IFIC: A escolha entre dependência digital e soberania tecnológica

  • Henrique Necho
  • 13 Outubro 2025

O novo instrumento de 100 milhões de euros do PRR pode definir o rumo da inteligência artificial (IA) em Portugal, entre ser consumidor de tecnologia estrangeira ou criador de soluções soberanas.

Com a recente apresentação em Bruxelas da nova Apply AI Strategy da Comissão Europeia, Portugal tem agora uma oportunidade de alinhar a sua política industrial com a agenda europeia da soberania digital.

No dia 30 de setembro, foi lançado o Instrumento Financeiro para a Inovação e Competitividade (IFIC), uma linha de 100 milhões de euros do PRR, gerida pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal e pelo Banco Português de Fomento.

Entre as três linhas de apoio, destaca-se a Linha IA para PME, orientada para a adoção de soluções de inteligência artificial pelas empresas portuguesas.

À primeira vista, pode parecer apenas mais uma medida de incentivo à inovação. Mas é muito mais do que isso.

Este programa marca um momento histórico para a soberania digital de Portugal. As escolhas feitas nas próximas semanas determinarão se o país será apenas consumidor de tecnologia estrangeira, dependente de plataformas e clouds norte-americanas, ou criador de soluções próprias, com talento e infraestrutura nacional.

A Europa acelera, Portugal tem de decidir

O contexto é claro: os Estados Unidos avançam com o Projeto Stargate, um investimento de 500 mil milhões de dólares em inteligência artificial (IA). A China aposta em modelos próprios, como o DeepSeek R1. A França lançou o Mistral, a Suíça o Apertus, e os Emirados Árabes Unidos o Falcon.

Todos perceberam que a soberania tecnológica será a variável que vai definir o poder económico na próxima década.

A União Europeia, por sua vez, apresentou esta semana, em Bruxelas, a nova Apply AI Strategy, que pretende acelerar a aplicação da IA em todos os sectores da economia europeia. O desafio é ambicioso: fazer da Europa um território onde a inovação e a confiança possam coexistir.

O que está em jogo

O risco é que Portugal repita erros do passado.

Se as PME portuguesas dependerem exclusivamente de modelos LLM (Large Language Models) estrangeiros, como o ChatGPT, o Copilot ou o Gemini, os seus dados empresariais e pessoais sairão do país, muitas vezes para servidores sujeitos a legislação extracomunitária, como o CLOUD Act americano.

Mais preocupante ainda: esses sistemas públicos em cloud são vulneráveis a técnicas de LLM hacking, como o prompt injection, que permite a exfiltração de informação confidencial sem que haja qualquer ataque tradicional. A OWASP já classificou este tipo de vulnerabilidade como o risco número um em sistemas IA para 2025.

Por isso, financiar com dinheiro público soluções cloud estrangeiras, sem controlo nem mitigação, não é inovação – é um risco estratégico.

O exemplo que já existe

Portugal tem uma alternativa viável e madura: o projeto Amália, um modelo de linguagem em português europeu, com 9 mil milhões de parâmetros, desenvolvido por uma equipa nacional de cerca de 60 investigadores. O modelo foi entregue à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pode ser utilizado em ambientes on-premises, ou seja, em servidores próprios, sem que dados sensíveis saiam da infraestrutura das empresas.

Trata-se de uma base tecnológica que pode democratizar a IA em português, reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros e criar capacidade de desenvolvimento interno.

Sem conhecer em detalhe as equipas de desenvolvimento, é inegável que este tipo de projetos é estratégico para o país.

O potencial económico da IA nas PME

Os números internacionais são consistentes. Segundo estudos da Comissão Europeia, OCDE, McKinsey, BCG ou PwC, as PME que investem em inteligência artificial registam:

  • +15 a 25% de produtividade no primeiro ano;
  • 2 a 3 novos empregos qualificados (analistas, engenheiros, técnicos de dados);
  • e um retorno económico de 3 a 5 vezes o investimento inicial.

Na prática, um investimento de 100 mil euros em IA pode gerar entre 300 e 500 mil euros por ano em ganhos diretos e indiretos. E tudo isto sem cortar postos de trabalho. Pelo contrário, libertando tempo humano para tarefas de maior valor.

Dois futuros possíveis

O Futuro A é o da dependência.

Mil PME candidatam-se ao IFIC para subscrever plataformas estrangeiras em cloud. Os dados são processados fora da Europa, o conhecimento técnico não fica em Portugal e, no fim, o país paga subscrições perpétuas a multinacionais.

O Futuro B é o da soberania.

Centenas de PME podem usar o apoio do IFIC para criar laboratórios internos de IA, baseados em modelos open-source e servidores próprios. Contratam engenheiros portugueses, desenvolvem soluções ajustadas aos seus sectores e mantêm o controlo total sobre os seus dados e sistemas, construindo assim um ecossistema tecnológico nacional robusto, competitivo e exportável.

Como diz o provérbio, não basta dar o peixe – é preciso ensinar a pescar. No caso português, não basta usar IA; é preciso aprendê-la e desenvolvê-la.

Conclusão

O IFIC não é apenas um instrumento financeiro. É uma escolha estratégica sobre o futuro digital de Portugal.

Temos até 31 de outubro para decidir que caminho seguir: continuar dependentes de tecnologias estrangeiras ou construir um ativo digital soberano, capaz de colocar o país na linha da frente da transformação tecnológica europeia.

A soberania digital não se discute. Constrói-se!

E o momento de o fazer é agora.

  • Henrique Necho
  • CEO da Necho Techlaw e membro do Comité Técnico Português de Inteligência Artificial

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