O pequeno Trump da Covilhã

  • Vitor Cunha
  • 4 Julho 2025

Com o início do julgamento do ex-primeiro-ministro de Portugal, é interessante analisar o seu estilo de comunicação. Sócrates foi um precursor de um tipo que Donald Trump imita na perfeição.

Há uns anos passeei por Rodeo Drive, Beverly Hills, em Los Angeles, para viver uma experiência humana diferente, entre loiras semidespidas usando marcas de luxo e carros amarelos. No número 443 dessa rua há uma loja de roupa para homem, conhecida por ser uma das mais caras do mundo, de seu nome “Bijan”, fundada em 1976 por um designer de origem iraniana.

Bijan Pakzad soube posicionar a marca e a exclusividade. Alguns clientes famosos: Ronald Reagan, Robert de Niro, Steven Spielberg, Vladimir Putin, Elton John e José Sócrates.

— Alto! José Sócrates?

— Sim, no vidro da montra está escrita uma extensa lista de clientes famosos, onde surge Sócrates. O próprio nunca desmentiu. Não se sabe se lá terá comprado umas singelas meias pretas (150 USD), um fato (pode passar 50 mil USD) ou uma gravata (PVP variável, mas pode rondar 800 USD). Nesta loja, quem quiser mandar fazer uma peça à medida precisa marcar com tempo e ter muito, muito, dinheiro.

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa foi um primeiro-ministro disruptor. Determinado, informado, executor, trabalhador, com ideias e com mau feitio, fez as delícias de alguma direita e deixou calada a esquerda mais radical — e o país falido.

A estas indiscutíveis qualidades (ou melhor, características) juntou-se uma propensão para a irrealidade, comportamentos de novo-rico, e até uma certa puerilidade argumentativa quando se tratava de defender o indefensável. A ver vamos se também é, ou foi, um criminoso. À Justiça o que é da Justiça, ao povo o que é do povo, como costuma dizer-se.

Agora que está a começar o julgamento do ex-primeiro-ministro de Portugal, talvez seja interessante analisar o seu estilo de comunicação.

José Sócrates foi um precursor de um tipo que Donald Trump imita na perfeição (risos).

Falando a sério: o estilo Sócrates foi sempre autoritário, feroz, tentando secar todos os meios que o ousaram investigar ou contraditar. Pessoas foram perseguidas, envolveu-se em arranjos acionistas em empresas de media, lançou por terceiros outros projetos de comunicação social e, acima de tudo, nunca teve problemas em inventar realidades paralelas para justificar atitudes ou decisões. Tal como o político americano.

O amigo rico, a mãe rica, as minas herdadas, o motorista e as fotocópias, a propriedade da casa de Paris ou as férias são exemplos desta tendência.

Sócrates grita quando o questionam sobre estes temas, como quando interpelou violentamente Vítor Gonçalves, apenas porque o jornalista lhe fez uma pergunta óbvia: como é que agora paga as contas e como mantém um certo estilo de vida?

O alarido foi enorme, porque JS não admite a contrariedade e conforma ou imagina a realidade de acordo com uma narrativa pré-definida que só ele vê. E não é patologia. Aliás, já estamos cansados de doenças mentais.

O atual presidente americano, sendo mais rico, tem vindo a imitar Sócrates (risos, de novo). Trump persegue tudo e todos que lhe possam fazer frente. De canais de informação, universidades, jornalistas, juízes, outros políticos: são todos tratados como inimigos e ameaçados “se não se portarem bem”. Que se saiba, Sócrates nunca boicotou jornalistas nas suas conferências de imprensa, mas tentou amedrontar muitos e muitas vezes.

A primeira sessão no Campus da Justiça voltou a juntá-los. Ora veja-se o que dizia a imprensa americana sobre o julgamento em Nova Iorque, em 2024: “Frequentemente balançava a cabeça, sussurrava para os advogados e fazia expressões faciais que sugeriam discordância ou impaciência, especialmente durante os depoimentos de testemunhas contrárias ou nos argumentos dos procuradores. Como o Tribunal impediu comentários durante a audiência, Trump aproveitava os intervalos fora da sala para fazer declarações combativas à imprensa, chamando o julgamento de “caça às bruxas” e de “interferência eleitoral”. Reclamava contra juiz, júri e promotores públicos. Trump foi advertido várias vezes pelo juiz Juan Merchan para respeitar os procedimentos e cumprir a ordem de silêncio do tribunal, que ele violou, resultando em multas e ameaças de prisão caso as violações continuassem”. – Sounds familiar?

Há inúmeras evidências de declarações falsas ou enganosas de Trump. Diversos jornais de verificação de factos monitorizaram as suas intervenções durante a campanha e já durante a presidência, identificando milhares de afirmações incorretas ou falsas. Este padrão contribuiu para a perceção de que Trump frequentemente maltrata os factos, como o nosso JS.

A mentira como tática é uma velha estratégia, que em bom rigor não foi inventada por estes dois artistas. A mentira é imanente à natureza humana, e os grandes manipuladores/autocratas nascem, crescem e sobrevivem com a ajuda desta técnica de comunicação. De resto, a materialidade das coisas é uma invenção burguesa para minar o Estado.

Podemos estar num caminho suave para o fim das democracias liberais, mas não estamos preparados para isso. E temos de admitir a possibilidade de voltarmos a lutar com armas para evitar o fim do tempo das liberdades. A natureza tende para o equilíbrio e reage mal ao ultra desequilíbrio. Este movimento pendular, normalmente, provoca mortes, fome e populismo, não necessariamente por esta ordem.

  • Vitor Cunha
  • CEO da JLM & Associados

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