Poupar a crédito não é poupar, Sr. Presidente

Há quem use a moratória do crédito para poupar. Sim! Leu bem. Parece estranho, mas está a acontecer. E o pior é que parece, ouvindo o que diz Marcelo Rebelo de Sousa, que isto é bom.

Enquanto no resto dos países europeus a poupança tem crescido, com as famílias a aproveitarem o ciclo económico para porem algum dinheiro de parte, em Portugal a taxa de poupança cai. Já é baixa, mas continua a descer. Mesmo com os rendimentos a aumentarem, poucos euros sobram ao final do mês. Salários são baixos? São. Mas também se gasta muito, mais do que o que se pode (e até, por vezes, do que se tem).

Ter poucas poupanças é um perigo. Sem um fundo de emergência, qualquer emergência é capaz de atirar o comum dos portugueses para uma situação financeiramente muito complicada. E isso está à vista. Perante uma pandemia que parou o país, são já centenas de milhares os agregados familiares a serem afetados por uma quebra nos rendimentos, ficando sem meios para se sustentarem. Alguns porque perderam o emprego, muitos mais por estarem em lay-off.

O travão aos despedimentos através da implementação de um regime simplificado de lay-off, que permite às empresas libertarem-se de grande parte dos encargos com os funcionários, é apenas uma das medidas adotadas pelo Governo para evitar uma crise ainda mais profunda do que aquela em que estamos a mergulhar. Há outras: linhas financiamento, mas também moratórias para empresas e famílias.

A quebra nos rendimentos põe em causa a sustentabilidade daquele que é o bem mais precioso da maioria das famílias: a casa. Por isso, e acreditando que esta crise será forte, mas passageira, foram criadas moratórias para os créditos à habitação (sendo que a banca complementa a ajuda com os empréstimos ao consumo). E com tantos trabalhadores afetados pelo vírus, há quem a procure. Mas nem todos com o objetivo para que foi criada: pagar o crédito.

Há quem as use para poupar. Sim! Leu bem. Parece estranho, mas está a acontecer. E o pior é que parece, ouvindo o que diz Marcelo Rebelo de Sousa, que isto é bom.

O Presidente da República diz que houve “grande maturidade revelada pelos portugueses em março” na relação com a banca, falando sobre o recurso às moratórias após o encontro que teve com os banqueiros. Elogiou a “forma como recorreram a moratórias, nuns casos para terem um alívio da sua situação financeira e noutros para fazerem uma poupança para o que possa vir a ser o futuro imediato”.

Dá vontade de pedir para repetir, porque parece que nem se percebeu bem o elogio, de tão estranho que é. Como pode o Presidente da República aplaudir o facto de haver portugueses que estão a “poupar” deixando de pagar o crédito? Poupar a crédito nunca tinha ouvido falar. É um conceito novo, que dificilmente entrará em qualquer manual de finanças pessoais, Sr. Presidente.

Ninguém vai conseguir poupar com uma moratória. É impossível! Vai é aumentar a dívida, arriscando-se a ficar numa situação potencialmente ainda mais complicada a prazo. Uma moratória não é uma “borla”. É uma facilidade, mas paga-se. E isso está bem explícito nas moratórias agora criadas.

Quem, por exemplo, tenha contraído um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos, tendo já pago durante dez, contará agora com uma mensalidade de 495 euros, considerando um financiamento com Euribor a seis meses e um spread de 1,5%. Poderá interromper o pagamento das prestações e dos juros nos próximos seis meses, mas quando voltar a pagá-lo, já não vai dever o mesmo. Deve mais ainda.

Os juros não pagos vão transformar-se em dívida. E todos os meses dos seis de “borla”, vão custar muitos euros. É dinheiro que não é pago agora, mas será pago durante os muitos anos que ficarão a faltar até à maturidade do crédito. A dívida engorda, as prestações também (embora não muito graças à política de juros baixos do Banco Central Europeu). Em vez de 495 euros por mês, vai pagar 498. Ora, mantendo-se tudo constante, três euros a multiplicar por 12 meses durante 20 anos são 720 euros extra. Onde está, então, a poupança?

As palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, elogiando esta estratégia de “poupança”, só faria sentido se a moratória para as famílias não funcionasse como vai funcionar. Se esse elogio fosse feito sabendo algo que, à data, não se sabe: que durante os seis meses da moratória iriam ficar isentos de juros. Não estão, mas deviam.

O Presidente que saiu do encontro com os banqueiros com a sensação de que existe um “estado de espírito de grande mobilização” no sentido de a banca ajudar a economia portuguesa a enfrentar um período difícil, poderia (e deveria), ter pedido um pouco mais ao setor. Depois de os lembrar que esta é altura de retribuírem a ajuda dada pelos portugueses na anterior crise, não custava muito (quase nada, na realidade), que a banca isentasse as famílias dos juros durante a moratória. Não iriam perder dinheiro. E, melhor, iriam conquistar algum do crédito que perderam na última década.

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