Quatro dias de trabalho: vamos falar disto a sério

  • Pedro Lacerda
  • 1 Fevereiro 2022

Faz sentido? Faz. É um modelo benéfico e com resultados comprovados na produtividade e felicidade dos trabalhadores? Sem dúvida. É o momento certo para equacionar a sua implementação? Talvez não.

A semana de trabalho de quatro dias subiu para o palco imediato de forma pouco genuína. Tenhamos, desde já, em conta que o tema — e respetivo mediatismo –- surgiu em plena campanha eleitoral, o que facilita a compreensão da relação entre um tema e o seu contexto. Fora isso, tentemos perceber o porquê de este modelo não ser exequível, neste momento em específico, em Portugal. São vários os motivos:

O principal argumento que defende este modelo prende-se com o aumento significativo da produtividade. Concordo. No entanto, em Portugal, os números não são animadores:: dados do Pordata mostravam que, em 2020, éramos o 7º país menos produtivo da União Europeia, o que nos mostra o longo caminho ainda por percorrer.;

Além disso, os nossos salários são – também eles – tendencialmente baixos. Ao propormos uma semana de quatro dias laborais, o que não se discute – e tem de ser discutido – é que este modelo não é sustentável se trabalharmos 4 dias e mantivermos a remuneração dos atuais 5, onde ainda demonstramos lacunas ao nível da produtividade. Se o fizéssemos, obviamente que muitas empresas não teriam capacidade, de forma sustentada, em assumir esse custo. Por outro lado, se ajustarmos um salário já baixo de acordo com menos um dia de trabalho, então o nosso poder de compra desce drasticamente;

A própria estrutura do nosso tecido empresarial está assente em serviços (muitos deles que operam 24/7) e na carga fiscal aplicada sobre os mesmos, o que provoca uma necessidade bem maior em manter a atual dinâmica económica, principalmente na área dos serviços;

Por último, tenhamos em conta que as empresas que mostraram sucesso comprovado no modelo de 4 dias são empresas tecnológicas, em que a flexibilidade é bastante maior do que, por exemplo, nos serviços. Quem conhece o nosso mercado laboral sabe que as tecnológicas representam uma minoria das nossas empresas. Algumas organizações, inclusivamente, só agora deram início aos seus processos de transição digital e/ou tecnológica. Muitas outras, nem isso poderão fazer porque a sua atividade não o permite de todo, como a indústria têxtil ou fabril. E são muitas as que por cá operam.

É unânime e comprovada a teoria de que mais horas de trabalho não se traduzem em maior produtividade. Mas há um trabalho de casa mais urgente a fazer – que passa por recuperar dos danos que ainda estão por apurar do impacto da pandemia.

Não me interpretem mal: a semana de 4 dias é um modelo que merece análise, debate e acima de tudo a vontade de perceber como e onde o aplicar. O contexto será sempre parte essencial da conversa.

Estes desafiantes últimos dois anos provaram ser uma oportunidade para falarmos do que pode ser o futuro do trabalho. Isso é algo que já retiramos de positivo e que vai marcar as conversas futuras. Precisamente por isso, necessitamos de um realismo capaz de abordar este assunto com a atenção e cuidado, mais do que o reduzir a soundbites de uma campanha eleitoral.

  • Pedro Lacerda
  • CEO Kelly Services Portugal & Benelux

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