Os equívocos dos benefícios fiscais

A política fiscal é hoje um emaranhado jurídico-legal sobre a qual pouca gente se entende, apesar de todos falarem sobre ela. Está na altura de inverter este estado de coisas.

A recente polémica sobre a venda da concessão de barragens no Douro por parte da EDP, e da isenção de imposto de selo de que a empresa terá alegadamente beneficiado, vem evidenciar uma vez mais a complexidade do código tributário em Portugal.

A discussão não é de agora. O código tributário, para além de complexo, é extenso e ao longo dos anos foi sofrendo mudanças todos os anos. Sem surpresa, a colectânea tributária anotada que todos os anos adquiro, porque todos os anos é revista, já vai em cerca de duas mil (2.000) páginas. A instabilidade e a incerteza são enormes e resultam de alterações nas taxas de imposto, nas bases sobre as quais se aplicam, e também na interpretação que se vai fazendo dos próprios impostos. Naturalmente, esta inconstância fiscal só tem dois beneficiários: os consultores fiscais que dominam as incongruências e minudências do código tributário, e as empresas que têm a capacidade de contratar esses mesmos consultores a fim de beneficiar dos seus conselhos.

Associada à instabilidade do código tributário está a despesa fiscal. Num país em que as leis tributárias estão em constante mudança – e as mudanças mais relevantes acontecem nas bases fiscais, não necessariamente nas taxas – não há verdadeiramente condições para avaliar o custo-benefício de certas disposições da lei, designadamente as que se referem aos benefícios fiscais. Trata-se de um exercício que não é de somenos.

Segundo os últimos dados disponibilizados pela Autoridade Tributária (AT), em 2019 a despesa fiscal associada aos benefícios fiscais às empresas em Portugal, isto é, a receita que deixou de ser cobrada aos seus beneficiários, foi superior a 3.200 milhões de euros. Este valor representa um terço do défice orçamental previsto para este ano, e resulta dos benefícios fiscais atribuídos a milhares de empresas em sede de impostos especiais sobre o consumo (IEC), ISV, IRC, IMT, IS, IUC, IVA e IMI. Saúda-se a divulgação pública dos seus beneficiários pela AT, porque a política fiscal tem de ser transparente, todavia, o escrutínio e a avaliação custo-benefício são ainda manifestamente insuficientes.

O Governo PS tem tido uma intervenção ambivalente na questão dos benefícios fiscais. Por um lado, contribuiu de forma positiva para o debate ao ter nomeado na anterior legislatura um grupo de trabalho que estudou os benefícios fiscais. Mas, por outro, na sequência das recomendações do grupo de trabalho, pouco ou nada fez a fim de melhorar a situação na prática. E que recomendações foram essas?

Comecemos pelas observações. Segundo o relatório final do grupo de trabalho, entre os mais de 500 benefícios fiscais existentes à data, 120 não evidenciavam razão extrafiscal. Por outras palavras, eram benefícios fiscais sem razão aparente. Foram também apontadas críticas à indefinição dos prazos associados à vigência dos artigos fiscais, à falta de discriminação dos mesmos no orçamento do Estado, e à ausência de uma metodologia de avaliação (“ex-ante” e “ex-post”) da despesa fiscal. Como solução para as lacunas identificadas propôs-se então uma unidade técnica de avaliação dos benefícios fiscais, a fim de apoiar os deputados no parlamento. Mas o Governo meteu o relatório na gaveta.

A existência de benefícios fiscais é reveladora de que os impostos são elevados. Caso contrário, não existiria razão para eles serem criados. Mas, em vez de se baixarem os impostos, criam-se excepções aos mesmos. Aqui está o primeiro equívoco.

O segundo equívoco está na existência de múltiplos benefícios, logo, de múltiplas excepções. Quando assim acontece a excepção torna-se a regra.

O terceiro equívoco está na ideia de que as constantes alterações ao código tributário são favoráveis à confiança dos agentes económicos, mesmo quando são motivadas pela ideia de tornar as regras fiscais mais competitivas. A verdade é que, para a esmagadora maioria das empresas, que não têm recursos para acompanhar e beneficiar da inconstância fiscal, a instabilidade apenas acrescenta complexidade e custo administrativo. Os indicadores do Banco Mundial são claros: o número de horas que as empresas portuguesas dedicam ao cumprimento dos deveres tributários é muito elevado face à média da União Europeia.

A simplificação do código tributário, substituindo os benefícios fiscais por taxas de imposto genericamente mais baixas (e bases mais amplas), teria várias vantagens.

  • Primeiro, tornaria o sistema mais justo na medida em que ele seria aplicado de forma uniforme entre todos os sujeitos passivos de impostos.
  • Segundo, eliminaria a despesa fiscal associada aos benefícios fiscais, eliminando também os custos administrativos que alternativamente são necessários a fim da avaliação desses benefícios fiscais.
  • Terceiro, traria maior previsibilidade fiscal, tornando a vida mais fácil às empresas, sobretudo às de menor dimensão (as micro e PME que constituem em Portugal 99,9% do total de empresas constituídas).

Se, para além de tudo isto, fosse também possível uma redução líquida da carga fiscal sobre as empresas e as famílias, então, seria mesmo ouro sobre azul. A política fiscal é hoje um emaranhado jurídico-legal sobre a qual pouca gente se entende, apesar de todos falarem sobre ela. Está na altura de inverter este estado de coisas.

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