O investimento em ambiente de insolvência e reestruturação

  • Nuno Gundar da Cruz
  • 18 Setembro 2020

O investidor, em ambiente de insolvência e reestruturação, precisa que o Estado lhe garanta as ditas previsibilidade e segurança jurídica, sem as quais o seu investimento poderá ser um tiro no escuro.

Até há cerca de uma década atrás, a reestruturação de empresas e, especialmente, a insolvência eram temas de interesse cíclico. Era assim, porque somente de tempos em tempos a política, o legislador e os economistas tomavam a liberdade de se debruçar sobre estes assuntos. Esses tempos eram, naturalmente, os de crise económica. E assim foi até, fundamentalmente, 2008, quando se deu a crise “Lehman Brothers” e tudo o que, a partir daí, sucedeu.

Desde então, no caso específico de Portugal, a partir de 2011, o mundo da reestruturação de empresas e das insolvências ganhou fôlego e assim tem continuado. Este fôlego não está relacionado apenas com a perpetuação de uma aparente crise latente na economia europeia, em que se inclui a do nosso País. Na verdade, o que aconteceu foi que muitos e importantes investidores começaram a olhar para a restruturação de empresas e para o mundo da insolvência como apresentando oportunidades de investimento e de negócio: é o que, em Inglês, costuma designar-se por “distressed investing and acquisition”.

Estas oportunidades de negócio e de investimento têm que ver com ativos de natureza muito distinta entre si. Entre eles contam-se, designadamente, a compra de ativos mobiliários e imobiliários, no âmbito de processos de insolvência; a compra e reestruturação de empresas viáveis, mas em dificuldades económicas; a aquisição de créditos em situação de incumprimento ou mora, e por aí fora.

O certo, contudo, é que, apesar de Portugal estar já no radar de alguns dos mais importantes “players” internacionais em matéria de “distressed investing and acquisition”, não deixa de ser verdade muitos são os investimentos que Portugal perde pelo facto de o seu sistema judicial não ser capaz de garantir dois elementos determinantes para qualquer investidor: previsibilidade e segurança jurídica.

Por previsibilidade entenda-se, aqui, como a facilidade com que é possível antecipar o sentido de uma decisão e, ainda, o tempo que levam os tribunais e os demais atores judiciários a tomar uma certa decisão ou iniciativa. Quanto à segurança jurídica esta implica que haja um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas – o que está em causa é, pois, a ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.

É fácil perceber o porquê de a previsibilidade e a segurança jurídica serem, em ambiente de insolvência ou de reestruturação, fatores essenciais para a escolha de promover um investimento: é que, em ambiente de insolvência e reestruturação, é habitual existirem várias entidades envolvidas, com interesses nem sempre convergentes, onde o risco de litígio é elevado.

O investidor, em ambiente de insolvência e reestruturação, precisa, por isso, que o Estado lhe garanta as ditas previsibilidade e segurança jurídica, sem as quais o seu investimento poderá ser uma espécie de “tiro no escuro”.

O que se pede, portanto, é que o Estado tome as medidas necessárias para pôr termo a esta situação de uma certa, mas relevante, imprevisibilidade e falta de segurança jurídica que ainda são patentes em Portugal, e que são prejudiciais à nossa economia e capacidade de atrair investimento.

Não tenho a veleidade de saber como se soluciona este problema, de uma vez por todas. Mas uma coisa parece poder dizer-se: primeiro, que já seria bom que o legislador alterasse menos vezes as diversas legislações que temos em vigor, no direito português – quanto mais mudanças, maior é a sensação de incerteza; e, segundo, seria importante dotar os tribunais, nomeadamente, para este efeito, os juízos de comércio, onde correm as insolvências e os processos de reestruturação, dos meios suficientes para dar vazão a todo o trabalho que têm em mãos.

  • Nuno Gundar da Cruz
  • Advogado sénior da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados

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