O impacto da pandemia no setor energético

  • Ana Silva Cardoso
  • 9 Junho 2020

Tal como em crises anteriores, existirão boas oportunidades de investimento e investimentos que poderão ser críticos para assegurar a estabilidade da cadeia de valor.

O mundo mudou. A pandemia obrigou diversos players do setor energético a reagirem de forma rápida, implementando medidas de emergência para salvaguardar os colaboradores e estabilizar as operações, a liquidez e as cadeias de abastecimento. Com infraestruturas críticas para o funcionamento do país, o setor tinha de estar preparado para lidar com um cenário de adversidade e demonstrou estar.

As medidas de restrição à mobilidade, a paralisação de voos e a redução da atividade industrial levaram a uma diminuição significativa na procura de eletricidade, de gás natural e à redução drástica do mercado de combustíveis.

Recentemente, a OPEP e outros produtores concordaram em reduzir a produção mundial de petróleo para 9.7 milhões de barris/dia, em maio e junho. Uma redução possivelmente insuficiente para responder a uma quebra global na procura que, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, deverá atingir os 9% em comparação com 2019, regressando a níveis de 2012. Depois de ter iniciado 2020 a valer 66 dólares/barril, em abril o Brent cotou abaixo dos 20 dólares/barril.

A queda do preço do petróleo e o aumento da produção através de fontes renováveis ajudaram à redução do preço no mercado ibérico grossista de eletricidade: o MIBEL registou o seu valor mínimo histórico de compras durante o mês de abril. No período entre janeiro e abril de 2020, o preço médio horário foi de 30.6 €/MWh, o que representa uma redução de 44% em termos homólogos. E se analisarmos só o mês de abril de 2020, o preço médio horário foi de 17.8 €/MWh, 65% abaixo do valor de abril de 2019 (50.7 €/MWh).

Segundo dados da DGEG, em abril e por comparação com o período homólogo, o consumo de gás natural em Portugal caiu 15%, com decréscimos acentuados na indústria (18%) e nos serviços (43%, incluindo restauração e hotelaria), parcialmente compensados por um aumento no segmento residencial (36%).

Em Itália, Espanha e alguns dos países Europeus mais afetados, a procura começa a dar sinais de retoma. Na China a procura aumentou à medida que as restrições ao confinamento foram reduzidas – em geral, os níveis de procura estão a aproximar-se dos níveis pré-COVID19 cerca de seis semanas após o levantamento das restrições.

Muitas são as empresas nacionais que já estão a passar para a próxima fase na resposta à pandemia, avaliando o que pode ser considerado o “novo normal” e o caminho a seguir num mercado em evolução, com a transição energética como grande objetivo.

Nas palavras de Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia que assumiu a pasta do Green Deal, “a crise climática não perdeu a sua urgência”. Nesse sentido, e depois das prioridades terem sido outras nas últimas semanas, o investimento na descarbonização terá necessariamente de constar da agenda dos principais players do setor.

Este é um setor que tem estado particularmente ativo em operações de M&A nos últimos anos, que se traduziram em mais-valias interessantes para vendedores, e onde os ativos renováveis assumiram um papel de destaque.

A pandemia veio quebrar este ciclo e arrefecer o mercado de M&A, com o adiamento de algumas transações e o cancelamento de outras.

Será certamente um desafio determinar os impactos extraordinários que a pandemia terá nas contas das empresas e, sem surpresas, isso estará na agenda de potenciais investidores. Para contrabalançar os impactos adversos, é expectável que as empresas implementem medidas de redução de custos e adiem investimentos. A rentabilidade e a geração de cash flow dominarão as conversas dos executivos, que necessariamente terão de revisitar as suas previsões de tesouraria.

As perspetivas de evolução do preço de venda, o risco de imparidades, o risco soberano e o custo de financiamento deverão também condicionar as avaliações dos negócios. Mas, tal como em anteriores cenários de crise, existirão boas oportunidades de investimento e investimentos que poderão ser críticos para assegurar a estabilidade da cadeia de valor. Serão agora tempos favoráveis a compradores com capacidade financeira, visão estratégica e tolerância ao risco.

  • Ana Silva Cardoso
  • PwC | Transaction Services Director

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