Sustentabilidade empresarial, deveres dos administradores e responsabilidade civil
Os problemas não são fáceis de resolver, mas têm de ser enquadrados com razoabilidade e prudência, de modo a não descaracterizar o figurino das sociedades e das empresas.
O Código das Sociedades Comerciais português (“CSC”) entrou em vigor a 1 de Novembro de 1986. Aproximando-se a celebração desta data, justifica-se reflectir sobre a oportunidade de adequar o CSC para assegurar o respeito, nomeadamente, com a Directiva sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, de 13 de Junho de 2024 (doravante, “CSDDD”).
O quadro regulatório europeu introduz um “dever de diligência” das empresas, através de regras imperativas que obrigam a uma renovação das condutas, dos procedimentos e dos modelos de parcerias comerciais. A CSDDD impõe às empresas um conjunto multifacetado de deveres, a saber, identificar, avaliar, prevenir, mitigar, pôr termo e remediar os efeitos prejudiciais causados ou potenciados junto de terceiros e do ambiente. O sentido último da CSDDD é assegurar uma actuação empresarial “neutral”, isto é, que não seja fonte de prejuízos relevantes.
Tendo presente o recente quadro regulatório, pode, hoje, questionar-se sobre a existência de um dever dos administradores de tomar decisões e de implementar medidas que garantam o respeito pelos direitos e interesses estratégicos de terceiros ou relacionados com o ambiente. Em concreto, fará sentido reconhecer um dever jurídico dos administradores de (i) tomar a decisão “mais sustentável nos planos social e ambiental” ou de (ii) recusar decisões de investimento ou parcerias comerciais que, apesar do potencial económico-financeiro, são susceptíveis, em termos de adequada razoabilidade, de lesar direitos e interesses estratégicos titulados por terceiros ou relacionados com o ambiente. A admitir um (novo) dever com esse figurino que tenha sido incumprido, cabe, por outro lado, ensaiar a hipótese de um caso de responsabilidade civil dos administradores (nos termos e para os efeitos dos artigos 72.º-ss. do CSC). Na verdade, apesar de a CSDDD se dirigir às empresas e de apenas prever a responsabilidade civil das empresas pela violação do dever de diligência (cfr. artigo 29.º), os desenvolvimentos regulatórios, ao abrigo da denominada Proposta “Omnibus”, têm enfatizado o papel das legislações nacionais, que podem, como tal, constituir título habilitante de um dever dos administradores – a admitir com autonomia quanto ao dever de diligência das empresas – e, em consequência, de um possível caso de responsabilidade civil dos administradores.
O artigo 64.º CSC não prevê, em termos expressos, um dever dos administradores em matéria de diligência empresarial. Em todo o caso, o tema tem animado o debate doutrinário, no quadro da alternativa suficiência/insuficiência do artigo 64.º, na redacção vigente, para fundar um dever dos administradores em matéria de sustentabilidade social e ambiental.
O esclarecimento das coordenadas legais e dos limites de uma hipótese de responsabilização dos administradores tem uma importância fundamental, em particular, no contexto de decisões de elevado risco e que possam evidenciar uma tensão significativa entre os interesses dos shareholders e dos stakeholders, a curto, médio e longo prazo. É, de resto, possível questionar se a emergência do quadro regulatório em matéria de sustentabilidade empresarial tem a aptidão de comprimir a business judgement rule, nos termos previstos no artigo 72.º, n.º 2 do CSC, expondo os administradores, em maior medida, a cenários de litigância empresarial e a pretensões indemnizatórias pelos danos causados por decisões e estratégias não alinhadas com os critérios de sustentabilidade social e ambiental.
Os problemas enunciados não são fáceis de resolver, mas têm de ser enquadrados com razoabilidade e prudência, de modo a não descaracterizar o figurino das sociedades e das empresas.
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