Evitando a manada: Como os vieses prejudicam os investimentos em startups
O venture capital atual exige coragem. Equilibrar avaliação disciplinada com pensamento crítico e independente
- Esta opinião resulta de uma parceria do ECO com a Católica-Lisbon com vista a publicação regular de artigos de opinião sobre empreendedorismo.
A ideia de venture capital (VC) remonta a 1492, quando a família real espanhola financiou a expedição de Cristóvão Colombo. Essa primeira jornada através do Atlântico assemelha-se surpreendentemente ao VC moderno: arriscada, incerta, mas potencialmente revolucionária. Hoje, como então, as decisões de investimento podem ser profundamente influenciadas por vieses cognitivos. Mas quais são e quão prevalentes são esses vieses? E, mais importante: como podem os VCs de hoje evitar estes vieses?
O que os VCs fazem (e porque é que isso importa)
O venture capital, na sua essência, trata de investimentos arriscados em start-ups inovadoras, com o objetivo de alcançar retornos acima da média. A due diligence — ou seja, a avaliação minuciosa do potencial da start-up — é a base destas decisões. Estudos pioneiros na área estruturaram esse processo em cinco etapas: origem do negócio, triagem, avaliação, estruturação e acompanhamento. De forma complementar, pode considerar-se um modelo integrado com três fases: pré-investimento, gestão e saída — destacando a natureza contínua e iterativa da due diligence.
O investimento de risco bem-sucedido assenta fortemente na avaliação de quatro áreas principais:
- Requisitos do VC: critérios claros como setor, rentabilidade e potencial de saída;
- Equipa de Gestão: experiência e capacidade para lidar com start-ups influenciam diretamente a perceção de risco;
- Ambiente Económico: dimensão do mercado, crescimento e resiliência são fatores críticos para uma rentabilidade sustentável; e
- Produto e Proposta Única de Valor (USP): diferenciação e propriedade intelectual ampliam a vantagem competitiva.
Ainda assim, apesar do rigor aparente, os investidores nem sempre são tão objetivos quanto julgam ser.
Quando o juízo falha
O nosso estudo, que combinou dados qualitativos de 10 profissionais de VCs experientes e um inquérito a 303 participantes, identificou cinco vieses cognitivos que limitam fortemente a tomada de decisão.
- Primeira impressão foi o mais citado: 49% dos inquiridos admitem basear as decisões na impressão inicial causada pelos fundadores. O carisma frequentemente sobrepõe-se à substância, afastando projetos viáveis, mas menos cativantes, à primeira vista.
- Excesso de confiança surgiu em segundo lugar, influenciando 21% das decisões. Os investidores tendem a sobrestimar a sua capacidade preditiva com base em sucessos passados, ignorando por vezes riscos críticos. Embora a confiança seja essencial, o otimismo excessivo pode cegar perante sinais claros de alerta.
- Feedback tardio também se revelou significativo: com prazos de retorno entre cinco e oito anos, 13% dos inquiridos apontaram a demora no retorno de informação como fator altamente influente — dificultando aprendizagens rápidas e eventuais correções de rota.
- Conexões sociais pesam de forma notória. Investimentos originados por “cold introductions” (sem indicação prévia) são frequentemente descartados: 13,5% dos inquiridos afirmaram rejeitar totalmente essas abordagens, enfatizando a importância da ligação à rede e o risco de perder oportunidades pela sua ausência.
- Comportamento de manada: 27% disseram ser influenciados quando outros fundos de renome já haviam investido. Em mercados aquecidos — como em 2021, quando “cash was free” — este comportamento intensifica-se, gerando um medo generalizado de ficar de fora (“fear-of-missing-out”, FOMO), que leva a decisões apressadas e superficiais. O resultado? Avaliações inflacionadas, investimentos malsucedidos e menor diversidade no portfólio. Importa, contudo, salientar que o comportamento de manada nem sempre é negativo. Em alguns casos, pode direcionar capital para setores negligenciados ou, do ponto de vista dos fundadores, gerar um overfunding benéfico. Mas para o investidor, é preciso cautela: entrar tardiamente numa ronda pode aumentar substancialmente o risco de perdas.
Estratégias práticas para superar os vieses
Os investidores experientes combatem estes vieses através de práticas estruturadas e consistentes. Protocolos claros de due diligence com critérios transparentes reduzem decisões impulsivas. Avaliações colaborativas — envolvendo pelo menos dois analistas — ajudam a neutralizar pontos cegos individuais, como o carisma ou a confiança exagerada, garantindo maior neutralidade e equilíbrio. O alinhamento de incentivos é também relevante: quando os analistas investem parte do seu próprio capital nos negócios que recomendam, o nível de responsabilidade e profundidade analítica aumenta, reduzindo comportamentos oportunistas e reativos.
No entanto, os métodos estruturados não são suficientes por si só — não se trata apenas de cumprir checklists, mas de adotar uma filosofia de investimento com maior profundidade. Os fundadores de empresas que redefinem mercados raramente se enquadram em modelos padronizados; são, por natureza, outliers. Para gerar retornos excecionais, é necessário abraçar o não convencional. Os grandes investidores não avaliam de forma diferente — eles pensam de forma diferente. Alguns, como a Benchmark, valorizam debates abertos e decisões baseadas em convicção coletiva. Outros, como a Accel, recorrem a modelos matemáticos para desafiar a intuição. Não existe um único caminho para o sucesso, mas há um traço comum nos melhores fundos: eles tentam a todo o custo evitar os vieses no processo de decisão.
Reconhecer os vieses não basta — é preciso enfrentá-los deliberadamente. Avaliações estruturadas, baseadas em equipas, e o alinhamento de incentivos são estratégias comprovadas para neutralizar com eficácia estes enviesamentos.
A história ilustra isso de maneira clara: Cristóvão Colombo não seguiu a maioria, criou um caminho. E a rainha Isabel assumiu um risco ousado ao apoiar a sua jornada, mesmo quando mais ninguém o fez. O venture capital atual exige a mesma coragem: equilibrar avaliação disciplinada com pensamento crítico e independente. Investir bem não é seguir tendências — é identificar o que poucos conseguem ver. Como resume Andy Rachleff: “Estar certo não basta. Para vencer de verdade, é preciso que a sua decisão de investimento seja não consensual”. A mensagem é clara: para alcançar sucesso sustentável, pensar por conta própria não é apenas recomendável — é essencial.
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