Um país cheio de Sol e de condicionantes

  • Catarina Pinto Xavier
  • 10 Fevereiro 2022

Quem esteja a braços com o licenciamento de um centro eletroprodutor de solar fotovoltaico, sabe bem que o maior desafio é estabelecer a sua localização.

É para todos evidente a aposta que Portugal está a fazer na produção de eletricidade a partir de energias renováveis. Depois do Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC 2050) e do Plano Nacional de Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), se dúvidas houvesse, o legislador (tanto da Assembleia da República, como do Governo) veio confirmar isso mesmo com as recentes aprovações da Lei de Bases do Clima (1) e do novo Regime Jurídico do Sistema Elétrico Nacional (2).

E é também evidente, considerando os dados divulgados pela DGEG e a realização dos leilões solares em 2019, 2020 e 2021 pelo Governo, a que se junta a perceção que temos no terreno, junto de promotores e interessados, que a energia solar fotovoltaica é, neste momento, a preferida.

Apesar da contribuição ainda diminuta da energia do sol para a produção de eletricidade em Portugal, os dados revelam que a potência instalada de solar fotovoltaico triplicou de 2019 para 2021 e é sabido que a maioria dos projetos pendentes de aprovação ou em fase de implementação são para centrais fotovoltaicas. Vendo pelo inverno que estamos a atravessar, dúvidas não há que não falta Sol neste país à beira-mar plantado.

Mas apesar de todo o enfoque e – faz sentido aqui dizer – energia que as políticas públicas estão a colocar na transição energética, tendo em vista a descarbonização da produção de eletricidade, a concretização de projetos que a materializem está longe de ser simples e rápida, antes pelo contrário.

É que se há Sol para todos, num país pequeno como o nosso, o Solo é um bem escasso, que ganha lugar de destaque na discussão entre o desenvolvimento económico e a proteção dos recursos naturais e dos ecossistemas, como se a bola, numa visão distante e simplista, tivesse que cair de um lado ou do outro.

Quem esteja a braços com o licenciamento de um centro eletroprodutor de solar fotovoltaico, sabe bem que o maior desafio é estabelecer a sua localização. Se o Sol abunda, os pontos de receção de eletricidade são limitados e aqueles que ainda têm capacidade de receção disponível vêm normalmente “acompanhados” de uma ou várias condicionantes.

Falamos, por exemplo, das áreas de terreno abrangidas por RAN – Reserva Agrícola Nacional, REN – Reserva Ecológica Nacional, Áreas classificadas de conservação da natureza e da biodiversidade, medidas de proteção ao sobreiro e à azinheira ou limitações estabelecidas em PDM – Planos Diretores Municipais. E com elas vêm as “respetivas” entidades públicas, cada uma com os seus poderes e as suas diferentes abordagens: DRAP’s – Direções Regionais de Agricultura e Pescas, CCDR’s – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Municípios. Condicionantes essas que não se confundem, mas acrescentam, à Avaliação de Impacte Ambiental ou à Avaliação de Incidências Ambientais.

Conceptualmente, todas as condicionantes são justificadas e fazem sentido. Diremos mesmo que, perante a torrente da transição energética, as condicionantes constituem uma mais valia que obrigam à ponderação de todos os interesses em presença (ambientais, económicos e sociais), e que, apesar de refrearem o espírito dos mais entusiasmados, asseguram aquilo que a Lei de Base do Clima veio relembrar: que as políticas do clima estão subordinadas aos princípios do desenvolvimento sustentável, aproveitando os recursos naturais e humanos de forma equilibrada, em consideração pelos deveres de solidariedade e respeito pelas gerações futuras e pelas demais espécies que coabitam no planeta, e do respeito pelo Ambiente, devendo ser assegurada uma especial articulação com a lei de bases do ambiente, prevenindo e mitigando riscos ambientais conexos.

Na prática, porém, as condicionantes são tudo menos idílicas. E os projetos de centrais fotovoltaicas são a prova disso mesmo. As posições das entidades públicas tendem a extremar-se, cada uma no seu campo de certezas “técnico-fundamentalistas”, e ao promotor é implicitamente atribuída a função de diplomata num conflito de poderes públicos, mais ou menos problemático consoante as entidades com poderes na localização em causa.

É o promotor, que é uma entidade privada, quem procura, na prática, conciliar todas as partes, muitas vezes sem as conseguir sentar à mesma mesa, e encontrar uma solução de compromisso, sob pena de o projeto não sair do papel. Nesta perspetiva, que é mais real do que gostaríamos de admitir, as condicionantes são hoje vistas como o maior obstáculo à transição energética.

Não cremos que a solução seja centralizar para garantir a coerência das decisões da Administração Pública. No novo regime do SEN, o Governo procurou “simplificar” por essa via, tirando competência aos Municípios para reconhecerem o interesse público de projetos que tenham obtido título de reserva de capacidade de injeção na RESP ao abrigo de procedimentos concorrenciais. As diferentes perspetivas e competências técnicas são necessárias.

O que falta à Administração Pública é espírito de equipa, espírito construtivo e de desiderato comum. Enquanto estiver cada um mais preocupado em manter o seu feudo tal como está, não vamos lá.

  • Catarina Pinto Xavier
  • Advogada da SLCM - Serra Lopes, Cortes Martins & Associados

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