O poder das fake news – necessidade de um novo ilícito?

  • Catarina Veiga Ribeiro
  • 27 Maio 2020

Não é e não será, cada vez mais, um assunto de somenos importância: é relevante para a própria democracia reconhecer a nocividade da propagação de informações e notícias falsas.

As falsas notícias podem influenciar a opinião das massas e até manipular os nossos atos e entendimento da realidade e dos factos. Compreender as complexas relações entre a opinião individual e a manipulação da opinião, seja em domínio económico, social, de saúde, educacional, ou até circunscrito a questões eminentemente políticas, é um tema claramente em ascensão e que nos conduz, cada vez mais, à necessidade de estarmos atentos à relevância que esse comportamento indutor tem na sociedade e à análise do poder que as fake news, que nos podem “atingir” quotidianamente, têm na determinação e decisões de cada um.

Não é fácil dissociar esta realidade da ação que os media exercem: se esta pode ser pedagógica e cristalinamente informativa, respeitando o interesse público, a verdade, a ética e o dever de informar com verdade que lhes compete, também podemos assistir a notícias sensacionalistas, tendencialmente falsas e inexatas, que nascem sem o cuidado em apurar a veracidade das fontes. A isto acresce, hoje em dia, a propagação de “informação” que não necessita sequer dos meios de comunicação social para ser veiculada…pode começar com uma simples mensagem SMS, um whatsapp, um voice, um post em rede social, transmitido e propalado à velocidade da luz e replicado, ou reencaminhado, milhares de vezes. Quem não deu conta durante o momento presente, sobretudo no período que rondou a primeira declaração de estado de emergência, das informações, ou contra informações, que circulavam em chats e grupos de amigos/conhecidos?: as notícias com mensagens de “médicos” e “enfermeiros” que semeavam o pânico com o relato de cadáveres amontoados, as fotografias de sacos de lixo nos corredores de hospitais contendo corpos, o perigo da toma do paracetamol, as fotografias de praias cheias de gente cujo retrato não era do dia a que respeitava, os golfinhos em Veneza, as mortes na via pública no Mianmar, o risco de infeção por Covid-19 aumentar com a administração da vacina da gripe…e tantas outras “notícias”?

Do ponto de vista jurídico, não é irrelevante termos em conta que, com fins não imediatamente identificáveis, podem existir interesses e intenções claramente ilícitas na manipulação da nossa opinião e consequente comportamento: quando uma suposta notícia falsa versa, por exemplo, sobre política, economia, segurança e/ou saúde, a vítima, não podendo ser isoladamente identificada, somos, afinal, todos nós. É que um facto isolado, se trabalhado, pode ser usado para fortalecer ou enfraquecer determinada tendência que se queira imprimir ou um resultado que se pretenda atingir.

As mais recentes descobertas científicas ao nível da mente exigem a atenção do direito (tanto em relação aos problemas do livre arbítrio como ao fundamento da responsabilidade penal) que deve estabelecer limites para a alteração ilegítima dos estados mentais alheios, não só na ótica do agressor, como também na ótica da vítima, bem como em relação aos bens jurídicos a tutelar. O debate jurídico tem que surgir, uma vez que nestas situações, para o direito, o agente aparece imbuído do intuito de provocar engano nas relações jurídicas e com isso obter, cremos, um benefício, direta ou indiretamente, para si ou para terceiro, que sabe ilegítimo.

E assim, em Portugal, discute-se já na doutrina – em face do silêncio da Lei de Imprensa e de outras leis especiais como a Lei do Cibercrime – a criação do crime de ofensa à integridade mental e no Brasil, por exemplo, há propostas para a tipificação de um novo crime de falsa divulgação, que consiste em “divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem o interesse público”.

Não é e não será, cada vez mais, um assunto de somenos importância: é relevante para a própria democracia reconhecer a nocividade da propagação de informações e notícias falsas, sobretudo e no mais imediato, tendo por fim coibir campanhas de desinformação que poderão manipular massas e ferir, no limite, o estado democrático como o conhecemos.

  • Catarina Veiga Ribeiro
  • Of counsel na Miranda & Associados

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