Os outros têm um, então eu também quero

  • José Pedro Marques da Silva
  • 20 Novembro 2024

Não queiramos um LLM (large language model) português porque sim, porque os outros têm. Somos bons a criar, criemos a estratégia certa para nos posicionarmos desta mesma forma.

Os pontos de diferenciação são um elemento-chave de qualquer framework de posicionamento. Sem uma diferenciação clara, o valor de uma marca torna-se difícil de construir e quase impossível de sustentar, ao longo do tempo. No nosso posicionamento enquanto marcas de bens de grande consumo, marcas pessoais, marcas institucionais, o que nos distingue é a chave para encontrarmos o target que nos pode vir a preferir por sermos melhores ou distintos na forma como abordamos um problema que este tenha em mãos para resolver.

Trata-se da nossa melhor ferramenta para encontrar o nosso espaço em mercados, muitas vezes, já saturados. E também se trata de uma das componentes mais difíceis de construir e estabilizar no nosso posicionamento. Tem de ser relevante para o nosso target e ser capaz de criar um bloqueio estável que permita sustentar uma vantagem competitiva real: difícil de copiar, consistente ao longo do tempo. Idealmente, tira-nos de cena nas comparações diretas com concorrentes da mesma categoria, por oferecermos algo efetivamente distintivo, criador de valor ímpar para o “consumidor”.

Dependendo da estratégia e dos objetivos de negócio, a nossa estratégia de inovação poderá prever que alguns produtos já existentes no mercado sejam necessários. Porventura, alguns destes serão order qualifiers para uma marca poder competir – necessários, inevitáveis. Não lhes chamemos, no entanto, inovação – ou pelo menos, não utilizemos este termo de forma lata, sem discriminar o tipo de novidade que temos à nossa frente (de incremental a transformacional, por exemplo). São desenvolvimentos, são novidades no portefólio, necessárias e importantes. Mas não deverão ser aquelas que nos consomem mais recursos, porque o retorno também deverá ser limitado. Entrando numa categoria já com soluções para o seu público-alvo, e tendo de cumprir com alguns destes qualifiers para lá podermos estar, pensemos, pelo menos, em como é que podemos entregar os mesmos benefícios a um preço mais baixo ou que benefícios extra é que podemos entregar para nos diferenciarmos em valor percebido

Numa nota paralela, a marca, em alguns casos, pode mesmo ser esse ponto de diferenciação que procuramos. Por vezes, a construção de marca que potenciamos, o seu histórico, o envolvimento do seu consumidor com ela, faz com que, automaticamente, o que seria um produto indiferenciado, se torne objeto de desejo para algum grupo de indivíduos. Aí, teremos um ativo de relevância ímpar e que temos de proteger (e continuar a desenvolver), a todo o custo.

Portanto, se o espaço onde vamos entrar já estiver preenchido – se não encontramos novas necessidades para satisfazer, ou não temos a capacidade interna de adicionar valor e benefício extra à nossa proposta de valor – perguntemo-nos se o esforço de encontrar um espaço para nós – que, quase certamente, será pequeno – compensa o retorno que teremos no final.

Toda esta conversa para falar de quê? Da Amália. Sendo ainda prematuro falar da execução da ideia, a forma como a vendemos tem de ser diferente. Não queiramos um LLM (large language model) português porque sim, porque os outros têm. Pensemos em quem é o target de um produto como este, das aplicações que ele pode ter e pensemos se não ganharíamos mais em aplicar a força e a escala que outros modelos já têm. Para que resulte, até como referência para outros países/idiomas que possam ver esta estratégia como referência, têm de se identificar nichos muito concretos onde um modelo focado no que é português, na nossa língua, possa efetivamente aportar valor que as soluções existentes não conseguem, de forma tão eficaz. E saibamos vender o que fazemos. Saibamos construir o racional que cativa utilizadores e consumidores finais do que produzimos, saibamos projetar o capital humano e intelectual português para que, em torno, nos vejam como referência.

Portugal tem um longo histórico de superioridade competitiva e inovação em áreas tão distintas quanto o têxtil, o vinho, o calçado e as energias renováveis, mas nem sempre conseguiu traduzir esse valor num posicionamento global eficaz. Conscientes de que estamos a entrar num mercado de gigantes, aproveitemos este momento para o fazermos definindo onde queremos e onde vamos ganhar, com um público-alvo claro, conscientes da efemeridade de um projeto destes caso não exista uma estratégia de investimento na sua manutenção e constante evolução e atualização, com objetivos para lá do “eu também tenho um”. Somos bons a criar, criemos a estratégia certa para nos posicionarmos desta mesma forma.

  • José Pedro Marques da Silva
  • Coordenador de desenvolvimento de marcas e mercado da Lactogal

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