O caso de sucesso do regime fiscal da reabilitação urbana

Quando efetuada estrategicamente, a criação de incentivos fiscais proporciona desenvolvimento económico e receita fiscal acrescida no futuro.

O regime fiscal da reabilitação urbana é um exemplo de como a política fiscal pode ser um fator de competitividade e de sucesso económico, que a todos beneficia.

Por duas razões. A primeira é pela amplitude dos benefícios fiscais que a lei portuguesa estabelece atualmente. A segunda é pelo caráter estratégico com que esta matéria foi encarada pelos diversos governos.

Quanto à primeira razão, desde 2008 e até 2020, Portugal prescindiu de tributar os lucros gerados pelos fundos de investimento que se dediquem à reabilitação de prédios urbanos.

Do mesmo modo, os investidores nesses fundos são tributados apenas a uma taxa de 10% de IRS ou IRC, pelos rendimentos auferidos, incluindo pelas mais-valias resultantes da alienação das unidades de participação e pelo seu resgate.

Quando a reabilitação seja feita por particulares, os rendimentos subsequentes, quer de rendas quer das mais-valias resultantes da alienação dos imóveis reabilitados, são apenas tributados a uma taxa de 5% do IRS.

Os prédios que sejam reabilitados beneficiam de uma dupla isenção do IMT, tanto na sua aquisição para reabilitação, como na primeira alienação após a reabilitação, quando os adquirentes os afetem a arrendamento para a habitação permanente ou para a habitação própria e permanente, e estejam localizados nas áreas de reabilitação definidas pelos municípios. Os mesmos prédios beneficiam de isenção do IMI por três anos após a reabilitação, renovável por mais cinco anos, em algumas situações.

A maioria destes benefícios fiscais foi alargada, já em 2018, aos prédios com mais de 30 anos, justificando-se, porém, uma maior uniformização a todos os prédios nessa situação, bem como um maior alargamento das isenções do IMI e do IMT, para atrair, para as zonas reabilitadas, famílias de mais baixos recursos.

Analisemos a segunda razão, da opção política. Portugal tinha, e ainda tem, um problema grave de degradação urbana, em especial nos centros históricos das suas principais cidades. Esse problema foi gerado pelo congelamento das rendas, que durou quase 100 anos, desde 1918 e só acabou, na verdade, em 2006 com a reforma da lei do arrendamento urbano (NRAU – Novo Regime do Arrendamento Urbano). Mas tinha sido também gerado por um sistema de tributação do património que premiava a degradação e o abandono, e penalizava a reabilitação.

As duas grandes reformas, da tributação do património, em 2003, e do arrendamento urbano, com o NRAU de 2006, criaram a base contextual para a reabilitação. No primeiro caso, atualizando o valor dos imóveis e promovendo a avaliação geral, que se concluiu em 2013 e, no segundo, permitindo, finalmente, a atualização do valor das rendas. Em ambas as reformas instituíram-se também os primeiros incentivos específicos à reabilitação urbana.

Mas o regime atual de benefícios integrados e generalizados, em sede dos Impostos sobre o Rendimento e do Património, só seria criado em 2008. Este regime, associado à criação do regime jurídico da reabilitação urbana em 2009, e à profunda revisão deste regime, bem como do NRAU em 2012, são os responsáveis pelo notável sucesso, neste domínio, em Portugal.

Este quadro jurídico é o resultado de uma linha de continuidade que atravessou sete governos em Portugal, apoiados por todo o espetro partidário, consistindo numa estratégia nacional, com sistematicidade e continuidade e, acima de tudo, com muita ambição.

Essa estratégia atraiu para o nosso país capitais estrangeiros que hoje estão a renovar as nossas cidades. A reabilitação urbana produz efeitos muito mais vastos do que a reconstrução dos edifícios e o correspondente aumento do seu valor de mercado. Revitaliza a economia local, com novas empresas, aumenta a atratividade turística, interna e externa, e valoriza o património arquitetónico, cultural e histórico das cidades. Daí advêm novos e mais qualificados empregos, e maior prosperidade económica, de que todos beneficiamos.

É certo que, numa fase inicial, o Estado e os municípios, teoricamente, perdem a receita fiscal direta correspondente aos benefícios fiscais. Mas trata-se apenas de uma perda aparente, porque essa receita não existiria caso não houvesse reabilitação e porque a valorização do imobiliário urbano, bem como o crescimento da atividade económica, proporcionarão receitas fiscais muito superiores, em quase todos os impostos.

O caso de sucesso que é o regime fiscal da reabilitação urbana mostra-nos como a política fiscal pode, e deve, ser utilizada como instrumento estratégico de desenvolvimento económico e de competitividade internacional do nosso país. E mostra como os impostos não são apenas um instrumento de obtenção de receita a curto prazo. Quando efetuada estrategicamente, a criação de incentivos fiscais proporciona desenvolvimento económico e receita fiscal acrescida no futuro.

Este exemplo mostra também mais duas coisas:

  1. Apesar da conflitualidade política, é possível estabelecer estratégias nacionais que sobrevivam e estejam acima das mudanças de política conjuntural;
  2. A estabilidade legislativa é essencial ao sucesso das políticas fiscais e económicas.

A política fiscal é, atualmente, o único instrumento de política e soberania macroeconómica, depois de as políticas cambial e monetária terem sido transferidas para as instituições europeias. Esse facto transformou o paradigma do nosso sistema fiscal, que, de mero instrumento de obtenção de receitas passou a ser também instrumento de competitividade e de crescimento. Um sistema fiscal inteligente e estruturado, a médio e longo prazo, pode ser o fator mais importante de competitividade económica e de atração de riqueza.

Esse é o caminho, como os resultados demonstram. Os dados mais recentes do INE revelam que o índice de produção na construção ultrapassou já os níveis anteriores à crise e aproximam-se de máximos históricos. Este crescimento é ainda mais virtuoso porque se concentra na reabilitação e não na especulação, e na construção em massa nas periferias, como ocorria no passado. E também o é porque ocorre num contexto de quebra histórica nas obras públicas.

Em simultâneo, a receita fiscal do IMT alcançou, em 2017, o seu máximo de sempre, segundo os dados da DGO, o que demonstra, também, como o alargamento dos benefícios fiscais, e a diminuição da carga fiscal sobre a produção de riqueza, podem aumentar a receita.

Falta-nos agora alargar esta experiência ao imobiliário rústico, promovendo a produtividade agrícola e a mais setores da nossa economia, diminuindo a carga fiscal sobre a produção e o emprego.

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