Handling aeroportuário em Portugal: transposição da diretiva corrigida?
O handling em Portugal poderá, em breve e pela primeira vez, competir em igualdade e transparência, tal como a diretiva sempre pretendeu.
A Diretiva 96/67/CE de 15 de Outubro de 1996 sobre assistência em escala (ground handling) nos aeroportos comunitários nasceu de um diagnóstico claro: tarifas excessivas, serviços ineficientes e uma opacidade financeira generalizada, em particular relativamente aos prestadores de serviços pertencentes às companhias aéreas dominantes ou às entidades aeroportuárias. O objetivo do Conselho Europeu era simples: promover concorrência, eficiência e transparência num setor operacional essencial ao transporte aéreo europeu. Para tal, e em termos simplificados, esta diretiva impôs a existência de pelo menos dois operadores em cada aeroporto europeu com mais de dois milhões de passageiros por ano, determinando ainda que apenas UM desses operadores poderia ser controlado pela companhia aérea dominante OU pela entidade gestora do aeroporto. A ideia subjacente era a de separar funções e evitar a captura do mercado por interesses instalados.
Em Portugal, onde o handling era então integralmente público, a transposição assumiu contornos originais e problemáticos. Criou-se um operador de assistência em escala, a Portway, detida a 100% pela ANA – Aeroportos de Portugal que era, na altura, uma empresa pública do Estado. A outra incumbente, a TAP Handling, foi transformada numa nova empresa – a Serviços Portugueses de Handling (SPdH) – da qual se alienou 50,1% a um outro acionista que mudou três vezes para garantir que esta empresa não seria considerada “detida” pela transportadora dominante, ignorando-se com isto que uma minoria de 49,9% pode, na prática, exercer o controlo efetivo de uma sociedade, sobretudo quando existe dependência económica e afinidade estrutural entre as partes. Uma leitura restritiva da diretiva bastou para que, na prática, pouco ou nada tenha mudado no panorama do handling aeroportuário em Portugal: as únicas empresas autorizadas a prestar assistência nas categorias restritas continuaram a pertencer ou a ser controladas pelo Estado, ele próprio dono da companhia aérea dominante e das infraestruturas. O resultado altamente protecionista desta transposição portuguesa única no espaço europeu, sente-se até hoje. A ANA, hoje integrada no grupo Vinci, herdou um negócio de tal forma alheio à sua vocação que nunca o expandiu para outros aeroportos da sua vasta rede; já a TAP ficou juridica e comercialmente amarrada a uma empresa que não necessita e que existia sobretudo para cumprir uma ficção de concorrência exigida pela diretiva europeia. Durante a pandemia, a natureza do verdadeiro vínculo entre a TAP e a Groundforce (SPdH) tornou-se evidente quando o plano de nacionalização do então ministro das infraestruturas, Pedro Nuno Santos, esbarrou com os mínimos exigidos por esta diretiva, o que obrigou a TAP, ela própria em reestruturação e sustentada com dinheiros públicos, a comprar o equipamento da Groundforce para depois o alugar de volta à mesma. Quase três décadas depois da diretiva, a realidade do concurso público que retirou a licença à Menzies (Groundforce/SPdH) parece querer corrigir toda esta engenharia político-legislativa de então.
A TAP, enquanto cliente, poderá no futuro escolher livremente o operador que melhor sirva os seus interesses e pode ponderar fazer o seu próprio handling, sobretudo em Lisboa, sem estar condicionada à sua posição de acionista de uma empresa do ramo. A ANA Vinci acabará, previsivelmente, por vender a Portway, libertando-se de um negócio que nunca foi seu. Já a Menzies, recém-chegada a Portugal e que entrará certamente em litígio pela perda de licença, o caso poderá não terminar aqui. A empresa já demonstrou noutras geografias estar disposta a recorrer até ao limite, tal como aconteceu na Namíbia, em 2023, em que apenas saiu do aeroporto de Windhoek por execução de sentença judicial com ordem de despejo levando ao encerramento do aeroporto da capital durante 24 horas.
Ainda assim, o handling em Portugal poderá, em breve e pela primeira vez, competir em igualdade e transparência, tal como a diretiva sempre pretendeu.
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