Para uma Teoria da Reputação Fiscal (ESG)

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 14 Março 2022

A definição do horizonte e dos (novos) limites à referida criatividade e liberdade de gestão é um dos principais desafios a cargo daqueles que fazem da lei fiscal o seu instrumento de trabalho.

I. A Reputação Fiscal no contexto ESG

No atual contexto, em que o paradigma de sustentabilidade passou a ancorar-se nos fatores ESG (de Environmental, Social & Governance), a maioria das empresas procura adotar princípios e práticas fiscais suficientemente adequadas à construção de uma sólida reputação fiscal.

Efetivamente, os aspetos fiscais assumem um papel crítico na construção da reputação de cada empresa, tendo por base que esta última suscita interconexões não apenas em relação a acionistas ou investidores como, mais amplamente, em relação a toda a comunidade – sendo que, nas situações com expressão ou conexão fiscal transfronteiriça, o conjunto de indivíduos que pode considerar-se como stakeholder relevante para a construção da referida reputação fiscal é substancialmente mais alargado.

É nessa medida que a fiscalidade (incluindo, de entre outros, aspetos como a carga fiscal) pode considerar-se uma métrica ESG, atendendo a que qualquer uma das suas dimensões (receita e despesa, por exemplo) afeta, ainda que forma distinta, os diferentes stakeholders.

Novamente a título de exemplo, quanto mais elevado for o nível de evasão fiscal, menor será a parcela orçamental disponível para investimentos em determinado tipo de políticas públicas.

Compreende-se, assim, que os referidos stakeholders tenham a expetativa de que cada empresa trate os seus assuntos fiscais de uma forma sustentável, medida de acordo com critérios de boa governação e, em última instância, suportando uma parte justa da imposição fiscal global.

Por maioria de razão, os mesmos stakeholders passam agora a entender elementos como o montante de impostos pago e as jurisdições onde ocorre o referido pagamento como elementos relevantes para a accountability de cada empresa, à luz de filtros que já não se resumem ao plano da Responsabilidade Social Corporativa (CSR) e exigem agora uma clara quantificação das métricas sobre as quais repousam as opções de sustentabilidade de cada empresa.

Neste contexto, muitas empresas passaram a divulgar uma parte muito relevante da informação relativa às suas opções fiscais, com a publicação dos seus guias de princípios ou boas práticas fiscais, em muitos casos culminando com a publicação de Relatórios Fiscais ou Relatórios de Pegada Fiscal Global.

Qualquer um destes elementos, relativo à utilização da informação fiscal de cada entidade, pressupõe uma prévia filtragem face aos mais relevantes princípios ou standards que, relevando no contexto ESG, possa igualmente ser utilizado para propósitos fiscais.

II. Princípios ou standards com relevo fiscal no contexto ESG

Conforme referimos inicialmente, os aspetos fiscais entraram definitivamente na agenda ESG e, nessa medida, reclamam um tratamento bastante pormenorizado, que deve considerar-se parte integrante de uma abordagem jurídica integrada ao comportamento fiscal das empresas – até porque, ora no presenta ora no futuro, estará sempre em causa a interpretação e aplicação de normas jurídicas.

Nessa medida, o relevo das opções e práticas fiscais de cada empresa pode começar por perspetivar-se à luz de um conjunto de princípios ou standards de primeira ordem, atendendo à sua relevância prioritária para as métricas ESG e, assim, para a construção da reputação fiscal de cada entidade:

Tabela 1: Conjunto de princípios ou standards com relevo fiscal de primeira ordem para as métricas ESG

Com enfoque na maximização da reputação fiscal de cada entidade, sobretudo multinacionais, este tipo de elementos integra já análises relativas de grande fôlego em torno realidades como: due diligence fiscal, códigos de conduta para cada cada grupo ou entidade ou ainda, com relevo progressivo, a dimensão fiscal de relatórios de sustentabilidade (em muitos casos, levando mesmo a uma plena autonomia, com a publicação de relatórios de performance fiscal).

Adicionalmente, podem ainda considerar-se outros princípios ou standards que, não possuindo a antiguidade ou robustez conceptual dos anteriores, relevem para a construção da reputação fiscal de cada entidade, novamente com enfoque nas métricas ESG.

Novamente em formato de tabela, podem acrescentar-se os seguintes conjuntos de princípios ou stanrdards relevantes, com particular relevo na dimensão “G” (Governance):

Tabela 2: Conjunto de princípios ou standards com relevo fiscal de segunda ordem para as métricas ESG

III. Perspetivas para o curto e médio-prazo

Conforme se verificou, está em curso um movimento que encontra também na reputação fiscal um dotado de uma importância que, aos olhos de outrora, fora largamente marginalizada.

Ao mesmo tempo, sendo certo que, para o curto e médio-prazo, o paradigma de maior revelação de informação fiscal é incontornável, igualmente relevante será estabelecer os limites adequados à preservação da privacidade e das vantagens competitivas das empresas – que não podem deixar de encontrar na dimensão fiscal um aspeto de particular proeminência, em especial no contexto europeu, com as liberdades de circulação totalmente consolidadas.

Se a construção de uma sólida reputação fiscal não é compatível com práticas totalmente desalinhadas face aos princípios e standards mais relevantes em termos de ESG, nem por isso se poderá passar para um paradigma de total ausência de exposição ao risco, sendo próprio de uma economia de mercado que as empresas (e os indivíduos, por acréscimo) continuem a utilizar a sua criatividade e os diversos instrumentos de gestão ao nível fiscal – otimizando, dentro do espaço próprio consentido pela lei, a sua fatura fiscal, tanto a presente como a futura.

A definição do horizonte e dos (novos) limites à referida criatividade e liberdade de gestão é um dos principais desafios a cargo daqueles que fazem da lei fiscal o seu instrumento de trabalho, sendo, por isso, diretamente convocados para a construção da reputação fiscal dos seus clientes.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Para uma Teoria da Reputação Fiscal (ESG)

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião