Portugal como plataforma global de investimento e negócios

Portugal tem condições para fazer diferente dos demais e fazê-lo decididamente melhor do que outros. Devemos aliar a eficácia à previsibilidade para nos destacarmos num mundo em convulsão.

Nas minhas apresentações institucionais, na qualidade de presidente da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal –, há um conjunto de mensagens que valorizo de forma especial. Primeiro, a magnífica combinação de tradição e inovação que hoje encontramos na economia portuguesa. Segundo, a nossa característica bonomia, bem como a capacidade que temos de comunicar através de diversos idiomas, desde logo a elevada proficiência que possuímos na língua inglesa, que acolhe e estimula a simpatia de cidadãos de outros países. E, terceiro, associado às anteriores, a capacidade que os portugueses possuem para criarem pontes e parcerias com interesses de diferentes culturas e latitudes. Ora, no mundo instável em que vivemos hoje, em que a relativa previsibilidade tem vindo a ceder o lugar à absoluta imprevisibilidade, e em que as regras de relacionamento institucional passaram a ser permeáveis à lei do mais forte, até mesmo nas democracias ocidentais, Portugal tem condições para fazer diferente dos demais e fazê-lo decididamente melhor do que outros. Devemos, portanto, aliar a eficácia à previsibilidade, face a terceiros, para nos destacarmos num mundo em convulsão.

Portugal tem sido esse porto de abrigo dos investidores. Em 2024, as transações de investimento directo estrangeiro (IDE) em Portugal estabeleceram novo recorde – superando a fasquia dos 13 mil milhões de euros – e em 2025, para além de continuarmos a acrescentar ao stock de IDE, teremos condições e instrumentos para acelerar de forma muito substancial a contratualização de investimento produtivo apoiado pelo Estado.

Trata-se de contratualizar despesa de investimento, promovida principalmente pelas empresas, às quais o Estado se junta de forma acessória, para reforçar o potencial de internacionalização da economia portuguesa. De resto, somente no primeiro quadrimestre de 2025, a AICEP, em representação do Estado português, contratualizou apoios a investimentos totais superiores a 300 milhões de euros, face aos cerca de 420 milhões de euros na globalidade de 2024. De igual modo, existe muito IDE, que não sendo elegível para efeito de incentivos financeiros do Estado, não deixa de ser activamente acompanhado pela AICEP – é o caso dos centros de serviços empresariais, cada vez mais sofisticados e decisivos na afirmação de Portugal no comércio internacional de serviços, ou os centros de dados no âmbito da economia digital.

O papel do Estado, através de entidades como a AICEP, deve ser o de encorajar a transformação económica do país, acelerando o crescimento empresarial daqueles que mostram capacidade de passar o teste de mercado e que revelam capacidade de inovação. Como teste de mercado, entendam-se todas as métricas que remetam para níveis de actividade e de rentabilidade, nomeadamente ritmos de crescimento, intensidades exportadoras em novos mercados e/ou mercados existentes, ou ainda despesas em actividades de investigação e desenvolvimento.

Regressando à visão estratégica, o desafio está em fazer de Portugal não só um polo de investimento de alta qualidade, mas também uma base para fazer negócios à escala global – de Portugal para o mundo. Nesta equação, gostaria de salientar o papel da agência a que presido – a AICEP. Enquanto entidade pública empresarial, que estatutariamente se encontra dotada de autonomia e flexibilidade de gestão, a agência promove a internacionalização das empresas portuguesas e a captação de IDE para Portugal – de acordo com o plano estratégico do seu próprio conselho de administração, por sua vez, alinhado com a estratégia do Governo. Fazemos a ponte entre as empresas que operam no país, beneficiando das condições e instrumentos de competitividade que temos para oferecer face ao estrangeiro, e as empresas que não operando ainda no país poderão vir a fazê-lo. A internacionalização e o investimento estrangeiro andam, assim, de mãos dadas, ou, dito de outra forma, para que possamos ser capazes de atrair investimento do estrangeiro teremos de ser economicamente reconhecidos no estrangeiro, mormente, nos sectores e tecnologias para os quais queremos IDE.

Felizmente, há muitos sectores, a que se juntam muitas áreas de tecnologia, em que Portugal é não só reconhecido internacionalmente, mas também receptor de investimento estrangeiro. No comércio internacional, um dos indicadores mais comummente utilizados para aferir da posição competitiva de cada país consiste na chamada vantagem comparada revelada. Ela é comparada porque é medida face a outros países, e é também revelada porque baseada em fluxos efectivos de comércio internacional. Simplificando, trata-se de aferir em que grupos de bens e serviços é que as exportações portuguesas são percentualmente superiores, em percentagem do total dessas respectivas exportações mundiais, face à quota média de exportações portuguesas no total das exportações mundiais (incluindo aqui todos os bens e serviços). A partir desta metodologia, cuja análise se pretende dinâmica ao longo do tempo, estão encontrados os sectores em que cada país tende a especializar-se, nos quais a incorporação de inovação e tecnologia é mais propícia e também mais provável – reforçando a especialização adquirida e desenvolvendo áreas adjacentes de especialização, emergentes ou potenciais.

A especialização internacional das empresas portuguesas beneficia também da integração em cadeias de valor, desde logo nas europeias. Para este efeito, a União Europeia tem promovido nos últimos anos diferentes enquadramentos conceptuais, tais como os ecossistemas industriais (industriais em sentido lato anglo-saxónico, incluindo o turismo, os serviços culturais e recreativos, as indústrias intensivas em energia, as energias renováveis, o aeroespacial e defesa, os têxteis, a electrónica, a mobilidade automóvel, o retalho, a economia social, o agroalimentar, a saúde, a economia digital e a construção) bem como os projectos europeus de interesse comum – também conhecidos pela sigla inglesa IPCEI (incluindo aqui consórcios europeus estabelecidos em áreas tecnológicas como a microelectrónica e semicondutores, baterias, hidrogénio, tecnologias avançadas de informação e comunicação, e a nova farmacologia. Deste modo, é na correcta articulação entre vantagens comparadas reveladas definidas ao nível nacional e a sua integração em cadeias de valor internacionais que reside o sucesso no comércio internacional e uma verdadeira autonomia estratégica no plano económico.

O papel do Estado, através de entidades como a AICEP, deve ser o de encorajar a transformação económica do país, acelerando o crescimento empresarial daqueles que mostram capacidade de passar o teste de mercado e que revelam capacidade de inovação. Como teste de mercado, entendam-se todas as métricas que remetam para níveis de actividade e de rentabilidade, nomeadamente ritmos de crescimento, intensidades exportadoras em novos mercados e/ou mercados existentes, ou ainda despesas em actividades de investigação e desenvolvimento.

A inovação como meio de internacionalização está, aliás, intrinsecamente associada à competitividade global dos países, daí a necessidade de identificar as ditas tecnologias críticas que, também em Portugal, seremos capazes de desenvolver. Dito isto, todas as empresas com ambição internacional encontram nível de resposta e de serviço junto da AICEP, através dos seus serviços centrais em Portugal ou da sua rede externa – presente em cerca de 50 países –, sendo que nem todas terão a mesma apetência internacional e nem todas as mesmas necessidades de apoio. Como em tudo na vida, não há como não estabelecer prioridades. Nesta matéria, os objectivos principais consistem na exportação do sucesso, e não do insucesso, e na aceleração de novas empresas internacionais, e não apenas das incumbentes.

Há entropias que são criadas desnecessariamente pela complexidade administrativa, que urge desmontar no espírito da guerra à burocracia declarada pelo senhor Primeiro-Ministro. Por exemplo, as delegações de competências devem ser agilizadas de forma responsável e transparente, para que o Estado funcione em tempo útil. De igual modo, deverá ser suprimida a figura dos pareceres não vinculativos, que apenas entopem o rol administrativo, e diferentes tutelas sectoriais, que determinadas matérias convocam, deverão beneficiar não apenas de articulação, mas também de sincronia conjunta.

Nesta articulação entre Estado e empresas, há cuidados a ter e deveres profissionais a observar. No domínio da internacionalização, para além dos apoios directos operados pela AICEP através da sua direcção comercial e da sua rede externa, há ainda outros instrumentos, disponibilizados através de fundos comunitários, que consistem em subvenções públicas a projectos individuais de internacionalização de empresas, ou projectos conjuntos através de associações, ou ainda apoios a acções colectivas promovidas sectorialmente (cujos benefícios têm de ser transversais a todos os participantes no projecto, sem benefício particular ou individualizável para nenhum deles). Enfim, há toda uma ciência de conhecimento sobre fundos europeus que os beneficiários têm necessariamente de dominar. Nestes instrumentos específicos, financiados por fundos comunitários, a AICEP actua como organismo intermédio, analisando e avaliando as candidaturas, que são depois autorizadas (ou não) pelas chamadas autoridades de gestão (v.g., COMPETE e/ou programas regionais), sendo que à AICEP também cabe a verificação posterior dos projectos subvencionados. Trata-se de uma área em que o rigor máximo é a máxima de serviço, devido às elevadas taxas de sinistralidade destes projectos e que dão lugar a correcções contratuais e devoluções de fundos.

A utilização criteriosa de recursos públicos, provenientes dos contribuintes da União Europeia ou daqueles que suportam o Orçamento do Estado de Portugal, é fundamental e imperiosa. Nos apoios à internacionalização, importa, portanto, aumentar a eficácia do gasto público e reduzir a taxa de sinistralidade, aumentando a exigência à partida, para se evitar a ocorrência de custos de oportunidade ou de ter de se andar a correr atrás do prejuízo (leia-se, fundos a recuperar) mais à frente. Já nos apoios ao investimento, tratando-se de projectos promovidos principalmente por privados e de forma acessória pelo Estado, trata-se de exigir aos promotores a apresentação de projectos com viabilidade económica e financeira, encontrando-se estes inseridos em sectores e tecnologias relevantes para a economia portuguesa, contando depois que as despesas de investimento apoiadas pelo Estado são acompanhadas durante toda a duração dos projectos. É o que fazemos na AICEP, em articulação com outras entidades do Estado de quem o nosso trabalho também depende.

A AICEP, para além de executar as políticas públicas do Governo, desempenha também um importante papel na articulação entre entidades públicas, no seio do próprio Estado, contribuindo assim para o desenho administrativo das políticas públicas.

O relacionamento institucional dentro do Estado é, aliás, tão importante quanto o relacionamento institucional entre o Estado e o sector privado. Há entropias que são criadas desnecessariamente pela complexidade administrativa, que urge desmontar no espírito da guerra à burocracia declarada pelo senhor Primeiro-Ministro. Por exemplo, as delegações de competências devem ser agilizadas de forma responsável e transparente, para que o Estado funcione em tempo útil. De igual modo, deverá ser suprimida a figura dos pareceres não vinculativos, que apenas entopem o rol administrativo, e diferentes tutelas sectoriais, que determinadas matérias convocam, deverão beneficiar não apenas de articulação, mas também de sincronia conjunta. A AICEP também contribuirá para esse desígnio nacional – combater a burocracia. Segundo inquéritos internos da agência, oito em cada dez investidores estrangeiros já estabelecidos em Portugal pretendem reinvestir no país.

Não há melhor cartão de visita do que este. O problema são aqueles que desistem pelo caminho, antes do primeiro investimento, e aqueles dois que se arrependem do caminho que fizeram.

  • Colunista convidado. Presidente do Conselho de Administração da AICEP, E.P.E.

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