Europa em três frentes

A Europa revolve os obstáculos pela persistência da inércia. Quando os acontecimentos aceleram o ritmo da História, fica bloqueada na complexidade dos compromissos.

Eis o dilema da Europa — demasiado grande para ser um aglomerado de nações; demasiado pequena para ser uma união de nações. Entre a união e a divisão, a Europa revolve os obstáculos pela persistência da inércia. Quando os acontecimentos aceleram o ritmo da História, como nos dias de hoje, a Europa fica bloqueada na complexidade dos compromissos. França, Itália, Grã-Bretanha, a ideia de Europa pulverizada em três frentes tão exclusivas como explosivas. Mas em Bruxelas compra-se chocolates na Grand Place.

Paris. Por entre os símbolos anarquistas e as Cruzes de Lorraine, respira-se o ar de uma revolta que pode ser uma crise da Quinta República. Os gilets jaunes exigem a abolição do Senado, a dissolução da Assembleia Nacional e a demissão do Presidente Macron. O Presidente que nunca acreditou numa palavra daquilo que prometeu fica agora surpreendido pelo facto dos franceses terem acreditado no seu discurso. Perante uma revolta sem líderes e sem rosto, apenas o rosto anónimo da França, Macron hesita perante o velho dilema francês – o espírito de Voltaire não cabe na Bastilha. O Presidente recolhe-se, recua, cede nas reivindicações e arrasta pelos boulevard a pouca autoridade que pretende guardar. A Jacquerie reivindica tudo e o seu contrário, sobretudo um “mundo melhor”, a restituição da dignidade a todos os que ficaram para trás, sem partidos políticos, sem divisões de classe, sem partições geográficas. A separação entre as instituições e os cidadãos parece nunca ter sido maior e continua a aumentar a cada dia e a cada confronto com o CRS.

Onde estavam tantos franceses, de onde vem esta “maioria silenciosa”? Nas últimas Presidenciais 20 milhões votaram Macron; 10 milhões votaram Le Pen; 12 milhões abrigaram-se na abstenção. Parece óbvio que aqueles que se sentem excluídos se juntem a todos os desiludidos e invadam Paris com o protesto e a violência. Há qualquer coisa de De Gaulle no céu de Paris. Sublinhe-se que Macron adicionou uma Cruz de Lorraine ao emblema do Eliseu. Mas ao contrário de De Gaulle, Macron não consegue falar em nome da França. E sem a força da palavra da nação, a França não pode aspirar à liderança moral e política da Europa. Se Macron pretende ser o símbolo de uma Europa do progresso e da liberdade, a fraqueza interna do Presidente abre as portas políticas aos populismos de Le Pen e Mélenchon. Afinal a França é a pátria do velho despotismo decorado de epigramas.

Roma. Com o Orçamento de Estado, o desafio de Itália enviado para a Europa tornou-se uma luz inspiradora para todos os movimentos populistas que não pretendem sair da União, mas que, pelo contrário, se propõem a tomar de assalto o poder em Bruxelas através do domínio do Parlamento Europeu. Com eleições marcadas para Maio, a estratégia “entrista” visa o congelamento da política de aprofundamento da União em função do restabelecimento da soberania do Estado-Nação. Neste sentido, Roma é a antítese de Paris, expondo a fractura irreconciliável entre dois movimentos contrários.

Apesar das ameaças de Bruxelas, o Orçamento mantém-se, apenas com a correcção de “um ponto decimal” no número do défice proposto, de 2.4 para 2.3%. O problema de Itália é o dilema entre uma nação que funciona de modo informal e um Governo que falha de modo formal. Este vazio económico e político é agravado com a integração na Zona Euro. Com uma dívida pública a rondar os 2.3 triliões de euros, cerca de 131% do PIB, da qual 2/3 está dispersa pelos italianos, com o serviço da dívida a tocar os 70 mil milhões de euros por ano, com 15% da dívida soberana na mão do Banco Central Europeu, com os bancos estrangeiros a dispersar dívida italiana e os bancos italianos repletos de títulos de dívida soberana, sugados numa espécie de “doom loop”, reflectindo-se a situação no valor das acções destes bancos, e com a perspectiva do Banco Central Europeu deixar de intervir no mercado, a receita para o desastre parece aproximar-se em movimento acelerado. O confronto entre populistas italianos e “imperialistas europeus” pode redundar no colapso da Zona Euro. Mas que importa se o Presidente da Comissão janta com o Primeiro-Ministro de Itália e a única declaração relevante resume-se a uma frase – “Ti amo Italia”.

Londres. Theresa May no Parlamento de Westminster mais parece a Alice no chá organizado pelo Chapeleiro Louco. Três derrotas numa tarde parlamentar é feito para a História. Um Acordo e uma Declaração Política que prolongam indefinidamente uma situação de transição é um típico exercício da persistência da inércia. A Europa foi incapaz de uma solução equilibrada que preservasse o “acquis communautaire” de uma relação histórica longa, profunda, complexa. Mas não. Perante a incompetência e a impreparação Britânica, a Europa optou por uma variação do Tratado de Versailles em versão Brexit.

A desintelingência resulta no caos que percorre as bancadas de Westminster e onde o fim do princípio do Brexit haverá de começar. Nada está definido. Com o futuro aberto à incerteza e à contingência do caos, tanto poderá haver acordo, como um Hard Brexit, ou uma solução Norway Plus, ou um prolongamento do Artigo 50, ou a demissão do Primeiro-Ministro, com eleições antecipadas, e um novo Governo Trabalhista, ou um novo Governo de União Nacional, ou o recuo relativamente à saída da Grã-Bretanha pela revogação da carta que activa o artigo 50, ou um novo Referendo agora com três perguntas, ou até o adiamento da votação para consultas em Bruxelas. Um grande estadista é alguém que sabe trabalhar para objectivos de longo prazo que se adequam a situações ainda imprevistas. Esta é a situação do Brexit. Esta é a vergonha de Londres que haverá de manchar a reputação de Bruxelas por várias gerações.

O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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