de dólares com a falência da Tricolor. É uma quantia pequena para o gigante norte-americano, mas e se for uma entidade muito maior a colapsar?

Outra preocupação do FMI é que estas entidades não-bancárias detêm uma quantidade crescente de obrigações de dívida pública. Uma venda acelerada, em caso de stress financeiro, levaria a uma subida acentuada das taxas de juro, encarecendo o custo de financiamento de toda a economia e precipitando uma crise económica.

O longo período de bonança, interrompido apenas pela pandemia, criou uma complacência em relação ao acumular destes riscos. Toda uma indústria cresceu no ângulo morto da regulação. Com a avaliação dos ativos claramente esticada, a probabilidade de um acidente é elevada.

O FMI defende que é necessário aumentar as obrigações de informação dos não-bancos, ter maior visibilidade sobre os seus balanços e a interconexão com o sistema bancário, e adotar uma regulação mais eficiente.

O mantra vigente é o da desregulação, mas como alerta Laboureix, “o custo da inação será significativo. Cedo ou tarde, um destes agentes irá falir, com consequências terríveis para a estabilidade financeira“.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há muito mais para ler. Pode subscrever neste link.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Está uma nova crise financeira a fermentar?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião