O pequeno domínio absoluto do PSD e outras contradições

O PSD domina absolutamente por poucochinho, o PS perde com sabor a vitória e o Chega ganha com um terrível amargo de boca. Esta é a beleza das autárquicas: nada é aquilo que parece ser.

No rescaldo destas eleições autárquicas, é inevitável apontar Luís Montenegro e o seu PSD como os grandes vencedores da noite eleitoral. O PSD, hoje, lidera o governo da República, o governo das duas regiões autónomas, a Associação Nacional de Municípios, a Associação Nacional de Freguesias, 6 dos 7 municípios mais populosos do país, a Presidência da Assembleia da República e é um militante seu que se senta em Belém. O domínio é total e há dois anos era completamente impensável.

Contudo, há algo nos números que o domínio absoluto esconde: é que o PSD/CDS vale sensivelmente o mesmo desde as legislativas de 2019. A surpresa é ainda maior: o melhor resultado da AD, desde 2019, é mesmo o das legislativas desse ano e o pior é o da vitória nas legislativas de 2024. Para além disto, quando adicionamos a IL às contas, percebemos que entre as legislativas de 2024 e as de 2025, o centro-direita cresceu apenas 4 p.p. e que os resultados destas autárquicas são uma cópia quase perfeita dos de há meio ano. A maior conclusão é que o centro-direita está estabilizado há 5 anos.

Com isto não quero, de forma alguma, tirar brilhantismo a este resultado. Aliás, o mérito de Montenegro está exatamente no facto de ter conseguido estabilizar a base eleitoral do partido quando nenhum outro partido o conseguiu, tornando-se indiscutivelmente o maior partido português.

Tabela 1 – Dados recolhidos pelo autor

 

Contudo, apesar da vitória clara do PSD, a noite das eleições foi marcada pela discussão sobre quem perdeu, quem desiludiu ou quem se aguentou. Antes de entrar no tema, parece-me necessário discutir qual deve ser a bitola ou o termo de comparação. Passamos os últimos dias na esquizofrenia de comparar o Chega com as últimas legislativas e o PS com as últimas autárquicas: não faz sentido. Autárquicas comparam com autárquicas. O efeito incumbente é demasiado grande para ser ignorado.

Quando comparamos estas eleições com as de há quatro anos, o resultado do Chega é assinalável. É evidente que o Ventura teve mais olhos que barriga e se deixou iludir: geriu mal as expectativas, até as suas próprias, e teve de assumir derrota. Mas o que o Chega fez nestas eleições é verdadeiramente impressionante. Desde 1974, as autarquias estão divididas em 4 forças e mais ninguém conseguiu entrar. Em 1985, logo após as legislativas, houve eleições autárquicas, em que o PRD passou de 18% para menos de 5%, com 3 autarquias e apenas 51 vereadores. O Chega teve os mesmos presidentes, é verdade, mas, face à quatro anos, triplicou os votos para 12%, multiplicou por 7 os vereadores para 137 e perdeu 3 câmaras por menos de 1000 votos, no total. Estas eleições, em autárquicas, são o equivalente às legislativas de 2021, são apenas as segundas.

Tanto as últimas europeias, como as últimas regionais dos Açores foram as segundas eleições do tipo para o Chega e em ambas valeu 9%. Nestas autárquicas foi quase 12%. Com centenas de candidatos a câmaras e juntas de freguesia, muitos deles nem campanha fizeram ou então eram os maluquinhos da sua terra, este resultado significa muito mais do que aquilo que tenho lido ou ouvido: é uma etapa importante para o fim do bipartidarismo, não uma prova da sua força. É normal que o Chega sem Ventura valha menos, mas 12% é mais do que esperava.

Por seu turno, o PS é o grande derrotado da noite: perde mais de 20 autarquias. Claro que a derrota não é, de todo, imputável a José Luís Carneiro, que, face há seis meses, até cresceu mais de 10 pontos percentuais. A derrota era expectável, esperada e até normal por acabar o ciclo autárquico de 12 anos do PS. Apesar disto, sobre o PS, gostava de deixar apenas uma nota: a fina ironia de ver Pedro Nuno Santos, depois do estado historicamente deplorável em que deixou o partido e de ter escolhido os candidatos autárquicos, vir dar dicas à navegação.

É triste que, depois daquela derrota, Pedro Nuno não tenha percebido ainda que a política não é matemática e, se fosse, dever-se-ia perguntar para onde tinham evaporado os seus votos em menos de 1 ano. O PS fez 13 coligações nestas eleições, liderou-as em 12 e destas apenas venceu 1, em Coimbra. Em vez de pensar na evidência de que as coligações à esquerda não foram vencedoras, Pedro Nuno quer tentar acertar no Totobola à segunda-feira e dizer onde teriam ganho. Talvez o PS devesse ouvir o João Ferreira, porque somar partidos não soma votos.

No final, o PSD domina absolutamente por poucochinho, o PS perde com sabor a vitória e o Chega ganha com um terrível amargo de boca. Esta é a beleza das autárquicas: nada é aquilo que à primeira vista parece ser.

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