Uma estratégia Hulu para os media em Portugal
Estarão os grupos nacionais de media prontos para criar valor? E se sim, então, está na hora de assumirem realmente os seus objetivos estratégicos.
A complexidade dos tempos que vivemos exige uma reflexão em torno dos mais variados setores económicos e sociais. O atual estado da indústria de media em Portugal não foge à regra. Não apenas a mais vocacionada para a componente informativa, mas também a de ficção.
Durante mais de duas décadas exerci cargos de liderança e de decisão num mercado com a dimensão e competitividade do norte-americano. Há uma exigência e pressão de tal ordem que uma qualquer falha, mesmo que pareça de somenos, pode ter implicações gravosas dramáticas, do ponto de vista financeiro ou reputacional para uma organização.
As decisões, embora racionais e orientadas para a rentabilidade, são equilibradas com o risco — através de uma compreensão profunda das necessidades do público, antecipando, simultaneamente, as tendências e os riscos estruturais.
Ora, em 2007, uma joint venture, entre a News Corporation (liderada por Rupert Murdoch), a NBCUniversal e a Walt Disney Company, levou à criação da Hulu, uma plataforma de streaming para as três emissoras — FOX, NBC e ABC. É de salientar que estes são três dos maiores conglomerados de media do mundo. Com isso, esta plataforma passou a ser a casa dos conteúdos — sejam emissões online ou streaming — criados pelos grupos envolvidos, e, desde então, adicionou programação original com o intuito de alargar a sua relevância e apelo junto de novos públicos.
Este é um exemplo de como a agregação pode gerar escala, ao encontro do que sucedeu, também, com a Crunchyroll, que reuniu conteúdos de anime japonês para uma audiência global, que atualmente ultrapassa os 17 milhões de subscritores. No final de 2020 foi vendida por 1,2 mil milhões de dólares, depois de uma extraordinária criação de valor — o meu primeiro unicórnio… E tudo apenas foi possível pela integração numa única plataforma de uma miríade de séries e filmes desta vertente artística nipónica.
Ora, o que tem tudo isto a ver com Portugal? Simples, o nosso país necessita de implementar uma estratégia Hulu. A pequena dimensão do mercado, que o impede de estar alheio aos desafios que o setor dos media enfrenta à escala global, exige capacidade de resposta e robustez. Isso não se faz se tivermos três players em constante competição, tantas vezes febril, tantas vezes irracional, mesmo que a quota de mercado permaneça pequena e continue a diminuir.
Entretanto, os streamers globais estão a ganhar escala a nível mundial e Portugal não está imune. O seu objetivo é ter acesso aos melhores conteúdos, de forma imediata e a preços competitivos. No nosso país, se isso significar a criação de plataformas unificadas que possam dar escala aos nossos conteúdos, que assim seja. O foco deve estar em satisfazer as necessidades dos clientes atuais, enquanto atrai novos clientes. Ou dito de outra forma, garantir que estamos a falar com novos clientes!
Perante a realidade que o mercado português, numa situação mais crítica daquela em que se encontravam as emissoras norte-americanas há cerca de 18 anos, quando criaram o Hulu. É crucial que passem a competir e colaborar. Deve ser criada uma plataforma unificada que agregar os seus conteúdos. De que serve à Opto, RTP Play ou TVI Player operarem isoladamente? Como é que vão chegar a novas audiências quando os streamers globais com orçamentos significativos e conteúdos inovadores estão a competir por uma quota limitada do mercado?
A qualidade das séries de ficção nacionais cresceu exponencialmente. Melhores atores, guiões entusiasmantes e inovadores, maior qualidade de som e imagem. Tudo isto, em conjunto, pode ser distribuído globalmente, num mercado potencial de 260 milhões de pessoas cuja primeira língua é a portuguesa. Sem esquecer a diáspora lusa, que ronda entre os 2.5 e os 3 milhões de pessoas. E a melhor forma de as manter conectadas ao seu país é dar-lhes acesso ao que de melhor se faz em televisão dentro de portas, ou em parceria com produtores dos vários países lusófonos.
Estarão os grupos nacionais de media prontos para criar valor? E se sim, então, está na hora de assumirem realmente os seus objetivos estratégicos. Pela cultura portuguesa, mas também pelo seu futuro financeiro e viabilidade enquanto organizações. Atualmente, diz-se que o Hulu vale mais de 40 mil milhões de dólares. Compreendo que se trata de uma escala diferente, mas três ferozes competidores optaram por reunir os seus conteúdos para alcançar novos públicos, em grande escala. Apesar dos valores em causa, penso que ficaram satisfeitos por se manterem relevantes para a próxima geração de consumidores.
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