SAD ou Sociedade Antagónica Desportiva?

  • Frederico Aguiar Branco
  • 6 Abril 2020

Se queremos manter as SAD como parte integrante do tecido empresarial nacional, são necessários mais mecanismos de apoio que salvaguardem a sua sustentabilidade.

Por força do isolamento social imposto por vários países europeus, o mundo do desporto e as suas atividades e eventos continuam suspensos. Como consequência disso, treinadores e jogadores – os designados trabalhadores com contrato de trabalho desportivo – estão impedidos de prestar a sua atividade e as Sociedade Anónima Desportiva (SAD) (os empregadores) começam a ressentir-se desta paragem dos campeonatos e a sofrer as consequências que isso acarreta a nível económico e financeiro, nomeadamente no que respeita ao pagamento de salários.

Pergunta-se então: como podem os dirigentes das SAD salvaguardar os interesses das sociedades que representam e dos seus investidores, em paralelo com os interesses dos trabalhadores, credores e demais stakeholders das SAD?

Para começo de resposta, socorremo-nos do velhinho e já estudado à exaustão número 1 do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que refere que os gestores ou administradores das sociedades comerciais (e, portanto, também os das SAD) devem observar “b) deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Em tempos que apelidamos “de normalidade”, nas Sociedades Comerciais, assim como nas Sociedades Desportivas, em concreto, assistimos por via de regra a uma simbiose entre os diversos interesses em presença: os interesses dos trabalhadores são, geralmente, paralelos ou mais ou menos coincidentes com os interesses dos acionistas e dos demais agentes económicos envolvidos, sejam eles fornecedores ou credores bancários. Na verdade, em circunstâncias normais, todos beneficiam e dependem do exercício da atividade de cada um para que a Sociedade cumpra o seu objetivo e se constitua como verdadeiro motor da economia do país.

Isto é assim, como se disse, em tempos “de normalidade”; perante uma situação como a presente, de pandemia do Covid-19, os interesses individuais dos trabalhadores – desde logo, a proteção da sua saúde, a par com a proteção dos seus rendimentos, mesmo estando impedidos de desempenhar a sua atividade – são antagónicos com os interesses da sociedade, dos investidores e dos credores. Por isso, se a SAD deixar de realizar o pagamento dos salários, terá tal atitude respaldo na proteção do interesse da Sociedade? E se, pelo contrário, a SAD utilizar a tesouraria disponível para pagar aos seus trabalhadores, um eventual incumprimento dos seus deveres perante os credores bancários será justificável pela defesa dos interesses próprios dos trabalhadores? Todas estas perguntas, até agora analisadas pela doutrina de um ponto de vista meramente teórico, são hoje colocadas na prática nas SAD e no conjunto imenso de Sociedades comerciais que, por força das restrições governamentais, viram a sua atividade – e, consequentemente, os seus rendimentos – drasticamente reduzidos. Seja qual for a resposta, uma coisa é certa: se queremos manter as SAD como parte integrante do tecido empresarial nacional, são necessários mais mecanismos de apoio que salvaguardem a sua sustentabilidade e que, no limite, garantam a sobrevivência do desporto como o conhecemos.

Enquanto tais mecanismos não são uma realidade, é reconfortante observar as várias demonstrações de solidariedade que vão muito além daquilo que a legislação assegura e que esperamos sejam replicados no universo desportivo português. Desde logo, a iniciativa levada a cabo pelos quatro maiores clubes alemães (que, por serem financeiramente mais poderosos)que se comprometeram a doar 20 milhões de euros aos clubes mais afetados pelo surto; por outro lado, a atitude exemplar de Cristiano Ronaldo, que abdicou de receber parte do seu salário (cerca de 11 milhões de euros), que foi canalizado para o pagamento dos salários dos funcionários do seu clube Juventus. Haja idêntico espírito solidário e empático por cá, em sintonia com todas as manifestações de grandeza de espírito e de abnegação a que temos assistido nas últimas semanas.

  • Frederico Aguiar Branco
  • Advogado da área de desporto da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados

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