O dia depois de amanhã

  • Lara Roque Figueiredo
  • 25 Março 2021

Acontece que a Advocacia mudou, os direitos sociais evoluíram, e hoje aquilo que a CPAS garante não chega para a Advocacia atual e moderna.

Amanhã terá lugar a primeira Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, convocada diretamente pela Advocacia. Será, logo e só por isso, um dia histórico para a instituição e para a classe profissional.

Contudo, a pergunta que se faz é como será o dia depois de amanhã?

Em cima da mesa está a alteração do artigo 4º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que dispõe que a previdência social da Advocacia é feita pela CPAS.

Pretendendo objetivamente alterar esse paradigma, sem com isso impedir a continuidade natural da obrigação da contribuição para um regime de previdência, coloca-se à discussão a opção de escolha entre a CPAS e o regime geral da Segurança Social para trabalhadores independentes.

A vontade de mudança é tão clara que, conforme já se disse, a classe convoca pela primeira vez uma AG. Mais de 3500 Advogados/as manifestaram essa posição através de um processo que, estranhamente, ainda é demasiado burocrático.

A vontade de mudança tem uma movimentação de base da Advocacia, que exerce nos tribunais portugueses, todos os dias, a Advocacia de barra.

A vontade de mudança assenta essencialmente em duas grandes ordens de razão:

  1. A impossibilidade atual de se descontar conforme os efetivos rendimentos: pode qualquer outro cidadão português descontar para o seu regime de previdência o valor que lhe apetece? Será justo, constitucional, democrático que um/a Advogado/a que ganhe 5 mil euros por mês possa descontar como se ganhasse mil? Pode qualquer outro cidadão que não um membro desta classe ter tal privilégio? Não. Ou pode qualquer empresa, à semelhança do que acontece nas sociedades de Advogados ter trabalhadores e não descontar para a sua previdência? Não. Pode qualquer outra instituição requerer a qualquer outro cidadão o pagamento de contribuições com base num rendimento muito superior ao efetivamente recebido? Não. Só a CPAS mantém este privilégio desproporcional de deixar que quem ganha mais pague menos e em contraponto quem ganhe menos, pague mais.
  2. Falta de apoios sociais: é admissível que apenas a classe da Advocacia não possa ficar doente? Que só a classe da Advocacia não possa ter licença de maternidade e paternidade? E não possa ter quebra de rendimentos? Não. Todos temos direito à assistência social, ao apoio na doença, na parentalidade e na quebra de rendimentos. Todos menos a Advocacia Portuguesa.

Contudo, pese embora estas duas razões de peso, que até os tribunais já identificaram como inconstitucionais, quer a CPAS, quer a Ordem dos Advogados, quer o Estado Português continuam a permitir a existência de uma instituição de previdência que em vez de um cariz social (como têm todas as outras do mundo), tem um cariz protecionista de uma Advocacia de altos rendimentos.

É uma instituição que protege o privilégio deste setor da Advocacia, em comparação com o que é exigido e exigível a todos os outros cidadãos portugueses que descontam como trabalhadores independentes.

Em 2015, quando se esperava uma alteração regulamentar no sentido da efetiva transformação da CPAS numa caixa de previdência, veio esta, por um lado cortar valores de pensões de reforma, subir as contribuições e a idade da reforma (em 5 anos) e por outro isentar o pagamento de contribuições por parte dos reformados que continuavam a trabalhar e permitir que, em muitos casos, a pensão de reforma continuasse a ser calculada com base nas remunerações convencionais anuais dos 10 melhores anos de toda a carreira contributiva anterior à entrada em vigor do novo regulamento. Claramente a opção não foi criar qualquer nova valência de apoios, mas tão só obrigar a descontar mais, mais tempo e para menor resultado.

Nunca se quis, como não ser quer hoje, mudar aquilo que é essencial mudar.

Acontece que a Advocacia mudou, os direitos sociais evoluíram, e hoje aquilo que a CPAS garante não chega para a Advocacia atual e moderna.

Se sabemos que muitas das falhas da CPAS são supridas por muitos/as Advogados/as através do desconto para outros regimes de previdência por serem também trabalhadores dependentes (como o são os professores, deputados, etc) ou através das próprias sociedades de advogados que garantem esses apoios, também sabemos que a Advocacia real, que trabalha em verdadeira prática individual não tem por onde suprir as falhas da CPAS.

A Advocacia em prática individual necessita de verdadeiro apoio previdencial, para em pé de igualdade com os restantes cidadãos portugueses pagadores de impostos, conseguir ultrapassar uma doença, um período de quebra de rendimentos ou para constituir a sua família.

No dia depois de amanhã, estamos certos, também a Advocacia, à semelhança do que já foi feito pelos Solicitadores e Agentes de Execução (que massivamente votaram pela alteração do seu Estatuto para que este preveja a opção de escolha entre a CPAS e a SS), dará um passo essencial para garantir a todos estes profissionais os apoios de que necessitam dentro do quadro constitucional que vigora no nosso país.

No dia depois de amanhã, A Advocacia estará melhor!

  • Lara Roque Figueiredo
  • Advogada e presidente da Associação Portuguesa da Advocacia em Prática Individual

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