Somos todos Ricardo, Robles
Ricardo somos todos nós, por muito que isso custe a Robles. Ricardo tem que ter uma conversa séria com Robles.
Há a economia como ela é. Há a forma como alguns políticos pensam que ela funciona. E depois ainda há o que alguns políticos dizem que ela é. Não raramente e por diversos motivos – desde o preconceito social e ideológico em todo o espectro ao marketing eleitoral – só por coincidência estes três planos são idênticos. Isso ajuda a explicar o falhanço de muitas intervenções do Estado: quando partimos do diagnóstico errado só por mero acaso acertamos na terapia.
O que é muito raro, configurando mesmo o estatuto de “almoço grátis”, é termos à mão um caso prático real tão rico e útil para o ilustrar como este que tem Ricardo Robles como protagonista e que foi noticiado pelo Jornal Económico num excelente trabalho jornalístico.
Ele permite-nos olhar para a essência da economia: os agentes económicos que somos todos nós, as nossas motivações e decisões enquanto observamos o que alguns políticos estão a pensar de nós, das nossas motivações e decisões. Assim mesmo, a realidade nua e crua muito bem documentada, uma espécie de programa de “câmera escondida”, em que os protagonistas não sabem que estão ou vão ser observados.
Este caso Robles tem outra grande vantagem sobre o que é a regra em polémicas que envolvem políticos e dinheiro: que se saiba, é legalmente imaculado. Tomando como boa a informação disponível, o vereador em Lisboa do Bloco de Esquerda agiu sempre dentro da lei e cumprindo os passos administrativos e burocráticos exigidos. Deixando de lado a hipocrisia política que lhe está associada, isto permite que nos possamos focar naquilo que é essencial numa economia de mercado: afinal, porque é que as pessoas decidem o que decidem sobre as suas vidas? e que juízos morais podemos e devemos fazer sobre isso?
– De um lado temos Ricardo, o cidadão que tem uma vida e uma família e toma as decisões que, dentro da lei e das regras da economia de mercado, melhor servem os seus interesses e satisfazem as suas necessidades.
Do outro lado temos Robles, o político e agora vereador do BE, que não tem grande amor pela economia de mercado e acha que o Estado deve criar regras e leis que limitem as opções de Ricardo.
– Ricardo, o cidadão, fez aquilo que qualquer outro cidadão na sua posição teria feito, utilizando os instrumentos – financeiros, capacidade de decisão, conhecimento sobre o sector – que tinha ao seu dispor. Não o fez com nenhum objectivo perverso, vontade de provocar o mal a terceiros ou espezinhar direitos alheios.
Robles, o político e vereador do Bloco de Esquerda em Lisboa, tem sustentado uma parte importante da sua acção e programa político contra as decisões de Ricardo por considerá-las moralmente criticáveis.
– Ricardo, no âmbito de decisões pessoais e familiares totalmente legítimas e que só aos próprios deviam dizer respeito, decidiu comprar um imóvel em Lisboa. Optou por comprar um edifício na zona histórica de Lisboa num leilão da Segurança Social.
Robles acha que a Segurança Social – tal como a câmara ou outras entidades públicas – não devia vender a privados património nas cidades para poder controlar a utilização que lhes é dada.
– O prédio comprado, no bairro lisboeta de Alfama, estava largamente desocupado e a precisar de obras profundas. Ricardo e a irmã desenvolveram um projecto de recuperação, obtiveram autorização para construir mais um andar, valorizando o imóvel e aumentando a sua potencial utilização. Como constava do anúncio de venda da imobiliária, o imóvel acomoda 11 unidades de alojamento local.
Robles votou contra a possibilidade de aumento do índice de construção na zona e a liberalização da utilização de edifícios nestas zonas históricas para fins turísticos. O vereador e o seu partido querem limitar a sete a propriedade de unidades de alojamento local por entidade.
– Onde Ricardo identificou uma oportunidade que aproveitou, Robles vê um oportunista que é preciso travar.
– Ricardo negociou com os inquilinos que havia no prédio a sua saída. Chegou a acordo com uns, outro recorreu aos tribunais que é o que acontece quando as pessoas não se entendem ou acham que os seus direitos não estão a ser respeitados, podendo ter ou não razão nessa avaliação.
Nas suas intervenções públicas, Robles olha para estas coisas como “despejos” e actos de “bullying imobiliário”, tendo já promovido vários protestos públicos sobre o assunto, colocando no mesmo saco o que é feito de acordo com as regras e à margem delas.
– Ricardo comprou o imóvel, desenvolveu o projecto de recuperação, endividou-se para o concluir e no final conseguiu uma excelente taxa de valorização do seu investimento. Terá investido cerca de um milhão de euros e colocou o prédio à venda, preparado para alojamento local numa área de grande afluência de turistas, por 5,7 milhões de euros. Não terá aparecido comprador disposto a pagar esse valor e o prédio está vazio e praticamente sem rendimento há vários meses. São as normais regras do mercado e da oferta e procura a funcionar: o valor de algo é o que alguém está disposto a pagar por ele.
Robles reduz isto a actos de especulação praticados por gente de baixo perfil moral que só compra hoje para vender amanhã, que “despeja” inquilinos em atitudes sem princípios ou consciência social, a “fundos abutres” e “grande capital” para quem “no vocabulário do lucro não existe a palavra compaixão”.
– Ricardo viu o prédio de que é proprietário vandalizado por estar desocupado.
Robles já caucionou actos de vandalismo iguais contra outros proprietários.
– Ricardo conduziu todo o seu comportamento neste caso ciente de que não lhe compete praticar e pagar uma política social de habitação que compete ao Estado desenvolver.
Robles defende que compete aos proprietários continuarem a suportar uma parte da política social de habitação com limitações às rendas e à utilização dos imóveis.
– Ricardo comportou-se como um cidadão normal, igual a todos os outros que diariamente tomam as suas decisões económicas de acordo com o que consideram ser o seu bem estar e interesses. Das mais comezinhas – tomo o pequeno-almoço em casa ou na pastelaria? – às mais importantes – compro casa ou arrendo? Como aplico o resultado das minhas poupanças?
Robles faz um juízo negativo das decisões económicas tomadas por muitos cidadãos dentro das regras e de acordo com o seu bem estar.
Ricardo somos todos nós, por muito que isso custe a Robles. Ricardo tem que ter uma conversa séria com Robles.
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