Os votos (políticos) para 2019

Espero que 2019, ano de eleições legislativas, europeias e regionais, possa significar o início de um movimento de regeneração política.

A 1 de Dezembro, abriu a votação para a Palavra do Ano. São dez as candidatas, escolhidas pelos linguistas da Porto Editora ‒ que lançou a iniciativa em 2009 ‒ para ilustrar, com um vocábulo, aquilo que foi o ano. É, no fundo, mais um daqueles balanços tão próprios desta época.

Nesta décima edição, uma das palavras a concurso é “professor”. Eventualmente cheia de espírito natalício, ocorreu-me que poderia ser um reconhecimento do importante papel que os professores desempenham na sociedade. É que a qualidade do sistema de ensino depende fundamentalmente da qualidade do corpo docente. E eu diria que da qualidade do ensino depende o futuro do país.

Mas estava enganada. A Porto Editora explica as suas escolhas e a de “professor” foi porque “os professores continuam a lutar pela contabilização da totalidade do tempo de serviço prestado durante o congelamento de carreiras”. Foi, portanto, pelo lado reivindicativo, lógica que também presidiu à escolha de “enfermeiro”.

Também teria dado para estivador, juiz, guarda prisional, trabalhador da CP, funcionário judicial, médico, funcionário público. Talvez o melhor tivesse sido mesmo propor “contestação”, já que 2018 teve greves bastantes. A proximidade de eleições legislativas, que terão lugar em 2019, ajuda certamente a explicar. Mas também um certo sentimento de expectativas goradas, alimentadas por um governo de Esquerda, que prometeu a devolução de rendimentos e mais justiça social, mas que não trouxe o PIB per capita (a preços constantes) e a taxa de pobreza para os níveis pré-crise.

O que nos leva a outra palavra candidata: “populismo”. Diz a Porto Editora que “o discurso marcadamente populista tomou de assalto o debate público um pouco por todo o mundo, alimentando o surgimento de movimentos e líderes políticos que já conquistaram o poder em vários países”.

Portugal não integra essa lista de países onde o populismo tem conquistado votos. Como escrevia há uns tempos Pedro Magalhães, os dados do Inquérito Social Europeu mostram um país que é pouco dado ao extremismo (esta também é uma palavra a votação). É tranquilizador. E o fracasso da manifestação dos “coletes amarelos”, que teve muito poucos aderentes, mas que, sobretudo, pareceu bastante desorganizada e com falta de uma agenda coerente, também nos deixou mais sossegados.

Mas que esse sossego não se transforme em desatenção. Como tem repetido insistentemente Nuno Garoupa, os partidos com representação na Assembleia da República têm perdido eleitores; eleição após eleição, podemos não saber se haverá maioria absoluta, podemos não perspectivar quem terá mais deputados, mas há uma coisa que podemos afiançar antecipadamente: a abstenção é a grande vencedora.

Esses abstencionistas sentem-se órfãos de representação política, deixaram de acreditar no regime. Um regime que responsabiliza os contribuintes pelos comportamentos da banca; ainda este Natal, há mais uns milhões no sapatinho do BPN, pagos por todos nós. Um regime que pactua com falsas presenças de deputados no Parlamento, que permite que eles votem sem lá estar e que ainda lhes reembolsa estas ausências. Um regime que não tem, assim o disse Joana Marques Vidal na sua despedida do cargo de Procuradora-Geral da República, uma estratégia nacional contra a corrupção, palavra que foi candidata em 2014, mas que podia tê-lo sido em todas as dez edições do concurso.

Esses abstencionistas não vestiram amarelo fluorescente (possivelmente, até por um apurado sentido estético; quiçá porque tinham compras de Natal para fazer) e não foram parar o país. Mas isso não significa que não estejam dispostos a seguir um discurso populista que possa surgir com algum tipo de mensagem cativante corporizada em alguém com carisma suficiente.

Eu, que de certo modo acredito no Pai Natal, espero que 2019, ano de eleições legislativas, europeias e regionais, possa significar o início de um movimento de regeneração política, com banhos de ética dignos do nome; com novos actores que, sem rejeitarem a política, estejam comprometidos apenas com o bem comum; com propostas que, com ideologia mas sem demagogia, fazendo uso do conhecimento na sua fundamentação, dêem resposta ao que são as preocupações dos cidadãos. Até lá, umas Festas Felizes!

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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