Será desta que os benfiquistas aprendem? E os portistas?

O grau de exigência ética em relação a quem lidera continua a ser demasiado baixo em Portugal. A que se junta uma aversão ao risco que prefere o mau conhecido a qualquer versão do desconhecido.

Nem um desinteressado por futebol terá ficado genuinamente surpreendido com a detenção de Luís Filipe Vieira e as suspeitas que sobre ele recaem, conhecido que é o extenso currículo de casos judiciais envolvendo o próprio e o Benfica, versando matérias tão diversas como a evasão fiscal e a corrupção desportiva.

Se os créditos concedidos ao presidente suspenso estavam entre os principais ativos tóxicos do Novo Banco, há muito tempo que Luís Filipe Vieira era o principal ativo tóxico do Benfica. Devia ter-se afastado, como este articulista por diversas vezes defendeu nas páginas do Record. Acabou empurrado à força para fora e a ter de apresentar a demissão a partir da prisão domiciliária.

Os acontecimentos dos últimos dias instalaram a desconfiança e a incerteza nas equipas profissionais das várias modalidades, nos trabalhadores do clube, nas empresas que investem milhões em patrocínios e na mente dos investidores, em plena emissão de obrigações. É este o custo, intraduzível numa soma concreta, mas demasiado pesado, que o Benfica é agora forçado a pagar.

O que mais existirá que não é do conhecimento público? O que irá descobrir uma futura auditoria que passe a pente fino contas e transações das últimas quase duas décadas do mandato de Luís Filipe Vieira. Está instalado o veneno da dúvida.

Por mais confiança que os órgãos sociais tentem, e bem, passar para todos os “stakeholders” do clube, o seu tempo esgotou-se. Podem, legitimamente, recandidatar-se às próximas eleições. Mas só a sua saída poderá limpar o ambiente e restabelecer a confiança. Rui Costa, o sucessor escolhido por Vieira, nunca poderá corporizar uma alternativa.

O que trama Luís Filipe Vieira no Benfica não são os supostos esquemas para se livrar das dívidas ao Novo Banco, mas a soma mais pequena das alegações: 2,5 milhões de euros do clube que terá metido ao bolso em conluio com o empresário Bruno Macedo. Até os vieiristas empedernidos têm dificuldade em engolir esta. Ao contrário do que sempre negou, Vieira terá mesmo usado o clube em proveito próprio. É o que dá quando um e outro se fundem numa amálgama forjada por 18 anos de poder.

A OPA seria mesmo para pagar favores a José António dos Santos, que venderia não nessa operação, mas quando o bolo fosse vendido mais tarde a um grande investidor por um preço bem acima dos cinco euros oferecidos naquela oferta, que em boa hora a CMVM chumbou. Estávamos em novembro de 2019.

E o que dizer do arranjinho com José António dos Santos para entregar 25% da SAD sem o mínimo de transparência e debate pelos benfiquistas. É John Textor o investidor estratégico prometido pelo presidente ou apenas aquele que foi possível seduzir para comprar aquela posição no capital por uma soma 140% acima do que ela vale em bolsa? Como se suspeitava, o dono da Valouro não era um mero acionista, mas um parceiro de negócios do presidente.

À luz dos acontecimentos recentes percebe-se melhor o desespero de Vieira para assegurar a reeleição, “comprada” a peso de ouro com o maior gasto em passes de jogadores, o treinador mais dispendioso e uma folha salarial inflacionada. Precisava do cargo para manter os negócios de que agora é suspeito. Mesmo perante os abundantes problemas com a Justiça e os sinais de desnorte na gestão, a maioria dos benfiquistas votou na continuação do presidente.

É justo que se reconheça a obra que Luís Filipe Vieira construiu no clube: o novo estádio, o centro de estágios, uma estrutura mais profissional e os títulos conquistados. Não se pode é confundir gratidão com permissividade. O grau de exigência ética em relação a quem lidera continua a ser demasiado baixo em Portugal, dando largas à desresponsabilização, tanto em empresas como no Estado. A que se junta uma aversão ao risco que prefere o mau ou o assim-assim conhecido a qualquer versão do desconhecido.

O Público lembrou, num artigo publicado a semana passada, a passagem de Vale e Azevedo pelo Benfica. Começa assim: “Usar a dimensão e o prestígio da instituição Benfica para benefício pessoal e apropriar-se indevidamente de dinheiros do clube: apesar de o número e tipologia de crimes serem diferentes – bem como os esquemas financeiros imputados pelo Ministério Público para estes alegados desvios –, a base das suspeitas que pairam sobre Luís Filipe Vieira é a mesma que João Vale e Azevedo enfrentou no dia 17 de Fevereiro de 2001”.

“Quem fala de benfiquistas à frente do Benfica devo lembrar-lhes que Vale e Azevedo era benfiquista”, disse Vieira, num jantar no Estádio da Luz em 2012. O advogado servia então de papão para pregar aos sócios contra os seus concorrentes às eleições. Ironias da história.

Espera-se que duas doses de aldrabice em duas décadas sirvam de vacina. Os sócios do FC Porto deveriam pôr os olhos no que acontece no Benfica, porque é elevada a probabilidade de o mesmo suceder no clube azul e branco. As suspeitas sobre desvios de dinheiro dos dragões, nomeadamente através do filho de Pinto de Costa (o de Vieira também é arguido) são antigas e regressam de tempos a tempos.

Segundo a revista Sábado desta semana, a operação “cartão vermelho” não incide apenas no Benfica, mas de forma mais vasta no futebol português. Entre as matérias em investigação estão comissões pagas no negócio de compra dos direitos de transmissão, publicidade e patrocínio do FC Porto pela Altice em 2015 e transferências de jogadores do clube da Invicta.

A verdade é que Pinto da Costa vai ganhando eleições atrás de eleições, com os sócios a garantirem-lhe uma espécie de direito vitalício ao lugar. Se o futebol português quer ser respeitado, tem de ter líderes que se deem ao respeito. Se o Sporting foi capaz de mudar para melhor, os outros também são.

Como diz a sabedoria popular: à primeira toda a gente pode cair, à segunda só cai quem quer, à terceira só cai quem é tolo.

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