Editorial

Uma reforma do Estado serve exatamente para quê?

A reforma do Estado é o principal compromisso político deste Governo, mas para já só se vê mais despesa, em investimento, sem resultados do lado do peso da máquina do Estado.

A reforma do Estado prometida por Luís Montenegro ganhou uma relevância política única com a criação de um ministério e a nomeação de um ministro-adjunto, Gonçalo Saraiva Matias, com competências (e poderes) transversais. É uma espécie de ‘alfa e omega’ do primeiro-ministro, que já disse publicamente ter posto toda a sua credibilidade política neste processo. Ora, para já, o que se sabe é que a reforma do Estado vai custar 1.6 mil milhões de euros, e não se vê poupanças nem ajustamentos à máquina do Estado para libertar recursos para a economia.

A reforma do Estado, para este Governo, está centrada na simplificação, desburocratização e digitalização dos serviços públicos. Não é coisa pouca, se estes objetivos forem efetivamente cumpridos (mas deveria ter outro nome, porque uma reforma do Estado deveria incluir também funções do Estado e que prestações de serviços públicos são asseguradas diretamente ou prestados por terceiros, privados). Só que esses objetivos também deveriam ter outra consequência, além da qualidade dos serviços: Um Estado a consumir menos recursos, com menos pessoas.

Uma reforma do Estado que não toca na máquina do Estado não reforma nada, pode mudar processos, mas não reforma. O Governo fala de “eficiência” e “desburocratização”, mas para já evita o essencial — isto é, ajustar o tamanho da máquina à produtividade da economia e usar a digitalização para libertar recursos. É isso que fazem as empresas privadas, e têm de fazer sob pena de serem postas fora do mercado. No caso do Estado, ao invês, os contribuintes pagam. Ora, sem um plano que defina quantos entram, quantos saem e quanto se poupa, o Estado apenas se reorganiza para continuar igual.

Aliás, enquanto se discute a reforma do Estado — e até se anuncia que a primeira fase está concluída, apesar de não termos dado por ela –, o Governo está disponível para devolver aos trabalhadores do Estado mais dias de férias. Extraordinário.

O que revela o ECO hoje?

  • O Governo prevê gastar quase 1,6 mil milhões de euros com a reforma do Estado até 2029, segundo a proposta de lei das Grandes Opções 2025-2029 a que o ECO teve acesso. A grande fatia do bolo, quase 80%, será investida até 2027, num total de 1.269 milhões de euros. As medidas passam pela criação de uma agenda nacional para a inteligência artificial, uma autoridade da Função Pública e de prémios de poupança no Estado assim como pelo lançamento de um tribunal arbitral especializado em litígios de pequena e média dimensão entre empresas/cidadãos e Administração Pública.

Estes investimentos poderão mesmo ser necessários, não é isso que está em causa, mas do outro lado tem de haver um resultado. Uma verdadeira reforma permitiria gerar espaço orçamental — reduzir despesa corrente, canalizar recursos para investimento e baixar impostos.

O que está em causa não é só gestão pública, é credibilidade de futuro, a sustentabilidade financeira da República. O rácio de entradas inferiores a saídas no Estado é um indicador simples e verificável, a sua ausência mostra que o processo é político, não técnico.

Quando o Orçamento do Estado para 2026 permite perceber que o Governo está a esgotar as suas ferramentas para manter nível de aumento de despesa — e o fim do PRR e a dependência do turismo são outros riscos –, seria de esperar que fossem dados passos concretos. Não são, ou foram bem escondidos.

O principal risco desta gestão política é desperdiçar mais uma oportunidade histórica. A janela demográfica na Função Pública — com milhares de saídas previstas até 2030 — permitiria reduzir despesa estrutural, aumentar salários médios pela via da produtividade e libertar recursos para investimento público. Mas isso exige coragem política e planeamento técnico: Se há uma orçamentação por programas, com metas e objetivos por ministério, mudança muita importante, o que falta é a decisão política. Sem isso, a efetiva reforma do Estado continuará a ser um exercício de retórica, possivelmente com melhores serviços públicos, mas cada vez mais caros para os contribuintes.

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