Editorial

Os portugueses foram enganados

Marcelo Rebelo de Sousa disse-o (e não sabemos se percebeu exatamente o que disse): Os portugueses foram enganados, mas não foi apenas na Saúde e por Marta Temido.

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou em entrevista à TVI: “Os portugueses foram enganados” pela ministra Marta Temido quando afirmou que haveria vacinas da gripe para todos os portugueses. Não se percebe exatamente se estava a falar o Presidente da República ou o candidato às presidenciais, e o ponto de análise não é irrelevante na avaliação de eventuais consequências políticas, mas mais importante é mesmo o que se pode retirar desta afirmação, que talvez Marcelo nem tenha medido na sua verdadeira dimensão: Os portugueses andam ao engano há anos, e não é só por Marta Temido, é por um regime político e económico que captura e vive de um sistema extrativo, mantendo-nos a todos numa pobreza sistémica.

O Governo anda a enganar-nos há anos, quando cria ilusões, quando nos vende uma realidade que não existe, quando distribui o que não tem na esperança (ilusória) de que os amanhãs cantarão. Até ao momento em que a realidade nos vem avisar do contrário.

O que Marta Temido fez quando garantia a existência de vacinas da gripe para todos não foi diferente do que outros ministros fizeram ao longo de cinco anos. Quando o ministro das Finanças disse que não tinha prometido a António Domingues a nomeação para a Caixa Geral de Depósitos sem obrigação de mostrar os rendimentos, quando garantiu que as 35 horas na função pública não teriam custos orçamentais acrescidos, quando António Costa prometeu que não haveria custos diretos ou indiretos com o Novo Banco para os contribuintes, quando Pedro Nuno Santos fez promessas sobre o que (não) sucederia na TAP ou quando o ministro da Educação nos disse há dias que, depois de cinco anos no Governo, as notas mais baixas dos jovens estudantes portugueses em matemática se deviam às decisões de Nuno Crato. Os portugueses estão sempre a ser enganados, e pelos vistos, gostam. Porque não há consequências ou um sobressalto cívico que leve os decisores a mudarem as atitudes ou a mudarem de responsáveis políticos (veja-se o caso gritante de Eduardo Cabrita).

Seria fastidioso enumerar todas as afirmações de ministros e políticos que poderiam caber na constatação de Marcelo Rebelo de Sousa (e que o próprio tantas vezes permitiu, com cumplicidade). Mas não é apenas o regime político que nos engana.

Quando a Autoridade da Concorrência condena um conjunto de empresas a pagar 304 milhões de euros de multas a hipermercados, supermercados e fornecedores por viciarem a concorrência, os portugueses estão a ser enganados. Leia-se, para a AdC, este grupo de empresas subtraiu de forma ilegal muitos milhões de euros dos consumidores, enganou-nos (e a ver pelos emails trocados entre vários destes operadores e agora divulgados, foi um engano sem vergonha e com a noção exata da violação da lei).

O sistema económico extrativo engana-nos, prefere viver da proteção do Estado ou, em alternativa, da concertação entre empresas, do que da concorrência. Há milhares de empresas a operar no mercado aberto, e competitivo. Como há políticos que não nos enganam de forma deliberada, há empresários e gestores que vivem dentro das regras, que competem entre si para ganharem na competição de mercado. Mas os empresários e gestores que nos enganam sugam tantos recursos, que os outros também ficam a perder mesmo quando jogam o jogo dentro das regras. A lista é longa e conhecida.

Se temos um regime político e económico que se habituou a enganar-nos, nós próprios somos fontes e promotores desse teatro de enganos. Há uns quantos que vão ficando pelo caminho (ainda este fim de semana se ouviu falar da fome em Setúbal, como se tivéssemos regressado aos anos 80 do século passado), mas convivemos com as mesmas promessas de sempre, achando que os resultados vão ser diferentes.

Os portugueses foram enganados. É a frase desta campanha presidencial que ainda nem sequer começou. Será que alguém a ouviu mesmo?

Nota: Uma segunda leitura do que eu próprio escrevi, já depois de publicado, leva-me a assinalar outros dois factos que mostram como nos andam a enganar há anos. O Governo substituiu a Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, e o presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira, dizendo-nos duas coisas: Ambos fizeram um ótimo trabalho (então, não continuam porquê?) e o nível de escrutínio e vigilância destas duas instituições vão manter-se. Acredita quem quiser.

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