Brexit Blitz

Para o Reino Unido é a experiência de uma revolução. País fica sem voto, sem presença política, sem soberania, sem poder para agir unilateralmente. E preso às regras da Europa por tempo indeterminado.

O Acordo é politicamente pornográfico e revela a face escondida da Europa – a face de um Império que trata as nações como vassalos e impõe, entre o silêncio e o cinismo, uma trégua que toca a humilhação. Um Império que se afirma Liberal na garantia da segurança e da prosperidade, mas que à primeira contrariedade se torna politicamente primário e predador. Fica a Europa a conhecer a natureza da Europa.

Para o Reino Unido é a experiência de uma revolução. O país fica sem voto, sem presença política, sem soberania, sem poder para agir unilateralmente, mas preso às regras da Europa por tempo indeterminado. Nem dentro nem fora da Europa, mas sob a tutela de Bruxelas – eis um eufemismo para o estatuto de uma colónia.

O Brexit é um jogo de xadrez jogado a três dimensões e em que todas as peças são Gatos do Cheshire. O Brexit é uma guerra existencial pela alma do Partido Conservador em que a Grã-Bretanha é um dano colateral. Quando Theresa May apresenta o Acordo no Parlamento, a bancada dos Tories reage com uma barragem de críticas nunca vista desde o debate sobre a Noruega, em 1940, era então Primeiro-Ministro Neville Chamberlain. May está literalmente entre três exércitos – a Europa, os Brexiteers e os Remainers. A via média de May deixa-a sempre a meio caminho entre o suicídio político e o assassinato político. Ao transformar a causa do Brexit numa questão Conservadora, o partido pode estar à beira de uma verdadeira cisão.

Morto o New Labour de Tony Blair, Jeremy Corbyn transforma o partido num outlet trotskista, sendo incapaz de produzir uma afirmação sobre o Brexit em que as premissas estão de acordo com a conclusão. A deriva cínica e calculista do Labour esconde uma profunda divisão entre Remainers e Brexiteers, apenas a ambiguidade mantém um político euro-fóbico na liderança de um partido europeísta. Refira-se que o programa económico e político de Corbyn anuncia o regresso do Reino-Unido aos anos 70, com nacionalizações, experiências de autogestão nas empresas, predomínio do investimento público, o completo colorido da loony left no seu esplendor. Mas todo este cartório político só é possível fora da União Europeia. Na luz e na sombra, a possibilidade de uma cisão é também uma realidade. E deste modo absurdo é a implosão do sistema partidário britânico em perspectiva.

Com o estatuto especial da Irlanda do Norte, território que votou maioritariamente pela permanência na Europa, sem fronteira física com a Irlanda e com uma presença activa e mais intensa das regras e regulamentos europeus, a identidade protestante está certamente em recessão, a circunscrição natural do DUP, parceiros parlamentares do actual Governo Tory. Num futuro não distante, a unificação da República da Irlanda pode ser uma nova realidade e a concretização de uma velha aspiração irlandesa. Na sequência deste novo enquadramento político, o argumento para a independência da Escócia ganha um novo impulso, uma separação muito desejada a norte da fronteira e com declarações bem articuladas da líder do SNP, Nicola Sturgeon. A ideia de independência sai reforçada com a perspectiva de permanência na União Europeia. E deste modo absurdo é uma crise existencial que simplesmente anuncia a implosão do Reino-Unido.

Não, não se trata de ficção em forma de filme catástrofe. Quando em 1975, o Primeiro-Ministro Harold Wilson consegue vencer o Referendo que ratifica a adesão do Reino-Unido à então CEE com 67% dos votos, tal resultado foi obtido pela inversão da tendência que seis meses antes ditava 57% para a não adesão. Neste psicodrama britânico, um dos slogans mais eminentes anunciava: “Forty Million People Died In Two European Wars This Century. Better Lose a Little Sovereignty Than A Son Or A Daughter”. E eis hoje a questão da soberania no centro de toda a disputa política entre os dois lados da Mancha. Os britânicos nunca aceitaram a ideia de se transformarem em “novos europeus”, reconhecendo o domínio da Europa. Na imaginação imperial inglesa só existem dois estatutos políticos possíveis – dominadores ou dominados. Na cartografia inglesa surge sempre a fantasia do inimigo Continental, apostado na submissão dos hábitos, costumes, tradições e modo de vida dos habitantes do paraíso offshore. Sejam os Papas Medievais, Charlemagne, Napoleão, o Kaiser, Hitler, a União Europeia, toda uma sequência histórica de inimigos cujo propósito exclusivo se manifesta no domínio de uma nação em retirada. O drama é que a decisão política do Referendo e do voto no Referendo se baseiam nesta utopia de uma ilha inexistente e que nunca conheceu o humilhante estatuto da ocupação. Talvez o Reino-Unido não se consiga libertar desta negra fantasia que tanto atormenta a imaginação britânica. Talvez o Reino-Unido não consiga libertar-se da necessidade de um imaginário invasor. O EuroReich só existe na imaginação britânica, mas é tão forte e persistente que nunca disponibilizou o ânimo da nação para o compromisso europeu, apenas espaço para a concessão à realidade ou a aceitação resignada. Nesta retórica política não existem heróis, apenas a proliferação de cadáveres políticos. O Brexit jamais poderia produzir um milagre político. Fica o destino de uma nação dividida e a secreta esperança na próxima geração.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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